Nos versos de sua música “Futuros Amantes”, Chico
Buarque canta um futuro em que “sábios em vão tentarão decifrar o eco de
antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos, vestígios de
estranha civilização”, como se previsse um tempo em que a linguagem do amor
romântico, tão assimilada em nossa cultura, pudesse não só cair no esquecimento,
mas produzir estranhamento. Foi essa curiosidade quanto ao futuro de uma
“ordem” já tão naturalizada entre nós e que norteia a vida de quase todos, que guiou
os caminhos de minha tese de mestrado, cuja dissertação defendi em 2006.
Basicamente a tese buscava entender (pesquisar) as razões do alto valor do amor
romântico como ideal de vida para quase todos, levando em conta que o imenso
arcabouço estruturado ao seu redor, não dava mais sinais de poder se sustentar
da mesma maneira. Mudavam os casamentos, choviam separações e muitas conquistas
advindas da liberdade dos indivíduos questionavam o que havia de velho e mofado
neste modelo. Em meio a estas pesquisas e muitas leituras, um filme muito
peculiar era lançado em 2004 que de certa forma instigava um debate importante
para este tema. “Antes do por do sol” não era apenas a continuação de uma
historia de amor contada no filme anterior (“Antes do amanhecer”), feito pelo
mesmo diretor. Era um projeto inovador, uma boa ideia de Richard Linklater que
havia convidado um par de jovens atores em 1995, ele (Ethan Hawke) um americano
e ela (Julie Delpy) uma francesa para serem coautores de uma saga romântica que
pretendia ser filmada em três etapas. Quando lançado em 2004, nove anos depois
do primeiro, o fato pouco usual de serem dois filmes feitos com os mesmos
atores encarnando os mesmos personagens em diferentes tempos de suas vidas,
sendo eles co-roteiristas, dava um toque de veracidade que capturava o público.
No primeiro filme, dois jovens universitários em viagem de férias, um americano
(Jesse) e uma francesa (Celine) se conhecem num trem que corta a Europa e
decidem passar uma noite juntos em Viena, local onde seus destinos se
separariam. “Antes do amanhecer” eles voltam à estação de trem onde ela deverá
seguir viagem à Paris e, sem trocar telefones, endereços ou sobrenomes, fazem
uma promessa “apaixonada” de se reencontrarem na mesma estação depois de seis
meses. Nove anos mais tarde (2004), Jesse escreveu um romance em que narra com
detalhes sua história com Celine, e está em Paris para lança-lo na charmosa
livraria Shakespeare and Company, quando a vê entrar. No filme de 1995, ainda
adolescentes, eles contam um para o outro, detalhes de suas vidas e de seus
projetos. A paixão é inocente, insegura, desprevenida, e a aposta em um novo
encontro às escuras, é próprio dos sonhos onipotentes dos jovens. Em 2004 eles
estão mais velhos, seus rostos mostram as marcas dos anos e seus diálogos incorporam
as responsabilidades do mundo adulto. É com sutileza, respeito e cuidado que
vão contando um ao outro (tendo as ruas de Paris como cenário) seus sucessos e
fracassos, os ajustes que tiveram que fazer em seus ideais de juventude, e
finalmente a importância daquele encontro passado, em suas vidas. Esteticamente
belo, a câmera filma a pouca distancia para captar os olhares, gestos e
expressões, o que convoca o público a testemunhar o envolvimento de ambos e de como
relatam o impacto do encontro vivido no filme anterior em suas vidas. Eis que em
2013, o diretor cumpre sua promessa ao lançar a terceira etapa desta aventura,
“Antes da meia noite”. Casados, pais de gêmeas, Jesse se separara de sua
primeira mulher (com quem teve um filho) nos USA e vive (agora como escritor
renomado) em Paris com Celine. De férias, eles vão à Grécia de carro em casa de
amigos. Com diálogos mais tensos, os anos vividos juntos demandam um jogo de
cintura de ambos para driblar as diferenças, negociar as expectativas, curar as
frustrações. Culpado por não conviver com o filho pré-adolescente que acaba de
deixar no aeroporto, Jesse sonha em morar nos USA para aplacar seu mal estar. Saber
disso exaspera Celine que discorda dele quanto ao efeito “idealizado” dessa
proximidade física. Uma mudança para lá desorganizaria a vida atual deles. Custos
de uma relação prolongada que, além disso, precisa contabilizar as obrigações
de pais? Com questões próprias das gerações de adultos nascidos nos anos 70,
80, os três filmes cumprem seu papel ao colocar os ideais amorosos a uma
distancia possível, o que funciona como um alento aos jovens adultos da
atualidade que se sentem capazes de poder viver/sentir o mesmo. Super
recomendado.
Para conferir: Antes do amanhecer (1995) Antes do por
do sol (2004) Antes da meia noite (2013)
Diretor:
Richard Linklater Atores: Ethan Hawke e Julie Delpy