Se o século passado
pode ser avaliado como aquele que elevou o amor à categoria de valor humano máximo,
cujas louvações traduziram-se em produções as mais variadas, na literatura, no
cinema, teatro e novelas, além de, é claro, alimentar um imaginário idealizado
sobre a vida amorosa, o século XXI tem surpreendido a todos pela incidência da violência,
ainda que suas formas devam ser analisadas à luz do contexto histórico atual.
Embora o mundo nunca tenha sido tão globalmente comprometido com o direito à
livre expressão, paradoxalmente esta “liberdade” tem resvalado muitas vezes
para comportamentos e manifestações bastante violentas. Uma nota recente na
mídia revelava que, a despeito dos esforços do governo alemão para que o
nazismo e sua ideologia truculenta permaneçam enterrados, há sempre grupos de
fanáticos dispostos a reverenciar os fantasmas de alguns ícones hitleristas. Em
continuidade a noticia sobre a tentativa de homenagear a data de morte de um
destes ícones, ao invés de manifestações contrárias que insuflassem o ódio
entre as pessoas, a população “indignada” havia planejado algo na linha do
humor na tentativa de espelhar o absurdo e a infâmia de tal comportamento. O filme “Relatos
Selvagens” do diretor argentino Damián Szifron segue um pouco a linha
do humor (negro, com certeza), mas, ao contrário, não poupa em nada a passagem
da linha (sempre tênue, é verdade) que separa a civilização da barbárie.
Sucesso de bilheteria em seu país, contrariando as expectativas do próprio
diretor que se diz surpreso, o filme se divide em seis pequenas estórias, todas
elas desenvolvendo um argumento em comum: como os personagens reagirão diante
de situações frustrantes, humilhantes ou inesperadas. Acertou quem pensou em
planos de vinganças normalmente “irrealizáveis”. Todas se realizam!!!! E se
isto pode causar um grande mal estar, o que seria esperado para todos que
ensaiamos nossas vinganças sem jamais leva-las adiante, aos poucos fica clara a
intenção de encenar uma caricatura de situações corriqueiras que fazem parte da
vida cotidiana, utilizando um humor macabro. Todos os protagonistas se
desesperam, agem sem controle, e levam às ultimas consequências, sua ira ou seu
desejo de vingança. Considerado pelo diretor como a realização de um projeto
menor perto de outros mais acalentados, seu trunfo no entanto, está muito mais
na proximidade de nossa realidade psíquica do que se pode imaginar. Nenhuma
civilização de qualquer época deixou de perseguir caminhos que oferecessem
regras e valores que garantissem a convivência humana. Sabemos hoje que nem
mesmo as leis, cada vez mais homogêneas e internalizadas por todos, conseguem
esta garantia. Somos seres em permanente conflito e precisamos continuamente
negociar conosco tais concessões, avaliando os custos e danos. O diretor Szifron é jovem, tem 39 anos e se
declara, antes de qualquer rótulo, um cinéfilo de carteirinha. Alguns
jornalistas o veem como um filhote do diretor Tarantino. Nada mais justo, já
que este ousado diretor americano possibilitou ao mundo todo, através de dois de
seus recentes e impactantes filmes – Bastardos Inglórios e Django Livre – uma
vingança coletiva ao providenciar destinos funestos a Hitler e sua alta cúpula,
e aos “donos insanos” de escravos do sul dos USA, respectivamente. Assim como
Tarantino, o diretor argentino resolveu dar voz aos que se sentem indignados
com as infâmias que sofrem no dia a dia. Coisas de cinema, que pode e deve
brincar com a realidade.
Para conferir:
Relatos Selvagens-
Argentina 2014
Diretor - Damián
Szifron