Pode-se dizer que classificar algo de politicamente
correto (ou incorreto) surge nos ventos da globalização e da propagação da
internet, com a capilarização das trocas entre indivíduos de todos os lugares (geográficos
e sociais), como estratégia para a manutenção na busca de uma cultura de
igualdade. Ficaria assim decidido consensualmente que cada indivíduo seria
responsável por sua manifestação de repúdio ou acolhimento às diferenças, tendo
como pano de fundo tal norma “ideológica”. Mas seria ideológica ou humanista? E
porque precisamos deste tipo de norma para conviver com os outros? Mais, porque
para muitos o politicamente correto traz em seus conceitos e respectivas
atitudes certa hipocrisia? Seria porque ao invés de se refletir sobre a importância ou
não de se manter a liberdade com seus devidos cuidados aos direitos dos outros,
tendemos a esculhambar a suposta “norma” como se ela fosse uma imposição ao
invés de uma baliza? Na verdade, a prerrogativa que se abre com o uso deste
termo “politicamente correto” é válida somente para que possamos titubear
quando de forma quase “automática” acionamos nossos ódios ou desprezo, uma
forma de nos impor um espaço para nos perguntar não só que tipo de sociedade
queremos, mas como elegemos nossas estratégias de ação se nos considerarmos
agentes implicados. É bom que se lembre também que não podemos sequer classificar
os comportamentos ou atos que ficam fora deste “correto” de forma muito rígida,
pois estes dizem respeito aos valores que a cada época vamos validando como
norteadores de nossa convivência. Dentre os dois maiores grupos
discriminatórios de nossa época, os raciais e os sexistas, estes últimos são os
que parecem mais difíceis de serem processados. E dentre estes talvez o que
mais perturbe a todos seja os ligados ao “machismo”. Dizer que alguém pensa ou
age como machista não está restrito aos homens. Estamos falando de um
imaginário cultural de alguns séculos, marcado pela lógica da dominação masculina
e confirmada por um modelo social que impunha de forma imperativa papéis e
lugares a cada um. Embora este imaginário venha sendo
desconstruído lenta, mas firmemente, os comportamentos
machistas pululam. Um bom exemplo deste cenário, amplamente noticiado, surgiu a
partir das denúncias de assédio e pedidos de mulheres para que o metrô de SP
reservasse um “vagão rosa” nos horários
de pico com a finalidade de preservá-las. Já implantados em países como Japão,
Egito, Índia, Irã, Indonésia, Filipinas, México, Malásia e Dubai, no Brasil
funciona há sete anos no Rio de Janeiro, desde maio deste ano no metrô de
Brasília e no último dia 4 de julho foi aprovado o projeto de lei que cria um
vagão exclusivo para o uso feminino no metrô de São Paulo. Por trás destas
medidas tomadas a partir da constatação de assédio de homens sobre as mulheres,
está um tipo de leitura machista que enxerga os corpos femininos como objetos
disponíveis. Embora muitas mulheres tenham feito campanhas contra a instalação
do vagão exclusivo argumentando que tal medida não “ensina” a população sobre a
obrigação de respeito e cuidado com o outro (seja lá quem este seja), nem
altera a forma como muitos homens e mulheres ainda “culpam” as que são assediadas
por estarem vestidas de forma X ou Y, ou por provocarem a atração sobre si, só
o fato desta polêmica ter sido vastamente noticiada, já coloca o tema em
destaque. É assim que se cria aos poucos um “politicamente correto”, ou seja,
uma norma construída pela sociedade que
cria uma expectativa de que cada um utilize-a como referencia para pensar sobre
o que ele ou os outros fazem e ao mesmo tempo instala um constrangimento social
aos que não se importam.
domingo, 31 de agosto de 2014
Ventos modernos
Para o mundo da literatura, 2014 tem sido considerado o “ano Cortázar”
por marcar os 100 anos de seu nascimento, 30 anos de sua morte e 50 anos da
publicação de “O jogo da amarelinha” livro que o retirou do anonimato e o
alçou a fama. Não por acaso. Argentino, mas vivendo por escolha na Paris dos anos
60, templo dos movimentos revolucionários da política e da cultura da época,
seu livro estampava o momento de ruptura que seu autor vivia em relação ao seu
passado e suas crenças. De forma lúdica e bem humorada, Júlio Cortázar
utiliza-se da ideia dos saltos do jogo da amarelinha e propõe duas opções de
leituras para seus 155 capítulos. Uma convencional, que vai do capítulo 1ao 56 e
aqui termina o romance, ou alternando-se os capítulos, e incluindo os
“prescindíveis”, em uma leitura que além de acrescer os restantes, segue uma
ordem sugerida pelo autor que aparentemente é arbitrária e aleatória. Confesso
que minha leitura deste livro, vista sob a lente atual, marca um antes e um
depois em minha vida. Se até ali eu podia me considerar uma leitora como outra
qualquer, a partir do contato com tamanha liberdade para romper com as
convenções e criar algo genial, fosse na trama da historia ou na apresentação
da forma inédita de ler, passei a desejar (íntima e secretamente) saber
escrever. Mas não para realizar um romance ou algo do gênero e sim para me
ajudar a pensar sobre os modos de vida das pessoas, seus valores, suas crenças,
que a mim pareciam tão arbitrários. Ainda não sabia o quanto eu mergulharia em
seus modos de sofrer e de amar e principalmente em seus medos. Estes 50 anos
que nos separam do lançamento deste livro podem ser vistos como a passagem para
um novo mundo, um mundo perturbador, quiçá um tempo de transição
para outro conjunto de valores. Convivemos simultaneamente com sociedades
dilaceradas por divisões étnicas, econômicas e religiosas e um mundo
interligado pelo uso de mídias sociais que permite um compartilhamento jamais
alcançado com a diversidade cultural e étnica do planeta. Há os que acreditam
que estamos vivendo uma nova ordem, e graças a esta dimensão social ampliada,
carecemos de regulamentações de práticas de política e de direito que escapem
daquelas elaboradas para defender apenas os interesses de cada povo. É esperado
que em universo
global haja a legitimação de uma moralidade global, assim como a soberania de
cada Estado possa sofrer constrangimentos caso se exima de seguir as leis e
normas pactuadas entre todos. Se o espírito de uma época só pode ser analisado tempos
depois, no momento em que se vive rupturas tão profundas, ao contrário, é fácil
detectar a expansão do medo, assim como certo recrudescimento de valores, maior
apego ao que se conhece e ao que se imagina ser um lugar de conforto naquilo
que se acredita. Júlio Cortázar teve que dar várias entrevistas para responder
à curiosidade sobre as razões, sentimentos e ideias que o levaram a “criar” um
livro tão inusitado. É quase certo que diante desta necessidade de responder,
ele teve que se esforçar por entender o que lhe passava. É provável que a cada
época em que fosse inquerido sobre a realização de seu livro, algo se acrescentasse
na historia deste percurso, fruto desta demanda humana eterna, que não cessa de
buscar trilhas seguras a serem seguidas, principalmente quando a paisagem é tão
desértica. E ninguém melhor do que o artista para representar a liberdade de
realizar nossos desejos.
Se ficar, comem; se correr, pegam.
Logo após as redes sociais divulgarem a morte do candidato à
presidência da República Eduardo Campos, causando um choque generalizado pela
forma trágica com que ocorrera, alguns internautas postaram um quadrinho em que
os dizeres eram um pedido (irônico) de “basta” pelas mortes de pessoas públicas
e queridas acontecidas nos últimos dois ou três meses. Tinha sido suficiente e
que ninguém mais morresse! Não se poderia suportar. A cada morte anunciada destas
pessoas públicas - que por este motivo nos parecem tão próximas e com as quais
acompanhamos a trajetória por motivos os mais diversos – choveram manifestações
pelas redes sociais, fosse para homenagear, discorrer sobre o pesar,
compartilhar o sentimento de perda e de vazio ou ainda recuperar pela memória
afetiva, os momentos em que aquela pessoa havia participado sem o saber, de
algum ato transformador de suas vidas. Neste sentido, quando a rede de amigos é
composta por aqueles que traduzem pela via de suas experiências, sentimentos e
ideias com as quais cada um se identifica, alguns textos pessoais podem ser
verdadeiros bálsamos por oferecer palavras que acomodam ou exaltam nossas
emoções. De qualquer forma, compartilhar em rede a experiência da perda de
alguém e que normalmente suscita sentimentos tão ímpares a cada um é algo novo,
e pode expandir as possibilidades de narrativas dos acontecimentos cotidianos e
contribuir, muitas vezes, para fazer circular e acrescentar ideias que
modificam a visão que temos do mundo e das pessoas. O contrário é também
verdadeiro. Por ser um espaço democrático e livre, o uso das redes pode ficar a
serviço de elucubrações bizarras, desconexas e superficiais ou para se
despejar, sem críticas ou critérios que levem em conta o impacto do “receptor”,
sentimentos de desprezo, denúncias difamatórias, palavras que indiquem preconceitos de alguma ordem. Nada que já não
exista no quadro de possibilidades de convívios humanos, mas com certeza, o
fato da rede não exigir o olho-no-olho, nem a presença física, favorece aqueles
que talvez titubeassem em expor sua hostilidade ao vivo e a cores. O que se
pode chamar de constrangimento social, lubrificante importante da manutenção dos
“bons costumes”. Também é verdade que o acesso democrático sempre pode
estabelecer trocas, ainda que sejam para discordar de X ou Y argumentos, ou
pedir uma reparação pelo uso indevido ou equivocado de palavras agressivas, o
que nem sempre é algo que mereça ser evitado. É muitas vezes no confronto das
ideias que se pode avançar em busca de novos conhecimentos e interpretações. Não,
não estou apostando que possamos passar a ser melhores pessoas graças a esta
engenhosa invenção da comunicação humana. Também não estou ingenuamente fazendo
uma apologia de um futuro promissor alavancado pelo uso de redes sociais. Apenas
indicando um outro olhar, ao analisar as “criações” humanas à luz de sua
necessidade permanente de compreensão ou quem sabe defendendo de forma
vigorosa, que todos temos (se quisermos) a possibilidade de pensar sobre a
viabilidade da emancipação humana. Seja no conforto ou bem longe dele.
segunda-feira, 11 de agosto de 2014
A história de nossos ódios
2014 marcam os cem anos da primeira guerra mundial, que
também é considerado um marco na história humana, pela “transgressão” inaudita dos
pactos civilizatórios que os dois séculos anteriores haviam se esmerado em
construir. Passados cem anos, tornou-se comum assistirmos “pequenas guerras” em
que dois ou mais agrupamentos humanos se declaram inimigos e concedem a si o
direito de matar uns aos outros. As notícias estão longe de serem escassas e
parciais. São muitas. Uma overdose de fotos, vídeos, declarações, relatos,
discussões mais aprofundadas em colunas e blogs, em jornais, TV, redes sociais,
a favor de uns ou de outros, deixando a cada um a escolha de viver sua
perplexidade e indignação por mais uma matança absurda, ficar indiferente e
satisfeito por não fazer parte ou estar bem longe desta loucura, ou se engajar
na busca de sentido para as formas de violência consentidas que vivemos. Foi o
que fez um grupo de intelectuais brasileiros e estrangeiros capitaneados pelo
jornalista e filósofo Adauto Novaes reunirem-se de agosto a outubro deste ano no
SESC Vila Mariana SP, para pensar as “Fontes Passionais da Violência” na oitava
edição do ciclo “Mutações”. O nome Mutações não é por acaso, e agregando temas
como Novas configurações do mundo, A condição humana, A experiência do
pensamento, A invenção das crenças, O elogio à preguiça, etc. tem pretendido
pensa-los à luz das mudanças radicais que vivemos em todas as nossas
atividades, desde que a era da biotecnociencia provocou uma revolução
antropológica e cultural inimaginável. O tema elegido para este ano, a
violência, também não é tarefa fácil de pensar. Ainda que seja um tema que invada
o cotidiano de todos na tarefa de convívio que inevitavelmente nos leva ao
confronto inesperado com pequenas infrações, delitos e injustiças (nossas ou de
outros) e provocam reações de indignação, intolerância, e ódio irascível, não
costumamos falar da violência como algo inerente a todos os seres humanos, ou
nós mesmos. Quase como uma forma de negarmos a possibilidade de sentirmos
raiva, ódio, sede de vingança, vontade de bater/matar ou tripudiar alguém,
preferimos nos juntar para acusar os “infratores”. Nos dois séculos anteriores,
mesmo após a hecatombe provocada pela segunda e mais bárbara guerra mundial, ainda
nos restava apostar que a sociedade e o Estado com suas normas organizadoras,
protetoras e mediadoras (promovidas pela educação e pelo direito) zelariam pelos
vários papéis assumidos nos grupos sociais e de trabalho, o que permitiria uma
convivência solidária e garantiria a coesão social. Também os delitos e crimes (ou
as exceções) estariam devidamente previstos e enquadrados. O que mudou? Embora
haja uma grande parte que acuse ora a instalação endogâmica do capitalismo com
sua captura perversa nas luzes do consumo desastrado/exacerbado, ora a ciência
com suas verdades mais técnicas do que humanas, e sua veia prometeica na
satisfação sem tantos custos ou riscos, é interessante pensar que somos hoje muito
mais uma grande “irmandade” de indivíduos cada vez mais próximos de todos que
habitam o mundo. E, embora esta “irmandade”, de formas as mais variadas tente
marcar suas diferenças, o que a caracteriza é o sentimento de que as grandes
instituições validadas mais ou menos consensualmente como protetoras ou
mediadoras do nosso convívio estão com seu prazo vencido, sentimento típico de
um modelo organizacional social de transição que provoca descrença diante do
colapso do tradicional e em cujo horizonte não se avista mudanças sociais
importantes. Em alguma dimensão, desconfiamos que estamos sozinhos, que nossos
sistemas estão instáveis, e que teremos que nos inventar ou reinventar por conta
própria, o que nos deixa quase sempre desamparados quando não aterrorizados. É
possível que a maneira como cada um de nós puder fazer a gestão de nosso
convívio com os outros, dirá muito sobre nós daqui para frente. A gestão de si,
ou melhor, como administramos nossos ódios e amores, a favor ou contra o
“processo civilizatório”, será um grande valor do futuro e marcará as
possibilidades e impossibilidades de mantermos alguma coesão social. Uma aposta
singela na potencialidade humana?
quarta-feira, 6 de agosto de 2014
Livrai-nos do mal, do diferente, do excêntrico.
O jornalista Reinaldo Jose Lobo que mantém uma
coluna no caderno de ciência da Folha de SP escreveu na última sexta feira que na
preservação da biodiversidade do planeta, um dos critérios para saber como
escolher o que precisa de mais cuidados poderia ser o que nos parece mais
esquisito. Para exemplificar contou como a Sociedade Zoológica de Londres tem
se dedicado a buscar espécies que vivem a margem da existência, ou seja, que
são “evolutivamente distintos e globalmente ameaçados”, pois estão a um
milésimo do tempo para se extinguir (seguindo a lógica da teoria da evolução)
levando consigo sua trajetória evolutiva. Sem necessidade de um comprometimento
moral para avaliar o valor de se salvar uma espécie que está prestes a se
extinguir, o jornalista avisa que pelo ponto de vista “evolutivo” estas espécies
não puderam ou conseguiram se adaptar (por diferentes razões) e por isso acabam
tendo um funcionamento marginal, fora dos padrões esperados na atualidade. Embora
nas últimas décadas, salvar espécies vegetais e animais ameaçadas de extinção
tenha se tornado comum, não custa utilizarmos esta proposta para pensarmos como
nós humanos encaramos nossos “esquisitos”. O “diferente” e como reagimos a ele
tem sido uma preocupação de muitos pensadores, que principalmente a partir das
duas guerras mundiais, perceberam que nosso contrato social era marcado por uma
fragilidade de coesão, podendo facilmente gerar conflitos e violência, ainda
que cuidássemos para que nossas instituições organizadoras ou o próprio Estado regulassem
a ordem. No século XX, embora proliferassem os debates e a criação de entidades
internacionais para assegurar um mínimo denominador comum às relações dos
Estados com seus cidadãos (os direitos humanos e internacionais), continuamos a
verificar em todo o globo, diferentes utilizações dos aparatos estatais para
reprimir ou eliminar setores “inconvenientes” do seio das sociedades. Deveriam
desaparecer os diferentes (estranhos), fosse por sua impureza, fraqueza ou
qualquer “força” ameaçadora e imaginária. Mas afinal, quais critérios
utilizamos para eleger como inferior, inconveniente ou sem valor os que nos
parecem diferentes? Fiz questão de usar acima, as aspas para as palavras
diferente e esquisito, pois elas estão representando uma infinita escala de
razões para esse sentimento de repúdio. É fácil pensarmos sobre isso quando nos
lembramos das dificuldades de convivência de qualquer agrupamento humano a que
pertencemos. Ficamos buscando “lugares” confortáveis que nos livrem dos
embaraços e desafios de todos os tipos, pois no espaço de um único dia é possível enfrentarmos vários
atos de injustiças, discriminação, autoritarismo e agressividade. Os
territórios da descortesia e dos desconfortos da convivência são infinitos e
inesperados. No livro “Longe da Arvore” lançado em 2012 no Brasil pela
Companhia das Letras, o autor americano Andrew Salomon mergulha na intimidade
de famílias de crianças, adolescentes e adultos que nasceram ou vivem “longe da
árvore”- apresentam padrões biológicos
ou sociais que os excluem das “normas” - para mapear os modos de aceitação de
diferenças expressadas ora como deficiência, ora como genialidade ou como
desajuste social. Mas assim como acontece com a instituição inglesa que chamou
para si a responsabilidade de buscar espécies vivas esquisitas para cuidar e
evitar sua extinção, o livro é também um convite a todos os humanos para pensar
sobre este trabalho “político” de acolher, acompanhar e assegurar a inclusão
social dos que de vários modos se apresentam em sua diferença radical. Mesmo que
não consigamos deixar de passarmos nossas vidas a erguer muralhas, demarcar
divisórias, lutar por territórios perdidos e “esquecermos” que nos finais de
guerras e conflitos armados (ou não) nunca houve e nem haverá terra prometida.
Saldo final
Estava deveras curiosa para ler os cadernos de cultura dos
principais jornais que circulam no domingo, por desconfiar que uma
análise sobre a Copa do Mundo e principalmente sobre a derrota trágica da
seleção brasileira deste sábado, jamais passariam em branco.
Guardei a ansiedade dos comentários pós-vitória da Alemanha sobre a Argentina
para serem lidos depois, nos jornais de segunda-feira. Selecionei os artigos (havia
ao menos dez bastante interessantes), alguns sérios, outros irônicos ou emocionantes,
que no conjunto conseguiam cobrir quase a totalidade das inúmeras (e por vezes
surpreendentes) questões que rondaram este período ruidoso de “nossa” Copa.
Entre textos de jornalistas esportivos, empresários, sociólogos, cientistas
políticos, advogados, professores universitários, escritores e uma grande fatia
de colunistas, talvez o único denominador comum fosse o fato de serem
brasileiros (exceção para um escritor alemão e dois jornalistas estrangeiros). Mas
o conjunto dos aspectos privilegiados por cada um acabava por traçar um mapa
interessante do Brasil, dos brasileiros, do futebol brasileiro, de como os
brasileiros veem a si e aos estrangeiros, das diferenças entre o futebol daqui
e de outras equipes desta Copa, da FIFA, da CBF, do futuro do país e do nosso
futebol, dentre outros. Alguns avisavam que não estava sendo fácil escrever no
calor da emoção, diante da tristeza da derrota dos 7 x 1 sofrida pelo Brasil e
até descreveram com minúcias os sete minutos que transcorreram entre os 23 e 29 minutos do primeiro tempo
quando a Alemanha marcou quatro gols e
acabou com qualquer esperança brasileira. Outros tentavam não crucificar a
equipe dos jovens jogadores brasileiros, tampouco seu técnico, e sim analisar a
derrota sob o ponto de vista de um sintoma maior, mais antigo e nefasto que de
certa forma caracteriza a informalidade de nosso futebol. Parecia-lhes difícil
imaginar que um técnico da seleção brasileira pudesse ficar 10 anos comandando-a
e preparando talentos para enfrentar alguma Copa futura, caso da Alemanha e seu
coach. Mais difícil ainda seria esperar grandes reformas na gestão da CBF e
suas federações, que com a cumplicidade dos clubes, mantém esquemas corruptos
de poder e favoritismos. Mas não custava sonhar que em algum futuro, os clubes brasileiros
conciliassem treinamento técnico-tático-estratégico, disciplinar, exigência de
formação escolar e pudessem preparar jovens de qualquer categoria social para
os encantos e os desencantos desta carreira. Muitos evocaram a oscilação de
zero a cem e vice versa dos torcedores brasileiros com seu time, da exaltação
ao desprezo, de abençoados por Deus a fracassados e se decepcionaram com a
parcela destes que abandonou o estádio mineiro antes do final do jogo contra a
Alemanha ou com aqueles que ficaram e ovacionaram os passes de seus algozes. Denominada
de expectativa infantil, os torcedores brasileiros não só não teriam analisado com
dados de realidade as possibilidades de seu time, como apostaram em vitória por
goleadas, independente do “tamanho” do adversário. Outros preferiram analisar a
verve cômica, e celebraram a ironia dos milhares de piadas que invadiram as
redes sociais, antes do final do fatídico jogo. Seria esta capacidade de rir de
si mesmo um dos motivos que compõem a versão do “complexo de vira-latas” de
nossa identidade (imortalizado pelo dramaturgo Nelson Rodrigues) ou, ao contrário,
a possibilidade de uso da ironia diante de situações trágicas aponta um molejo,
uma maneira de não se levar muito a sério, talvez um de nossos mais cultuados
“jeitos de ser” brasileiro? Houve ainda
os que destacaram os depoimentos de jornalistas estrangeiros que estiveram
cobrindo a Copa que não pouparam elogios à exuberância da natureza do país ou à
hospitalidade, simpatia e alegria do povo brasileiro. Onde estavam os
manifestantes contra a Copa e o clima raivoso que a imprensa divulgou no
período que a antecedeu? O Brasil deveria ser a sede oficial das Copas! De tudo,
e pelo número sem fim de análises críticas, conclui-se que se o futebol é hoje
uma manifestação sociocultural das mais importantes por criar e fazer circular
maneiras de se entender as relações entre grupos, entre povos, entre pessoas e
sua cultura, para nós brasileiros ele funciona como uma afirmação cultural. O
balanço divulgado pelo governo nesta
segunda-feira mostrou que um milhão de turistas de 200 países diferentes
estiveram circulando pelo Brasil durante a Copa, mas três milhões de
brasileiros viajaram pelo país e prestigiaram os jogos (aclamados como
eletrizantes e empolgantes) realizados nas cidades sedes. Como afirmou um
jornalista americano, a derrota brasileira doeu na alma, emudeceu a torcida e
entristeceu o povo brasileiro. Mas no dia seguinte, a vida continuou. Talvez
porque o povo brasileiro e o Brasil sejam maiores que o futebol brasileiro.
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