quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O aniversário de Woodstock

É no mínimo interessante ler ou assistir as diferentes reportagens que pretendem cobrir os quarenta anos de Woodstock, o festival que marcou época e tornou-se ao longo destes anos, objeto de análises e críticas de estudos da cultura. Há os que se lembram nostalgicamente da singeleza e ingenuidade dos jovens que ali aportaram, vindos de cada canto do USA, país que assassinara um ano antes seu líder negro que pregava a irmandade entre as raças (Luther King) e demoraria mais alguns para trazer de volta seus jovens sobreviventes à guerra do Vietnã. Outros preferem utilizar um tom mais sarcástico, acentuando o caráter de trocas humanas e de cooperação que emanava dali, mas que não teria sobrevivido à sedução capitalista que impôs uma convivência mais competitiva. Há ainda os que vaticinam contra a permissividade dos três dias de rock ,drogas e sexo, como se ali houvesse sido gerado uma nova (e para muitos,constrangedora) maneira de se viver a vida. Lenda? Legado? Ou produto de uma série de contingências e circunstâncias sociais e políticas que permitiram que quase meio milhão de jovens atendessem a um chamado para se reunirem ao som de algumas bandas? O que fez com que esta turba de jovens transformasse tal evento em um dos maiores acontecimentos do final dos anos sessenta, encenando um protesto pacífico contra a guerra e a favor da paz, ao levar a sério o amor como força de combate contra a ânsia de poder, o ódio e a violência? De certa maneira, há unanimidade quanto ao fato deste evento ter se tornado grande de maneira fortuita. Os próprios realizadores, por não esperarem uma resposta espontânea de tal porte àquele apelo banal, viram-se obrigados a entregarem a organização à sorte e ao acaso do destino, mas principalmente à responsabilidade de cada uma das pessoas ali presentes, músicos e bandas incluídas. Ninguém sonhava com a repercussão que esta convivência de três dias de sol, chuva e lama (possível tão somente graças à tolerância e a troca de gentilezas entre seus participantes) alcançaria para a cultura da época. Embora seja esperado que os aniversários destas datas provoquem reflexões, debates e análises sobre sua origem e importância, é fato que a história sempre sofre uma ressignificação quando interpretada a partir de um presente. Assim como olhamos nosso passado e podemos julgá-lo de forma diferente a cada década, acrescentando adjetivos que não podíamos perceber e apagando outros que perderam sua importância, hoje é possível analisarmos Woodstock como uma metáfora dos sonhos da geração pós segunda guerra mundial, um símbolo das mudanças gestadas lentamente no ocidente a partir do desejo e da crença de cada jovem na possibilidade de tornar melhor o mundo em que viviam. Um mundo que pudesse finalmente eliminar as diferenças entre os povos e aclamar sua irmandade, apostando na capacidade de cada um em se responsabilizar por suas escolhas e em respeitar a dos outros. Aos que fizeram parte desta geração e assistem a este momento emocionados (revivendo-o a partir do documentário Woodstock: 3 Dias de Paz, Amor e Música, de Michael Wadleigh) identificam ali seus ideais juvenis de apostas neste mundo possível. Para estes, Woodstock é a fotografia desta utopia, aquela foto- troféu que guardamos eternamente por sabermos que ela capturou um momento inédito e possivelmente único. Mas nem ao mar nem à terra, o mundo continuou girando e os jovens também, em sua tarefa exaustiva e infinita de buscar um mundo melhor e construir novas utopias. Com um legado importante graças a esta geração Woodstock, a grande maioria de nossos jovens não necessita enfrentar discriminações por raças, religiões ou preferências sexuais e seguem buscando em seus laços de amizade, um certo amparo diante de suas incertezas ou sofrimento. Quanto às medidas de seus prazeres e deveres, desde que estas passaram a ser responsabilidade de cada um, serão sempre trabalhosas e arduamente construídas ao longo de suas vidas. No plano político, foi com o slogan “ um outro mundo é possível” que o Brasil acolheu-os vindos do mundo todo para participarem dos Fóruns Sociais Mundiais que aconteceram a partir de 2001 em Porto Alegre, quem sabe acreditando serem capazes de transformar e reconstruir o mundo. Exemplo? A Folha On-line exibia dia destes, a foto de várias pizzas cujos desenhos da cobertura lembravam o bigode de Sarney, e que seriam distribuídas na abertura da exposição de escândalos da política nacional do Museu da Corrupção (www.dcomercio.com.br/muco/home.htm) realizada na faculdade de Direito São Francisco.

coluna do dia 19 de agosto de 2009

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Samba de muitas notas

Confesso não me lembrar das disciplinas teóricas (história da música, por exemplo) que faziam parte do aprendizado musical oferecido pelo Conservatório Musical de Araraquara, local em que estudei piano por muitos anos, mas a música, em toda a sua extensão sensorial, teve um peso substancial nas diversas etapas de minha vida. Assim como certos cheiros e sabores, os sons de nossa infância podem ser verdadeiras coreografias das lembranças que nos são significativas. Cenas de minha mãe tocando Chopin, assobiando os sambas cantados por Francisco Alves, ou de meu pai dançando ao som dos mais variados “long-plays” que tocavam na linda rádio-vitrola de nossa sala são apenas indícios de que ambos, por canais diferentes, imprimiram uma cultura musical em nossa família e, de certa forma contribuíram para que seus sete filhos( e a maioria de seus netos) se tornassem amantes incondicionais da “boa” música. Ao lado disso, a partir das décadas de sessenta e setenta, a singular conjuntura sócio-econômica-cultural do ocidente possibilitou o aparecimento de várias expressões juvenis nascidas no anseio de transformação da sociedade, e impôs uma importante mudança no panorama musical mundial.Tal como o boom da literatura nos dois séculos anteriores, a música transformou-se em porta-voz oficial das insatisfações, dúvidas, desejos e apostas dos jovens. Em um não tão lento e bastante perceptível movimento, ela foi ganhando um espaço inédito na vida dos jovens, auxiliado também pela velocidade e pelas facilidades com que o mercado passou a divulgá-las ( discos, TV, shows, festivais). Nasce assim, uma forma contemporânea de grande alcance desta influencia musical, um convite a muitos jovens, que daí em diante, começam a desejar a aprender a tocar piano, violão, guitarra, percussão, ou a formarem duplas, conjuntos e bandas que pudessem reproduzir os sons e as letras de suas preferências. Esta explosão cultural da música teve uma repercussão importante no Brasil, que ao lado da invasão dos diferentes estilos de rock,começa a movimentar um caldo cultural imenso e próprio de nosso país. Nestas mesmas décadas, os LPs ou compactos que tocavam em nossas vitrolas portáteis podiam ser os últimos lançamentos dos ícones da então promissora Bossa Nova (aquele som de samba eclipsado pelas batidas sincopadas do violão, com letras de um romance mais moderno, menos trágico) ou de Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, assim como de qualquer “ música pop” que emplacasse um sucesso. Além disso, a nova cultura musical chegava com uma proposição inusitada de movimentos corporais, um dançar em que os corpos acompanhavam livremente os sons, entregues aos compassos da música. A vida da maioria dos jovens passa a se entrelaçar com estas músicas, suas letras, suas melodias, seus ritmos. No Brasil, pudemos assistir aos poucos, um mergulho em nossas raízes musicais, e do samba, do choro, do baião, do forró, das músicas de viola, surgiu uma pluralidade de estilos novos, que conversavam com o erudito, o jazz, o rock e o pop internacional, mas também com o folclore e os mais variados gêneros regionais. Na voz e na caneta de muitos brasileiros ( Tom, Vinícius, Chico, Caetano, Milton, Gil, Hermeto são apenas alguns), nossa música foi ganhando um status internacional importante, mas também um reconhecimento de muitos jovens, que passaram a se interessar pelo seu acervo rico e variado. Foi uma surpresa agradável, por exemplo, ouvir no domingo último, em Araraquara, a mistura de rock e samba que o conjunto Sambô de Ribeirão Preto imprimiu em seu repertório. Quem poderia imaginar que um dia dançaríamos ao som de um legítimo ( e muito bom) samba de roda, com cavaquinho, pandeiro e rebolo, cantando "I Fell good", de James Brown?

coluna do dia 12 de agosto de 2009

terça-feira, 4 de agosto de 2009

À Deriva

Em geral a expressão “à deriva” nos remete a situações em que certas embarcações marítimas se vêem obrigadas por algum motivo a interromperem seu curso e a ficarem sem rumo, mas também cabe aos que propositalmente desligam seus motores e se deixam ficar algum tempo ao compasso do mar. No filme brasileiro que leva este nome e que acaba de entrar em cartaz na capital,as primeiras imagens que vemos são os corpos de uma menina de 14 anos e de seu pai, boiando,totalmente entregues ao balanço das ondas. Ficar assim à deriva, no mar azul, sem saber direito quando as ondas vão chegar e se deixar levar para cima e para baixo, olhos fixos na imensidão do céu, ouvidos submersos e atentos aos sons abafados pela água, pode ser uma experiência de muito prazer para alguns, mas acima de tudo é, sem dúvida, uma experiência de entrega, de se deixar levar e exige por isso,um mínimo de confiança. Esta cena, que também encerra o filme, parece ser utilizada pelo diretor para anunciar a delicadeza com que ele irá tratar do tema a ser explorado, tão caro para nós modernos. Filipa, a menina que acompanha o pai nas águas do mar de Búzios, é a mais velha de uma família de três filhos e naquele momento ainda não foi assaltada pelos sentimentos difíceis que todos os filhos vivem quando seus pais estão prestes a se separar. As separações, que na atualidade já fazem parte de um repertório comum a muitas famílias, são sempre mal vistas por todos, inclusive pelos próprios protagonistas, que em geral prorrogam esta decisão, titubeiam ou tentam diferentes maneiras de “salvar” a relação. As razões deste mal estar em torno da ruptura de um casamento não são tão óbvias e nem tão simples como se quer acreditar, mas com certeza nos mostram o quanto apostamos na construção de uma família estável, quando imaginamos a felicidade de nossos filhos. Felicidade esta que se tornou um item de máxima importância para a realização pessoal de todos, mas que é desde sempre, paradoxal. Há pouco tempo a Folha de São Paulo anunciou um enxame de livros acadêmicos americanos, frutos de pesquisas recentes em torno do que seria a felicidade para nós, contemporâneos: saúde, prosperidade, juventude? Sentir-se bem, desfrutar da vida e desejar que essa sensação se mantenha? As respostas são controversas e embora mostrem a felicidade como um fenômeno histórico, ou seja, dependente dos valores e crenças que elegemos a cada época, o fato destas pesquisas existirem mostra o quanto ela permanece sendo um de nossos mais importantes ideais, algo que imaginamos perseguir, mesmo que durante nossas vidas, elejamos diferentes objetivos como fontes desta felicidade. Mas para os que elegeram ser pais, a felicidade de seus filhos é geralmente parte integrante de sua própria felicidade e isso em geral se deve ao fato de que se aposta que eles poderão viver ( ter, fazer, realizar) o que não pudemos. Neste sentido as separações são sempre um saco sem fundo, em que não só pressentimos que os nossos pimpolhos irão sofrer, como nos angustiamos por não poder antecipar o quanto tais dores irão calar para sempre a possibilidade de eles poderem ser felizes. Por isso o filme em questão agrada a todos, mesmo que pareça ( ou justamente por esta razão) estar abordando temas tão banais. Agrada porque o clima tenso e inquietante de uma relação conjugal em crise, é mostrado pelo olhar de Filipa, a adolescente que precisará trocar a imagem idealizada de seus pais, pela crueza de suas realidades, vivendo na própria pele, os dramas que o amor e o sexo impõe a todos. Tal como um ritual de passagem, a menina tenta entender a mulher, ajustar seu olhar sobre os homens, às custas do desmoronamento de suas certezas infantis e de muitas lágrimas. Mas ainda assim, será possível a ela voltar a ficar à deriva com o pai ao seu lado, no mesmo mar azul de sua infância.

coluna do dia 5 de agosto de 2009