segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O espelho de nossas vidas

“Meninas! Nem pensem em me ligar antes de acabar o último capítulo de Passione. Liguem-me depois!”– disse ela. Havia cumplicidade no riso das amigas. Como em quase todas as temporadas de novas novelas televisivas, ao menos uma ganha uma audiência maior e tem sua “existência” prolongada nas conversas de ruas, bares, colégios, trabalhos. Saem os atores para que os personagens ganhem vida e possam fazer parte do cotidiano de todos. Mas não só. Seus atos, escolhas, destinos serão motivo de debates e muitos torcerão a favor ou contra, defendendo apaixonadamente seus argumentos. Há alguns dias teve inicio a versão 2011 do BBB (Big Brother *Brasil), fato que mobiliza uma grande fatia da população em torno dos selecionados, dispostos a exibir sua “performance” corpo/alma diante do olho permanente das câmeras e seus milhões de espectadores. Há os que torcem o nariz para estes tipos de produtos culturais mais populares e muitos evitam confessar que gostam e assistem. A verdade é que a cultura popular está ligada as origens do circo, à comédia, ao teatro de rua; é entretenimento e se relaciona com o mais banal de nossas vidas, com o que nos identificamos e gostamos de ver ou ouvir. Por terem roteiros e formatos “made in Brazil” estes produtos se aproximam mais ainda de nossos valores, tocam nossa música, cantam nossas falas. É fato que há algum tempo o espaço público vem invadindo o privado e muitas vezes o excesso causa mal- estares e críticas sempre bem vindas. Mas também é verdade que há bem pouco tempo nossas referências se limitavam ao espaço familiar. No mundo atual as escolhas, as mudanças, os gostos e os valores da família já não são mais decididos privadamente por uma “autoridade parental”. Há uma “família-social” que nos ajuda a decidir sobre nossas vidas, nossos valores, o que comer, o que vestir, o que consumir. Acostumamo-nos a querer saber os modos como cada um se relaciona consigo mesmo, com seu corpo, com sua história, com os outros e também com suas tarefas, sonhos, etc. Saber sobre suas dores, que frustrações ou rejeições sofreu, quais são seus “traumas” e o que e como faz com tudo isso.Tanto as telenovelas quanto os reality shows mobilizam um grande número de pessoas que compartilham desta encenação da vida humana.Um fascínio que só se explica pelo grande espelho que ela projeta sobre nossas próprias vidas: suas misérias e paixões.

*“Big Brother”(Grande Irmão) é um termo emprestado da obra de ficção de George Orwell “1984” escrita em 1948.Tal personagem é o líder oculto que vigia tudo e a todos com suas teletelas -um misto de televisor e câmera de vigilância.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

“Precisa-se”

Precisa-se de jovens flexíveis para assumir diferentes papéis numa organização, capazes de liderar e decidir, com facilidade para atuar em equipe, hábeis em análise, empreendedores na criação de projetos e com integridade pessoal e ética forte.

Pode-se imaginar um jovem qualquer, com seus 23 ou 24 anos, formado em Administração de Empresas e lendo este anúncio como parte de sua maratona de busca de empregos. Ele pode achar que se enquadra tranquilamente nos requisitos ali pedidos ou ficar paralisado duvidando de sua capacidade ou de seu preparo. Mesmo se ele for mais confiante e disposto a enfrentar a via sacra da seleção dos candidatos, no final ele poderá ser rejeitado. Supondo que ele seja aceito, as exigências anunciadas poderão assombrá-lo deixando-o inseguro e com medo de não corresponder às expectativas da empresa. Além destas expectativas pode haver a dos pais, da namorada, e as dele próprio. Ele pode ter se preparado como manda o figurino: falar inglês e espanhol fluentemente, arranhar o francês, ter cursado um MBA e até ter experiência de trabalho enquanto estudante. Mas ainda assim, lá pelas tantas, é possível que ele cisme que sua competência não esteja sendo reconhecida e imagine que a qualquer momento poderá perder seu lugar. Afinal ele pode não ser do time dos que fazem muitas coisas ao mesmo tempo e em tempo recorde, ao contrário, ser mais lento e precisar conferir cada etapa para se sentir mais tranqüilo, o que poderá ser motivo de intolerância dos colegas ou do chefe. Ou não, ele poderá ganhar aos poucos seu reconhecimento graças à sua “personalidade”, alguém que consegue se relacionar bem com diferentes pessoas e ao mesmo tempo exiba destreza e rapidez nas tarefas. Mesmo assim, poderá ser exigido que ele seja mais criativo, que possa apresentar idéias novas para os projetos da empresa. A verdade é que o mercado de trabalho já foi um espaço delimitado e previsível com regras rígidas e estáveis, horários fixos e agenda pré-estabelecida. Os cargos já vinham etiquetados com designações específicas. Ainda que a idéia tradicional de trabalho como um valor de peso na roda do progresso tanto individual quanto coletivo permaneça, é difícil analisar rapidamente o contexto de suas mudanças e os complexos efeitos delas. Para contemplar uma “metáfora” destes novos tempos é só parar alguns minutos diante de uma banca de revistas e tentar contar o inusitado número de publicações da área conhecida como “business”; se ainda houver tempo, tente passar os olhos por suas manchetes de capa, todas disputando promessas de novas direções para os dilemas que afligem o “trabalhador” destes tempos. São milhares de pesquisas realizadas por consultorias especializadas em detectar os prós e contra, o que facilita e o que dificulta ou o que sobe e o que desce no ranking, seja em gestão de pessoas, de tempo, de finanças, de projetos, de qualidade, etc. Em geral estas pesquisas também anunciam as tendências e tentam preparar os jovens para as exigências sempre renováveis do mercado de trabalho. Mas como vimos no pequeno relato sobre o nosso personagem fictício, não há garantias. Sobra a cada um “poder” apostar em uma auto-imagem e uma auto-estima consistente.Quando ao sentido do trabalho destacamos os eixos da felicidade e do sofrimento revela-se o jogo social cujas relações são atravessadas pelas forças de domínio/subjugação, em que sempre se pode tomar alguém como objeto a ser usado e explorado por outro. Um jogo que exige conhecimento, coragem, esforço, cooperação, engajamento, depende do reconhecimento e da solidariedade mas convive com as águas turvas da competição/exclusão e da disputa de poder. Complicado.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Pais e filhos

Quase todos os hóspedes da pousada estavam no salão enfrente à piscina onde era servido o café da manhã. Pelo menos umas três mesas eram de jovens casais- na faixa dos 25 aos 30 anos – e suas crias. Em uma delas estava o pai, o filho mais velho, 4 anos, e sua irmãzinha de 11 meses no carrinho. A mãe, uma linda jovem, chegava depois trazendo os “tupperwares” vazios para enchê-los com comidinhas mais adequadas ao bebê. No dia anterior o pai havia ido sozinho ao café com os dois filhos. No final de sua jornada entre servir a ele e aos dois, as crianças estavam sentadas em seu colo- um em cada perna - e ele administrava com maestria as diferenças de cuidados que um e outro exigiam. Mais: conseguia dosar a atenção a nenê de forma não só a evitar que o mais velho pudesse “sofrer” demais com seus ciúmes, mas com o intuito claro de “semear” o convívio responsável e solidário. Não pude evitar imaginar que ele estivesse poupando sua companheira, dando-lhe a chance de estar um pouco a sós. Dos quatro membros da família o mais falante e efusivo era o garoto. Conversava sem parar com o pai e de vez em quando se dirigia à irmãzinha imitando os adultos que em geral usam o “manhês” com os bebês: ela adorava e ria escancaradamente. De certa forma o menino intuía que este comportamento deixaria seu “pai-herói” feliz. A voz afável, firme e tranqüila deste pai revelava um jovem homem à vontade nesta difícil tarefa de “paternagem”. Pelas risadas constantes de seu filho supunha-se que ele conseguia uma medida interessante entre o rigor das regras e a leveza lúdica das intervenções, o que deixava a criança à vontade no ambiente “estranho”, sem que isso significasse uma falta de limites. Neste dia o menino chegou ao salão mais animado e, como fazem as crianças de sua idade, saiu em direção ao caramanchão que levava às mesas de jogos, fazendo sua inspeção curiosa por alguns instantes. De lá ele passou a gritar a fim de ser ouvido: “Pai, você vai ter que ir comigo ao banheiro. Eu quero fazer cocô”! Voltou correndo e repetiu a frase. Todos os adultos presentes o olharam com condescendência e sorrisos. Rindo muito ele ainda acrescentou: “Mas é bom você tapar seu nariz!” - e tapou o próprio nariz. Por um momento todos pareceram guardar suas risadas na tentativa de não constranger nem ao pai nem ao menino. Aqui e ali alguns se entreolharam e riram baixinho. Um adulto qualquer, mais sensível, comentou: “Como é bom ter esta idade e poder anunciar estas coisas de forma despretensiosa e em alto e bom tom!” Aliviados, uma boa parte deixou suas risadas invadirem o ambiente mas quem mais riu foi a mãe que continuava a comer seu desjejum.Cenas comuns do funcionamento de uma família que começa a se formar, às voltas com esta missão exaustiva/importante de “criar” os filhos. Com todas as mudanças que a família sofreu neste ultimo século, ela ainda é a matriz humana responsável não só pela nossa sobrevivência (somos dependentes de cuidados que ofereçam alimentos, higiene, direções) mas principalmente pela construção de nossa subjetividade, esta marca identitária singular que contém a história dos significados atribuídos aos cuidados, como ( amor/ódio) fomos tocados, embalados, alimentados, escutados, e de que modo ingressamos na cultura a fim de nos situarmos entre as leis e os códigos de convivência social. É bom quando encontramos casais corajosos e cientes de sua importância para o futuro de seus filhos.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Indignemo-nos!

Uma notinha na Revista Época do dia 27 de dezembro falava sobre o sucesso recente e surpreendente de um livrinho francês de trinta páginas cujo título seria “Indigne-se”. Escrito por um judeu alemão que vive na França desde os sete anos, o autor - Stéphane Hessel, 93 anos – convida a todos a não deixar de se indignar com as injustiças. Engajado desde a adolescência e sentindo-se próximo do fim, ele declara ser precioso indignar-se ao invés de se conformar pacificamente com os malfeitos humanos. Ao menos duas questões interessantes poderiam ser debatidas a partir deste pedido agônico. A primeira é a de que a Historia nos mostra que a humanidade tanto caminha em direção a uma busca de justiça para todos tecendo às duras penas leis e instituições que zelem pelo cumprimento das premissas que elegemos como humanitárias, quanto precisa (permanentemente) se defender da estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, dos sectarismos religioso ou político ou dos nacionalismos discriminatórios. Ou seja, parece que nossa “evolução” é sempre paradoxal: de um lado nosso melhor, de outro nosso pior. A segunda questão está no fato de um pequeno livro fazer sucesso e barulho em pleno século XXI de uma era digital. Quem sabe seja o nosso acervo literário, e mais recentemente o cinema, certas produções de TV - e daqui em diante as digitais - os grandes guardiões de um legado que não se pode perder, ou seja, o de que são justamente nossas diferenças étnicas e culturais que compõem a riqueza do patrimônio humano. Quantas vezes nos emocionamos com histórias de pessoas desconhecidas que nos tocam profundamente pela “verdade” que seus sentimentos ou ações solidários revelam? Ou reconhecemos nossas dúvidas morais e/ou ressentimentos em argumentos e debates propostos por histórias de personagens fictícios,às vezes distantes e estranhos que em geral nos auxiliam a refletir sobre nossas condutas? Talvez Hessel tema que vivamos nossas vidas sem questioná-la, sacudi-la, sem perguntar nada a ninguém, nos desculpar ou desconfiar, sempre de acordo com os modos e meios de sobrevivência, como neandertais escravizados por tabus primitivos e códigos simplórios ou pior, alienados em nossas rotinas cotidianas.Por isso é uma boa notícia saber que este “velhinho” acredita e aposta naqueles que o sucedem ao esperar que alguns de nós sigamos nos indignando.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Inquietações

Apesar de inúmeras tentativas para compor um texto com palavras que em geral descrevem nossos sentimentos natalinos ou nossas apostas para o ano que entra, acabei sucumbindo a certas inquietações, talvez por estarmos fechando os dez primeiros anos do século XXI, um século que nos abriu definitivamente a possibilidade de acompanharmos de perto e em tempo real tudo o que acontece em nosso globo terrestre e em suas adjacências. Em uma visada rápida pela história, de seres superiores e escolhidos que habitavam um planeta especial, quase somos pontinhos em um universo que não cansa de nos surpreender pela sua extensão e/ou desconhecimento. Vivemos em uma era digital que desconstrói a idéia de fronteiras geográficas, étnicas ou sociais. Mais ajustados à nossa devida significância, parece que o que nos move hoje - para o bem e para o mal- é as nossas paixões, um argumento fácil de auferir quando nos deparamos com aqueles que desistem, seja por tristeza, desesperança ou amargura. De certa maneira, ao desvendar muitos dos mistérios que sustentavam nossos mitos e davam certos significados às nossas vidas, a Ciência nos jogou a batata quente do sentido de nossas vidas em nossas próprias mãos. Descortinado nosso desamparo, uma grande parte – “os especialistas”- passou a se dedicar ao ofício de criar regras ou modos de usar, pensar, comer, dizer, vestir, amar, morrer, etc., para todos. E mais, fomos convidados a assumir um estilo, marcar nossos gostos. Mas muitos de nós ficamos confinados ao desconfortável espaço do temor de não saber, não ser capaz, não poder agir, confiar, assumir, mudar, o que nos leva ao fato de que não nos ajuda muito aprender a cartilha: é tarefa e responsabilidade de cada um (quando é possível) conhecer, revisar e reajustar os desejos de sua alma. Parece difícil aceitarmos que a cada um o passado afeta o presente de forma única e delineia o futuro. Também é fato que a badalação da economia mundial venha se deslocando da dupla produção/consumo para um “saber”, que muitos chamam apenas de conhecimento e outros insistem no valor do “autoconhecimento”. Seja qual for a área, percebe-se um movimento de busca de um diferencial, talvez a tal “criatividade” ou algo que possa nos brindar com uma medida especial de equilíbrio e brilho e que explique como alguns conseguem abrir/construir novas “portas” ou “estradas” na difícil empreitada de se viver uma vida bem vivida ou de “afetar” as pessoas, despertando suas paixões e assim dando continuidade à esta nossa espécie, os humanos. Dizem que inventamos estas “passagens” para avaliar nossas vidas e dar vazão e razão às nossas inquietudes. Meu “muito obrigada” aos leitores que me prestigiaram em 2010; que venha o 2011 e nos surpreenda com suas boas novas.

Eu existo

Confesso que estava curiosa para conhecer um pouco mais sobre o fundador do Facebook, este site de relacionamento que em alguns anos atingiu a marca inacreditável de 500 milhões de seguidores do mundo todo, inaugurando uma espécie de “ala social mundial” em que cada um pode escolher/convidar alguns amigos e conhecidos de qualquer lugar para fazer parte diária de sua vida, atualizando suas ações (comentários, fotos, filmes, links, mensagens, etc.) em tempo recorde. O lançamento do filme há algumas semanas fez com que vários programas de TV e a mídia em geral se pusessem a questionar/criticar as razões do sucesso do site. Você faria parte do Facebook? Quem são as pessoas que fazem? As respostas são muitas, as críticas idem. Há o time dos que abominam e aqueles que adoram. Mas como tudo o que invade sem pedir licença e se impõe a revelia do tempo necessário para sua acomodação, o Facebook pede uma avaliação honesta. No filme, Mark Zuckerberg, o estudante de Harvard que será o principal mentor desta empreitada, é caricatura dos “nerds” que acostumamos a assistir nas estórias - de cinema ou TV- que repetem de forma exaustiva a cultura dos colégios e das universidades americanas. Vale notar que esta insistência no tema não é casual e demonstra a importância que este país dá ao seu sistema de ensino, que para o bem e para o mal incentiva seus alunos a entrarem na corrida dos empreendedores e arriscarem nas idéias (cultura muito popular nas “tops” de linha - caso da Harvard, Stanford e outras). Os “nerds” seriam aqueles capazes de dominar níveis de conhecimentos técnicos que os “normais” estariam longe de conseguir mas exibem, como contraponto,uma enorme falta de destreza social. Em geral são inibidos, solitários e pouco prestigiados por seus pares, sejam estes do mesmo ou do sexo oposto. Zuckerberg é um menino de vinte anos inconformado com a sua exclusão social o que o faz desejar (intensamente) saber a “fórmula” para ser “amado/aceito/” por sua paquera ou para ser respeitado/pertencer aos famosos clubes privados de seu meio estudantil. Desajeitado e desastrado (“sem noção”) no trato social é imbatível nas relações com o computador, suas ferramentas, suas possibilidades quase sem limites. Rejeitado, transforma sua ferida dolorosa em vingança genial. Ao focar a história dos dois processos abertos contra ele, um reivindicando a autoria da idéia e outro a parceria no projeto, o filme revela este herói contemporâneo, cujas habilidades incontestáveis trazem junto a dor moral que lateja sem pena. Por isso a frase que ecoa é aquela que acusa o paradoxo. Ele acaba criando um lugar democrático de pertencimento, em que todos podem contar que existem, por que existem, o que fazem, por que fazem, o que gostam ou não, por que gostam/não gostam, etc. Uma idéia genial, que revela os desejos de muitos, senão como explicar a velocidade de sua aceitação? Mitos à parte, gênios de todas as épocas são aqueles que conseguem captar o algo a mais que está a rondar à sua volta. A nova maneira de se viver a partir da modernidade ou a possibilidade de todos podermos mudar nossa posição social, também inaugura a luta de todos pelo reconhecimento e, portanto, as contínuas tentativas de nos mantermos importantes aos olhos dos outros, uma peregrinação sem fim, mas que talvez valide nossa existência.
Para conferir: A Rede Social, The Social Network, EUA, 2010.
Direção: David Fincher
Roteiro: Aaron Sorkin
Elenco: Jesse Eisenberg, Adrew Garfield, Armie Hammer, Justin Timberlake, Max Minghella, Rashida Jones.