A cura da loucura
Gisela Haddad
O título acima é intencional ao
pretender um debate desta conjunção entre cura e loucura que para nós parece
tão lógica, mas que nem sempre existiu na história da humanidade. A loucura nem
sempre foi vista como o que foge a normalidade e nem sempre esteve associada à necessidade
de cura, embora a partir do final da Idade Média sua história se confunda com a
história de uma exclusão social.
A loucura está associada ao mental,
ao psíquico. O psíquico que vem da palavra grega Psychê e que quer dizer alma,foi desde os gregos,
objeto de estudos.
Um pouco de História: da Antiguidade ao Moderno
Espírito, alma,
psychê---------------------------Razão
O problema da existência e do
sentido da vida já estava no cerne do pensamento dos filósofos gregos, que questionavam
a diferença entre coisas reais ou as coisas imaginadas e o saber e a verdade.
Platão já vislumbrava o mundo visível (das aparências) e o mundo inteligível
(das idéias). Embora a razão seja consensualmente vista como o que diferencia o homem dos animais
e permite-lhe sobrepor-se aos seus
instintos irracionais, o conceito de razão articulado por Platão difere da noção de razão ocidental moderna,
que não só deslocou a razão da alma humana como opôs razão e alma.
Para os gregos, a consciência do ser humano quanto à sua própria
alma, deveria torná-los capaz de compreender as especificidades da condição
humana.Entretanto pode se detectar divergências na maneira como era explicada
tanto a origem quanto o sentido da alma e a da razão.
Platão não só postulou a
imortalidade da alma, idéia que foi depois utilizada pelo cristianismo, como a
concebia separada do corpo.
Já Aristóteles via a alma como
mortal e pertencente ao homem e ao seu corpo. Enquanto Platão via a razão como
possibilidade de superar o mundo empírico e descobrir uma ordem transcendental,
Aristóteles achava que a razão levava os homens a descobrir uma ordem imanente
no próprio mundo empírico. Alguns teóricos apontam em Aristóteles uma primeira
tentativa de sistematizar um saber sobre o mundo psíquico humano, que será
retomado principalmente a partir da Renascença.
Tanto a revelação cristã como a razão
aristotélica ajudaram na formação da visão do mundo do homem medieval. O
Cristianismo originou novas concepções de vida, do homem e de Deus, que
desafiaram o pensamento filosófico. Fazia-se necessária uma nova
sistematização, elaborada a partir dos problemas já pensados pela filosofia
grega e pagã, conjugados com os propostos pelo Cristianismo. De cosmocêntrica ou geocêntrica, como na
filosofia grega (principalmente a aristotélica), a filosofia cristã passa
a homocêntrica, descobrindo que o seu verdadeiro problema é o homem; assim,
dois grandes temas irão nortear a filosofia medieval: o homem e Deus. O ponto
de viragem está na personalização do Logos, do divino. O Logos, que, na
filosofia grega, se confundia com a estrutura impessoal, harmoniosa e divina do
cosmos, vai, com o cristianismo, identificar-se com uma pessoa concreta -
Cristo - com a promessa de que vamos ser salvos não só por uma pessoa, Cristo,
mas também enquanto pessoas.
Durante os séculos cristãos podemos destacar dois pensadores cristãos que beberam
nas fontes da filosofia grega : Santo Agostinho e São Tomás de Aquino.
Santo Agostinho foi o
primeiro filósofo cristão a tentar uma conciliação entre a razão e a fé, entre
a filosofia pagã e a fé cristã, empenhado em dar uma explicação racional aos
dogmas cristãos. Assim como Platão, concebia o homem dividido entre a alma e o
corpo, e acreditava ser a alma a sede da razão. Para ele as verdades da fé não
podiam ser demonstráveis,mas cabia à razão humana demonstrar o acerto de se crer nelas. A razão
relaciona-se duplamente com a fé: é necessário compreender para crer e crer
para compreender.
Muitos séculos depois, São Tomás de Aquino já em um
período mais conturbado social e politicamente assiste ao inicio dos
questionamentos sobre a ideologia católica e os conhecimentos produzidos por
ela nas relações entre o homem e Deus, movimento que culminará com a Reforma Protestante.
Nas universidades da época havia uma grande difusão do pensamento aristotélico,
que concebia a alma como forma do corpo e, como o corpo, sem nenhum fim
sobrenatural, idéias que contrariavam totalmente a doutrina cristã, que
apresentava uma alma imortal e um Deus criador e providente. São Tomás de Aquino
se propõe a cristianizar Aristóteles,
construindo um sistema filosófico que, até hoje, é a base da filosofia
católica. Partindo da razão e da fé, Tomás de Aquino, dizia não pode haver
contradição entre ambas, porque as duas viriam de Deus. A verdade natural diz
respeito à razão e a verdade sobrenatural, à fé. Com tal afirmação, ele não
separava religião e filosofia, mas atribuía a cada uma delas um campo
específico de estudo, mostrando que são distintas uma da outra, embora ambas
devessem colaborar, já que há verdades que concernem à fé e à razão, como a
existência de Deus e a imortalidade da alma.
O reconhecimento do poder da razão
para a aquisição do conhecimento natural antecipou o humanismo renascentista.
O homem renascentista poderia ser livre sem ser preciso ser religioso ou
nobre, bastando que fosse rico. A liberdade do homem passa a refletir no seu
conceito de universo. Apesar das reações da igreja, que fortaleceu a ação inquisitória
sobre os novos hereges, a busca do conhecimento sairá vitoriosa.
Embora protagonizando séculos de uma doutrina cristã
dominante, a Idade Média é rica em acontecimentos, debates, lutas ideológicas e
pensamentos religiosos importantes. Uma das heranças cristãs mais importantes
seria seu acento no homem e não no cosmos. O cristianismo moveu a moral para o
interior do homem e criou a necessidade de uma consciência crítica e
individual: O que decide o que é moral e imoral não seriam mais os dons
naturais, mas o uso que se fariam deles. Com isso, está implícito que o homem
não deveria valorizar sua natureza e sim era livre para escolher sua fé e mudar
sua vida. Muitas de suas práticas exigiam de seus seguidores um exercício de
compromisso individual com sua fé, às vezes checada através de confissões ou
reflexões sobre suas ações ou pensamentos. A Idade Média Cristã produziu uma
grande quantidade de discursos referentes ao corpo e à sexualidade por meio do
incentivo a confissão como forma de manter o controle sobre a vida religiosa e
cotidiana do homem e da mulher medieval. Sem dúvida, tais práticas inauguravam um
contato com o si mesmo. Ao dar mais peso ao foro interior de cada individuo,
estava plantada a base do que viria a ser o individualismo social moderno. Além
disso, a tradição católica imprimiu um valor ao amor. Tradicionalmente, o eu
dissolver-se-ia no grande Todo impessoal, mas o cristianismo promete a
imortalidade na ressurreição dos mortos, garantida pelo Deus que é Amor e que
pede o amor entre todos os homens.
A reforma protestante trará novas
possibilidades ao mundo europeu, promovendo um desvencilhamento do poder da Igreja
Católica com os governos, o que lhes permitirá uma liberdade não só para
prescrever a fé local, como para proclamar suas leis protetoras da ordem social.
# 1300 - Dante escreve “A Divina Comédia”.
# entre 1475 e 1478 – Leonardo da Vinci
pinta o quadro “Anunciação”.
# 1484 – Boticelli pinta o “Nascimento de
Vênus”.
# 1501- Michelangelo esculpe o “Davi”.
# 1513- Maquiavel escreve “O Príncipe”,
obra clássica da política.
O Renascimento anuncia as
transformações radicais que o mundo europeu irá viver. Com as grandes
navegações e a descoberta de novos continentes, povos e culturas, a urbanização
das cidades e uma demanda de novos serviços, o homem começa a se empenhar para
sair do obscurantismo e da ignorância e constituir um conhecimento sobre si e o
mundo, livre dos dogmas religiosos. A passagem da era das trevas para as luzes
é marcada por um projeto racional, sendo Descartes seu maior expoente. Ícone da
modernidade, o projeto cartesiano aposta em seu método racionalista e na
constituição de um sujeito do conhecimento. Nasce a ciência e o homem racional
que privilegia a razão, única fonte de conhecimento e certezas. Na base da preocupação
moderna está a necessidade de delimitar, objetivar, classificar, ordenar,
registrar e explicar o que puder ser observado ou categorizado. Mas a crença de que a razão, a ciência e o conhecimento seriam capazes de dar conta de todos os aspectos da vida
humana, admitia constestações, e dentre estas podemos citar as ideias de Marx e Freud. No campo
político, Marx tornou relativa a idéia de uma razão livre e autônoma ao
formular a noção de ideologia - o poder social e invisível que nos faz pensar
como pensamos e agir como agimos. No campo da psique, Freud abalou o edifício
das ciências psicológicas ao descobrir a noção de inconsciente - como poder que
atua sem o controle da consciência.
As respostas às perguntas que o
homem fará para se conhecer ou conviver com os ruídos de seu corpo, alimentam a dimensão do sensível. O Romantismo
será o maior representante das paixões humanas na modernidade, e
avançando paralelo ao cientificismo, irá valorizar os sentidos que nutrem a razão e promover o aparecimento de uma
dimensão de interioridade. Tem início a cultura do psicológico e as ciências
humanas em geral. Vale
notar que o eixo ideológico da cultura ocidental moderna privilegia o interesse
individual sobre os compromissos coletivos. Ao contrário da visão tradicional
de mundo, marcado pelo sagrado, pela transcendência e pela identidade
previamente estabelecida, a especificidade do moderno é um mundo de sujeitos
autônomos individualizados.
A loucura
Sendo tão antiga quanto a
humanidade, até a Idade Média a loucura era vista como diversidade, carregada
de conteúdo místico e tratada através de exorcismo ou sacrifício. Em
seguida passou a exercer um certo
fascínio pelo saber que dela decorria e assumir um estatuto de espaço oracular
por guardar uma verdade sobre o
humano. Loucura e razão passaram a ter
uma relação muito próxima e até confundirem-se entre si.
A partir da Renascença no século
XVI, a face da loucura passa a assombrar a imaginação humana. Com as mudanças
sócio-politicas , os espaços sociais e de trabalho se modificam consolidando um
processo de segregação de todos os que ameaçam a ordem social: mendigos,
doentes, loucos, ociosos e prostitutas são excluídos e confinados. A miséria e
a loucura deixam de ter a positividade
mística herdada pela Igreja e
passam a ser um obstáculo contra a boa marcha do Estado. Sem a referencia do
sagrado para os miseráveis e loucos, estes passam a ser confinados por serem
ociosos ou incapacitados para o trabalho. Tal confinamento interna no mesmo lugar o enfermo, o libertino, a prostituta,
o imbecil e o insano. Com o desenvolvimento da medicina, esta confusão entre loucos e criminosos passa a ser revista e a loucura começa a ser
entendida como uma limitação humana que provocava incapacitação para o
trabalho.
Com a revolução francesa a reforma
política econômica e administrativa nas relações sociais faz com que a loucura
deixe de ser um objeto do poder judiciário e passe a ser encargo da medicina. O
projeto moderno de separar o certo do errado e a norma do desvio coloca a
loucura na mira dos que apostam no aprimoramento do espírito humano e no
entendimento da loucura. É Pinel quem - há mais de 200 anos - encabeça um movimento de separação
do louco em relação aos criminosos e a transformação da loucura em doença mental, o que promove o
nascimento da Psiquiatria como ciência e do asilo como espaço de tratamento da
alienação mental. A loucura passa a ser objeto de uma terapêutica e
de um saber médico, uma doença específica, distinta das doenças de órgão e
curável por métodos apropriados. Os loucos passam a ser encarados não mais com poderes
sobrenaturais e sim com limitações humanas o que lhes dava possibilidades de um
retorno à razão. Os métodos utilizados baseavam-se na idéia de desvio, sendo
então proposto um tratamento que visava eliminar as idéias loucas através de disciplina,
ameaças e recompensas. A estratégia de tratamento utilizada visava silenciar as
manifestações que passam a ser vistas como doenças.
Os médicos assumem o lugar de tutor
desta população insensata, estranha e irresponsável,
com direitos para receitar restrições e
regular sua liberdade. Sai o desatino entra a desrazão, depois tornada
patologia. Embora sutil,o que fica aqui cindido é a possibilidade de interrogar
o desatino, ou melhor a verdade sobre a loucura. A Psiquiatria nasce cuidando
não dos caminhos desta desrazão e sim com o objetivo de resgatar a razão. Neste
sentido é negada ao louco a faculdade de responder pelo que diz e de exercer os
atos da vida social e civil.
A Psicanálise de Freud nasce no
vácuo aberto pela ciência e a razão, espaço das paixões da alma humana. A
complexidade do psiquismo humano não aceitava os critérios de objetividade da
ciência. Médico neurologista, Freud se interessa pelos estudos da histeria que
Charcot desenvolve na França, o que o faz
seguir seus passos junto a Breuer, seu mestre e colega na Alemanha. Aos poucos, Freud
passa a perceber que em seu discurso, as histéricas revelavam motivações e
causas inconscientes para seus sintomas, ou seja, fora de seu conhecimento consciente.
Ao apontar a força do inconsciente ou a dimensão da alma inacessível por
recursos racionais, Freud promovia uma ferida na proposta racional moderna e
indicava a importância das perturbações do espírito na vida de cada indivíduo.
Claro que nestes mais de 200 anos que nos
separam da obra de Pinel, o médico francês que ligou seu nome à libertação dos
loucos, muitas mudanças ocorreram no
tratamento da loucura, principalmente a
partir do questionamento da própria ordem psiquiátrica feito nas ultimas décadas.
As comunidades terapêuticas, o
movimento da antipsiquiatria, a psicoterapia institucional, a psiquiatria
democrática realizaram uma critica profunda da cultura asilar e
manicomial. Mesmo que os asilos ainda permaneçam aqui e acolá, as transformações
ocorridas na assistência psiquiátrica foram inúmeras. O que hoje leva o nome de Reforma Psiquiátrica pretendeu tanto
desconstruir a cultura manicomial
hegemônica, criada em torno do asilo, suas práticas de exclusão e redução da loucura à doença mental, quanto
criar um novo campo de atenção psicossocial. Reformular as práticas terapêuticas,
criar leis , mudar a imagem da loucura no imaginário social, no entanto, é um
processo complexo que aponta não só
para uma mudança política quanto
clínica.
O deslocamento do louco como objeto humano
desprovido de razão para um sujeito que precisa ser tratado tanto
na sua dimensão psíquica como social (relação com a família, grupos
sociais, escola, trabalho, comunidade e lazer) coloca em foco o seu sofrimento
psíquico e uma perspectiva de cuidados e não de cura. Aqui no Brasil, após a
reforma ocorrida na década de 90, proliferam hospitais-dia, lares
abrigados e CAPs (Centro de Atenção Psicossocial) que substituíram os
antigos asilos e que oferecem uma alternativa de tratamento multidisciplinar
para a população carente.
A defesa da cidadania do louco, de seus
direitos, a exigência de respeito social à sua diferença, a criação de espaços
de sociabilidade para ele, estão entre as reivindicações e conquistas mais buscadas pelos profissionais de saúde
que lutam pela inserção do louco na cultura.
O Acompanhante Terapêutico,
atividade recente que vem ampliando sua difusão, tem se mostrado um bom dispositivo na tentativa de inserção do louco na
sociedade, e faz parte de uma preocupação atual dos profissionais que visam sua reabilitação
psicossocial inclusive como uma exigência ética, para a (re) construção do
exercício da cidadania e de um lugar efetivo
na casa, no trabalho e na rede social.
Mas é importante apontar a
complexidade desta tarefa que pretende intervir na existência e no sofrimento
destas pessoas, e não confundi-la com mero entretenimento, ou com
adestramento. Vale notar que, apesar da criação desta rede, os modos tradicionais de tratar a
loucura ainda permanecem e isto também se deve à reincidência da resistência
humana em contestar sua relação com o
louco e a recusa em ouvir sua linguagem perturbadora e aparentemente
estranha.
Porque a loucura mantém esta dimensão de
repudio, de estranheza, e muitas vezes de fascínio?
O estigma social que caracteriza a
história da loucura diz respeito a
manifestação radical de uma diferença. A exclusão do louco é quase sempre
resultado da negação que a sociedade faz de sua própria loucura, que ao ser
depositada na figura do louco permite à comunidade, por oposição imaginar-se sã.
Há pouco mais de 100 anos, ao
apontar os caminhos complexos dos sintomas psíquicos, Freud mostrou que não seria preciso opor a loucura à normalidade.Na verdade a loucura não deveria ser associada ao registro do
erro e sim a um modo particular do sujeito dizer sobre si. Isto porque a loucura mostra o que de certa maneira já
estava no inconsciente de cada um. Os loucos seriam aqueles sujeitos que
sucumbem a uma luta que seria a mesma para todos. Ao contrário da
concepção psiquiátrica, Freud não só valorizou como escutou o discurso do
psicótico e suas produções, e percebeu que este discurso falava dele, de seus
desejos, ainda que ele mesmo não pudesse se reconhecer. O delírio, por exemplo,
seria um veiculo de comunicação de seu sintoma, e paradoxalmente uma tentativa de
cura. A escuta da loucura não marca apenas uma
possibilidade de humanização da relação do louco com quem o assiste ou
com os demais, mas principalmente um
respeito a sua palavra e uma implicação efetiva na possibilidade dele poder
fazer parte da sociedade. É isto que marca
a diferença com as assistências alienantes, que tratam o louco como um objeto que não porta nenhum saber sobre si
mesmo e que demanda cuidados de proteção definidos a priori tal e qual um bebê,
o que o torna refém de uma prtica moral educativa. Perde-se
assim a escuta do novo, o reconhecimento
e respeito pela diferença e cai-se em um cuidado formal, uma prática do exercício
de caridade ou piedade. Se há comunicação entre razão e desrazão, isto permite
desvendar a singularidade de cada sujeito no enfrentamento de um conflito que é
de todos ainda que ganhe destinos diferentes. Como vimos os loucos ainda hoje
exercem este duplo fascínio: ao mesmo tempo em que impõem aos cidadãos métodos
efetivos para tratá-los e inseri-los na sociedade, recuperando sua autonomia e
cidadania, mantêm sua condição de objeto de repúdio e de estranheza.
Estamira
Ao contrário de Bicho de 7 cabeças, que denuncia o sistema manicomial, Estamira é um filme cuja proposta de seu diretor é “escutar”, durante 4 anos, o que esta louca senhorinha tem a dizer sobre si, seu mundo, suas crenças, seus desejos, enquanto que vive entre sua casa e o
lixão onde trabalha.
Apesar de seu discurso expor uma
percepção do mundo e de si confusa e delirante, (o psicótico precisa inventar
sozinho um sentido para a sua presença no mundo) muitas vezes é possível ouvi-la falar de
questões que podemos identificar como nossas, tais como as que desvendam o
desamparo humano social, econômico e político. A diferença entre as crenças e a
visão de mundo de Estamira e as nossas é que as nossas são amparadas por uma
credibilidade por serem compartilhadas pela maioria.
O filme não
pretende fazer denúncias sobre a exclusão e nem busca uma idealização do
louco, mas coloca em evidência a humanidade da loucura, mostrando-a como uma
possibilidade, por vezes a única, do sujeito
sobreviver.
O louco permanece sendo para a
sociedade, alguém que recebe tanto nosso olhar compassivo como o de exclusão, zombaria ou ódio.
Em geral nosso ódio ou
desprezo pelo diferente está ligado a nossa necessidade de expulsar em nós
mesmos a semelhança que nos assombra.
No plano cultural e
menos pessoal, a loucura interroga diretamente a capacidade dos humanos de
estarem juntos, se agruparem, fazer trocas, ou mesmo viver em sociedade, ao nos confrontar com os enigmas do que acontece no espaço entre humanos, quando os códigos sociais
convencionais falham.
A psiquiatria clínica contemporânea
- neurociências e psicofármacos
Os tempos de loucura e manicômio
fazem parte de um passado na psiquiatria atual. A psiquiatria hoje não transita
pelo espaço fechado do asilo nem faz uma distinção rígida entre a loucura e a
normalidade, mas na indeterminação dos limites entre o normal e o patológico.
Depressão, pânico, hiperatividade, fobia social, impotência, são alguns dos
mais freqüentes transtornos mentais. A impressão é a de que assim como a
medicina que ao invés da saúde trata a doença, a psiquiatria segue o mercado
dos psicofármacos e passa a servir as desordens ou as dificuldades da
existência que surgem no desenho do corpo, da performance ou da personalidade. Tomemos
como exemplo as Depressões e seu tratamento por antidepressivos. Segundo a
psiquiatria, os antidepressivos contem uma substância que aumenta a quantidade
de um neurotransmissor no cérebro, a serotonina, que seria responsável pelo bom
humor e por isso capaz de aliviar a tristeza e a morosidade que se manifestam numa
variedade de situações de vida e de quadros clínicos. Mas o uso dos
antidepressivos é empírico. A definição padrão da depressão é comportamental,
afetiva e discursiva, não química, pois é difícil verificar o nível de serotonina
no cérebro das pessoas. É possível que muitas
depressões se enquadrem ao padrão comportamental e afetivo estabelecido, mas se expressem por alterações químicas
diferentes da insuficiência de serotonina; Assim como haveria depressões que
não se expressam pela insuficiência da serotonina, ou ainda que mesmo sem um
quadro de depressão, tristezas se expressem por uma falta de serotonina. Ao
receitar antidepressivos, portanto o médico não sabe em qual destas
possibilidades seu paciente se enquadra. Não estamos com isso fazendo qualquer
discurso contra os psicofármacos e sim quanto ao uso indiscriminado, além de
questionarmos a possibilidade do
paciente se inteirar dos motivos de sua tristeza.
O sujeito contemporâneo
Entre o inicio da modernidade e os
tempos atuais o mundo sofreu mudanças bastante significativas. Estivemos
falando sobre a psique humana sob uma perspectiva histórica. Vimos como desde
os filósofos gregos, havia uma preocupação em contrapor o homem ao animal e a
natureza com a cultura. Sem dúvida, depois de muitos séculos de existência, a
humanidade pode se fazer perguntas novas sobre o sentido de sua existência e
sobre o seu destino. Por outro lado a cultura humana construída até aqui,
guarda um acervo diferenciado nos modos de existir nas diferentes épocas da
historia. Podemos dizer que o subjetivo é o espaço da experiência humana em
relação ao simbólico de cada cultura, expressado através de seus impulsos, sua
conduta, expectativas crenças e valores. As formas de subjetivação são
historicamente determinadas e as mudanças no contexto político-econômico interferem
na criação de certos ideais, na valorização de modelos de pensamento, na
propagação de certos repertórios de conduta, na difusão de metáforas que se
incorporam ao senso comum, enfim, na criação de novos jogos de linguagem,
repertórios de sentido ou jogos de verdade que dão consistência ao imaginário
de uma época, imaginário por meio do qual o mundo, a existência e a experiência
pessoal ganham consistência e significação. Cada cultura produz uma estética,
etiqueta e ética.
É assim que as formações sociais
são uma importante estrutura na definição do saber sobre os sujeitos, seus
conflitos e significantes, ou seja, sobre a condição humana.
A ideia de progresso humano como
percurso racional sofreu um duro golpe com a ascensão dos regimes totalitários,
como o nazismo, o fascismo e o stalinismo. O desencanto tomou o lugar da
confiança que existia anteriormente na idéia de uma razão triunfante. Para
fazer face a essa realidade, um grupo de intelectuais alemães elaborou uma
teoria que ficou conhecida como teoria crítica. Esse pensamento distingue a razão
instrumental da razão crítica. O que seria a razão instrumental? Aquela que
transforma as ciências e as técnicas num meio de intimidação do homem, e não de
libertação. E a razão crítica? É a que estuda os limites e os riscos da
aplicação da razão instrumental.
Conferência realizada na Semana de Psicologia da UNIP Sorocaba 2009
1- Para os gregos, o homem é um ser natural, dotado de corpo e alma, esta possuindo uma parte superior e imortal que é o intelecto ou razão; para os cristãos, o homem é um ser misto, natural por seu corpo, mas sobrenatural por sua alma imortal;
2- Para os gregos, a liberdade humana é uma forma de ação, isto é, a capacidade da razão para orientar e governar a vontade, a fim de que esta escolha o que é bom, justo e virtuoso; para os cristãos, o homem é livre porque sua vontade é uma capacidade para escolher tanto o bem quanto o mal, sendo mais poderosa do que a razão e, pelo pecado, destinada à perversidade e ao vício, de modo que a ação moral só será boa, justa e virtuosa se for guiada pela fé e pela Revelação;
3- Para os gregos, o conhecimento é uma atividade do intelecto (o êxtase místico de que falavam os neoplatônicos não era algo misterioso ou irracional, mas a forma mais alta da intuição intelectual); para os cristãos, a razão humana é limitada e imperfeita, incapaz de, por si mesma e sozinha, alcançar a verdade, precisando ser socorrida e corrigida pela fé e pela Revelação
Razão-----------------alma razão, alma, transcendência
corpo---------mente corpo- gregos
, cristãos
razão, alma, imanência
razão se opõe a alma
razão------------alma
loucura------------ desatino -------------------exclusão
loucura-------------desrazão-------------------doença
normal
doença mental-------------- cura
patológico
Cura-------------------------mediciana mal psíquico
psicologia mal somático
psicanálise------------------o “louco” é portador de sua verdade
psiquiatria atual------------sai a cura
psicologia entram os cuidados multidisciplinares
psicanálise promoção de saúde e socialização
sai internação
entra atendimento no “território”
CAPs
hospital dia
Referências Bibliográficas
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construção das ciências dadas certezas medievais as duvidas pré-modernas, in
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FREUD, S. Obras Completas de
Sigmund Freud, Rio de Janeiro, Ed. Imago, 1996.
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