quarta-feira, 17 de julho de 2013

Que lugar para o amor


Nos versos de sua música “Futuros Amantes”, Chico Buarque canta um futuro em que “sábios em vão tentarão decifrar o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios de estranha civilização”, como se previsse um tempo em que a linguagem do amor romântico, tão assimilada em nossa cultura, pudesse não só cair no esquecimento, mas produzir estranhamento. Foi essa curiosidade quanto ao futuro de uma “ordem” já tão naturalizada entre nós e que norteia a vida de quase todos, que guiou os caminhos de minha tese de mestrado, cuja dissertação defendi em 2006. Basicamente a tese buscava entender (pesquisar) as razões do alto valor do amor romântico como ideal de vida para quase todos, levando em conta que o imenso arcabouço estruturado ao seu redor, não dava mais sinais de poder se sustentar da mesma maneira. Mudavam os casamentos, choviam separações e muitas conquistas advindas da liberdade dos indivíduos questionavam o que havia de velho e mofado neste modelo. Em meio a estas pesquisas e muitas leituras, um filme muito peculiar era lançado em 2004 que de certa forma instigava um debate importante para este tema. “Antes do por do sol” não era apenas a continuação de uma historia de amor contada no filme anterior (“Antes do amanhecer”), feito pelo mesmo diretor. Era um projeto inovador, uma boa ideia de Richard Linklater que havia convidado um par de jovens atores em 1995, ele (Ethan Hawke) um americano e ela (Julie Delpy) uma francesa para serem coautores de uma saga romântica que pretendia ser filmada em três etapas. Quando lançado em 2004, nove anos depois do primeiro, o fato pouco usual de serem dois filmes feitos com os mesmos atores encarnando os mesmos personagens em diferentes tempos de suas vidas, sendo eles co-roteiristas, dava um toque de veracidade que capturava o público. No primeiro filme, dois jovens universitários em viagem de férias, um americano (Jesse) e uma francesa (Celine) se conhecem num trem que corta a Europa e decidem passar uma noite juntos em Viena, local onde seus destinos se separariam. “Antes do amanhecer” eles voltam à estação de trem onde ela deverá seguir viagem à Paris e, sem trocar telefones, endereços ou sobrenomes, fazem uma promessa “apaixonada” de se reencontrarem na mesma estação depois de seis meses. Nove anos mais tarde (2004), Jesse escreveu um romance em que narra com detalhes sua história com Celine, e está em Paris para lança-lo na charmosa livraria Shakespeare and Company, quando a vê entrar. No filme de 1995, ainda adolescentes, eles contam um para o outro, detalhes de suas vidas e de seus projetos. A paixão é inocente, insegura, desprevenida, e a aposta em um novo encontro às escuras, é próprio dos sonhos onipotentes dos jovens. Em 2004 eles estão mais velhos, seus rostos mostram as marcas dos anos e seus diálogos incorporam as responsabilidades do mundo adulto. É com sutileza, respeito e cuidado que vão contando um ao outro (tendo as ruas de Paris como cenário) seus sucessos e fracassos, os ajustes que tiveram que fazer em seus ideais de juventude, e finalmente a importância daquele encontro passado, em suas vidas. Esteticamente belo, a câmera filma a pouca distancia para captar os olhares, gestos e expressões, o que convoca o público a testemunhar o envolvimento de ambos e de como relatam o impacto do encontro vivido no filme anterior em suas vidas. Eis que em 2013, o diretor cumpre sua promessa ao lançar a terceira etapa desta aventura, “Antes da meia noite”. Casados, pais de gêmeas, Jesse se separara de sua primeira mulher (com quem teve um filho) nos USA e vive (agora como escritor renomado) em Paris com Celine. De férias, eles vão à Grécia de carro em casa de amigos. Com diálogos mais tensos, os anos vividos juntos demandam um jogo de cintura de ambos para driblar as diferenças, negociar as expectativas, curar as frustrações. Culpado por não conviver com o filho pré-adolescente que acaba de deixar no aeroporto, Jesse sonha em morar nos USA para aplacar seu mal estar. Saber disso exaspera Celine que discorda dele quanto ao efeito “idealizado” dessa proximidade física. Uma mudança para lá desorganizaria a vida atual deles. Custos de uma relação prolongada que, além disso, precisa contabilizar as obrigações de pais? Com questões próprias das gerações de adultos nascidos nos anos 70, 80, os três filmes cumprem seu papel ao colocar os ideais amorosos a uma distancia possível, o que funciona como um alento aos jovens adultos da atualidade que se sentem capazes de poder viver/sentir o mesmo. Super recomendado.

Para conferir: Antes do amanhecer (1995) Antes do por do sol (2004) Antes da meia noite (2013)

Diretor: Richard Linklater             Atores: Ethan Hawke e Julie Delpy

Depois da festa


Não foi só aquela parcela da população que teme a tudo e a todos sempre que algo parece sair do conforto do “mesmo”, que se inquietou com a disparada das multidões que a cada dia marcava um local e um tema para protestar. Todos se perguntaram, ao menos uma vez, se este movimento tão inesperado da população haveria de ter um final e qual seria. Mas o mais interessante foi perceber que os próprios jovens, não só os que idealizaram seu começo, todos que se sentiram mobilizados pela possibilidade de realizarem algum futuro, semearem alguma mudança, visualizarem um mundo mais parecido com o que sonhavam, passaram a buscar avidamente textos em blogs, jornais, redes sociais que pudessem ajudá-los a refletir sobre o que estava acontecendo e o que ainda podia acontecer. Afinal muitas das manifestações ganharam um público surpreendente, fosse pelas idades, pelas classes sociais, mas principalmente pelas diferenças de reivindicações. Nas redes sociais era possível acompanhar as placas escritas de ultima hora e à mão, às vezes irônicas, mas muitas portando algum pedido legítimo, ainda que inesperado. E agora José? O que vem depois? Muitas coisas vieram. Veio a truculência da polícia, recebendo e obedecendo “ordens” para conter a “massa” de qualquer maneira. Veio a surpresa de todos diante de tanta violência. (Porque mesmo tamanha violência?) A velocidade com que as notícias puderam ser disponibilizadas nas redes, sem nenhuma censura prévia, despertava a todos de seu longo sono de cidadão. Multiplicaram-se as cidades e as pessoas. Todos tinham algo para falar. E falaram. E se fizeram ouvir. E que não viessem se aproveitar do burburinho para “plantar” seres “estranhos” ao sentimento cívico que perpassava aos que se dispuseram a sair pelas ruas, muitos destes fotografados e identificados. Hello! Vocês que aí estão o que vão fazer? E saíram fazendo: a polícia tinha que “policiar” e não “atacar”; os políticos tinham que votar o que precisava ser votado, sem que fosse necessário “negociar” tais votos. Os governantes se reunir para entender o clamor da voz do povo. Mas o que vem depois da “festa”? Como pensar sobre o destino do país ou ainda sobre alguma mudança efetiva no panorama político? Talvez nunca tivéssemos podido vivenciar tamanha manifestação democrática em nosso país. Que se acrescente uma dose de impacto porque também não tínhamos uma tradição de nos organizarmos para formalizar nossas reivindicações em passeatas de ruas, ao contrário, por exemplo, de nosso país vizinho, a Argentina. Pensadores de todas as áreas de conhecimento, a maioria brasileiros- mas alguns estrangeiros- escreveram sobre este acontecimento e tentaram entende-lo, destrincha-lo. Alguns temerosos, outros descrentes, mas a grande maioria, empolgados com a “novidade”, como a confirmar um período de latência e marasmo generalizado. Perguntei aos que participaram em algum momento destas passeatas o que sentiram. A maioria havia se encantado e se orgulhado com a possibilidade de exercer o que parecia ser este “novo” papel de cidadão brasileiro. Mas quase todos relataram ter sentido medo, ter vivido momentos de tensão. No entanto, o “tenso” que se viveu talvez fosse imprescindível, e isso se deve ao fato de que este movimento não foi um movimento de “massa” em torno de uma liderança ou de um único objetivo. Foi de multidões, ou seja, cada um com sua individualidade, seu parecer, sua placa, seu desejo, que por isso mesmo não se diluía e sim impunha uma convivência “tensa”. Ainda que ali pudesse existir um espaço de trocas horizontais de experiências, de ideias, de propostas que pretendiam construir alguma coisa nova e transformadora, a “tensão” permanecia, um indício de que neste mundo contemporâneo, cabe a todos nós (e a cada um) “suportar” as diferenças das individualidades sob pena de descambar para a violência. Uma fronteira tênue, por isso tensa, para o bem e para o mal. Um grande desafio, já que o respeito ao outro e o processo democrático demandam negociações sem fim que passam necessariamente pelo reconhecimento da singularidade de cada um e de suas diferenças. Negociações estas que precisam ser explicitadas por cada reivindicante e confrontadas com as de seus vizinhos para que se possa enfim definir princípios, diretrizes  e políticas. E que não nos esqueçamos de que as mudanças ameaçam a continuidade e provocam resistências (às vezes mascaradas), que podem levar muitos a sabotar o novo. Resistências que podem ser tentativas de luta pela sobrevivência diante da incerteza do desconhecido, e por isso detecta-las e elucida-las seria da hora!