domingo, 24 de junho de 2012

O povo & a infidelidade


A Folha de São Paulo convidou dois de seus colaboradores para um debate sobre amor e infidelidades na noite do dia 18 de junho: a antropóloga carioca Mirian Goldenberg, que escreve no Caderno Equilíbrio e pesquisa há duas décadas o comportamento de homens e mulheres em sua relação com temas como sexo, casamento, fidelidade, e o cartunista Adão Iturrusgarai que entre outras pérolas criou a personagem Aline, aquela que mantém há anos uma “boa” vida conjugal com dois namorados. Enquanto Mirian tentava traduzir para a plateia os principais resultados de tantos anos de interrogatórios sobre um assunto tão sério e polêmico, Adão se encarregava de desconstruir a lógica estatística com seu humor. Frutífero, o diálogo entre os dois rendeu um livro, “Tudo o que você não queria saber sobre sexo” (Ed. Record). E pelas perguntas dos espectadores era possível mapear o que insiste em escapar aos números. Sob  olhares interrogantes homens e mulheres, atrás de seus (novos?) lugares sociais, buscam orientações e dicas sobre o que e como viver suas vidas amorosas. Existe uma fórmula para o amor? Neurocientistas e químicos analisam a estrutura biológica em busca de pistas. Psicólogos e antropólogos tentam criar teorias. Ainda temos horóscopos, cartomantes, mapas astrais, toda sorte de superstições e simpatias, além de nosso casamenteiro Santo Antônio, que no ultimo dia 13 deve ter recebido um bocado de orações. Como encontrar o parceiro ideal? Existe um grau de atração necessário para se manter um romance? A liberdade sexual alcançada pelas mulheres trouxe-lhes alguma conquista?  O que mudou para elas? O que mudou (ou não) para os homens? Quem trai mais? Há diferenças nos motivos de homens e mulheres para traírem? Quem quer se casar, homens e/ou mulheres? As perguntas tangenciavam o imbróglio maior, nossa vida amorosa, e como bem disse a antropóloga, se há um consenso em torno do que queremos para ela é que possa conter tanto a liberdade quanto a segurança, duas das maiores ânsias contemporâneas. Todos querem desejar, amar, trabalhar, se divertir, fazer parte integral da cultura e da sociedade, mas botam uma fé danada no amor, na espera de que ele possa trazer paz, preencher o vazio, produzir um sentido para as suas vidas. Sonhamos com  uma vida amorosa e sexual nos moldes do “foram felizes para sempre”, sem perturbações que questionem nossos desejos ou a falta dele ou conflitos que revelem nossa incapacidade de gerenciar sua complexidade. Se homens e mulheres buscam isso o que vem depois? É aqui que Adão Iturrusgarai desperta gargalhadas ao expor as bizarrices do que em geral não revelamos de nossas vidas íntimas, os bastidores da relação entre amor e sexo. Isto talvez denuncie a impossibilidade de mapearmos sua complexidade, principalmente quando incluímos a tal da fidelidade, cujas razões confrontam  e questionam as regras que construímos. Ok, todos sonham em ter um parceiro ideal, sonham em amarrar o bode (de suas vidas) em alguma árvore, e isto guarda um pouco do mito da monogamia, este resquício poderoso de nossa infância: ter alguém que nos ame para sempre, que nos ache especial, que não nos deixe cair no vazio ou na desventura de nos sentirmos excluídos e sem valor. Mas o que acontece com a estampa feliz do casal depois que eles passam pelo umbral da porta de seu lar doce lar?  Em geral não estamos muito dispostos a saber sobre as decepções, os ressentimentos, as brigas, etc. Ler (e rir) das tirinhas de Adão sobre relacionamentos pode ser uma alternativa.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O amor “en-cena”


No sábado do dia 8 de junho de 2012 o Estadão publicou uma entrevista do filósofo e ex-ministro da educação da França, Luc Ferry, em que este dizia que vivemos a era da revolução do amor. Não estaríamos mais dispostos a nos sacrificar em nome de grandes ideias ou de utopias, mas possivelmente em nome de nossos filhos, pais ou amigos, ou seja, daqueles que amamos. O casamento por amor, e não mais por interesses, estaria no centro desta nova ordem social e teria disparado (neste ultimo século) a desconstrução de muitos valores tradicionais. Nossa sociedade teria se transformado em um conjunto de individualidades (homens e mulheres) que buscam a emancipação desfrutando de uma liberdade jamais alcançada, e o esperado seria que pudéssemos aceitar melhor o diferente, já que nosso objetivo maior seria o de preparar o futuro daqueles que tanto amamos, nossos filhos, ou melhor, as gerações futuras. Por isso, da condição humana pós-moderna seria esperado valores morais como a solidariedade, a tolerância, a gentileza e a amizade. Mas como evitar que estes valores degenerem para o egoísmo, a insensibilidade e o desinteresse pelas misérias humana ou simplesmente pelo outro? Este é o paradoxo sobre o qual versa o novo filme do polêmico diretor  Roman Polanski  em cartaz em São Paulo, “O Deus da Carnificina”. Baseado na peça da dramaturga e atriz francesa Yasmina Reza (já encenada na Broadway e em São Paulo) a ação se passa  em um apartamento em Nova York e tem como disparador a briga entre dois garotos em que um deles é ferido pelo outro, fato que fará com que os pais dos dois marquem um encontro para um pedido formal de desculpas, sem a presença dos meninos. A princípio, a educação e a civilidade imperam, com os pais do garoto agredido recebendo em sua casa os pais do agressor, mas aos poucos a polidez dá lugar a uma artilharia verbal e a cordialidade antes sob o controle do manual do politicamente correto, descamba para  uma exposição escancarada daquilo que chamamos “vida privada”. Embora possa ser considerada uma comédia de costumes, o filme consegue perturbar a todos os espectadores que aos poucos vão sendo tomados por uma tensão desconfortável (vez por outra descarregada por risos nervosos)  que os leva a  torcer para que os casais desistam daquela troca de ofensas, deem por terminado o conflito e voltem para suas tocas. Paira uma certa vergonha, este sentimento social que ajuda a viabilizar nossas relações com os outros ao marcar um espaço de intimidade para cada um, e assim guardarmos nossos sentimentos/desejos secretos que poderão ou não ser compartilhados segundo nossas escolhas. Mas o desconforto também sugere que identificamos ali a possibilidade disso acontecer com cada um de nós o que confirma que a construção do espaço social de convivência esbarra no modo como nossas emoções organizam nossas vidas interiores. Se o casamento por amor funda uma nova maneira de existir em que o amor não só passa a regular a vida familiar e societária como se mantém como uma promessa de felicidade para a vida de cada um, vivemos em um circuito amoroso em que o culto ao amor que se recebe dos pais impõe a necessidade de buscar indícios do amor no outro, aumentando a importância do amor como confirmação do próprio valor. E funda uma lógica menos racional e mais emocional para as motivações dos comportamentos humanos. Na sala de estar do apartamento em que praticamente acontecem todas as cenas do filme, o café/bolo/ética/gentilezas vai aos poucos cedendo espaço ao uísque/carências/mágoas/agressividade. Todos confessam seus mais miseráveis sentimentos e acusam algum dos outros por suas faltas. Há ora uma aliança entre os pares conjugais, ora entre os gêneros e as trocas de farpas parecem esconder pedidos de reconhecimento de valor, de amor, de superioridade moral/social/intelectual, de poder. Faltou um estranho, alguém de fora, que adentrasse naquela sala e cochichasse aos ouvidos dos quatro como somos limitados em nossas pretensões, pegasse de forma carinhosa as mãos do casal visitante, levasse-os até a porta agradecendo sua disponibilidade, juntasse as mãos do casal anfitrião, convidasse-os a irem dormir em sua cama de casal, apagasse as luzes e deixasse enfim na tela do cinema, o “The End”.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Sentimento nacional


Londres é o tipo de cidade que costuma surpreender os desavisados e  causar, em geral, uma espécie de “bom” estranhamento diante do antigo e do novo, da presença constante dos ícones da monarquia em contraste com a liberdade de estilos e a diversidade de etnias de seus cidadãos. Cosmopolita e controversa, tradicional e supermoderna pode-se em um mesmo dia imaginar-se voltando alguns séculos diante do ritual da troca da guarda no Palácio de Buckingham e ao zarpar para Piccadilly Circus, onde se concentram os teatros, cinemas, artistas de rua, ou para o leste com seus ateliês, galerias, lojas e diferentes tribos de jovens já avançar para a vanguarda dos tempos atuais. No domingo de 3 de junho último,canais de TV permitiram que o mundo todo celebrasse junto à família real, a festa dos sessenta anos de reinado da Rainha Elizabeth II e assistisse milhares de espectadores acenarem suas bandeirinhas e se amontoarem as margens do rio Tâmisa – com a chuva e o frio que caracterizam os céus londrinos- à espera do cortejo de mil barcos que acompanhou a embarcação real. Sessenta anos não é pouco e durante este período, a geração de nossos pais, a nossa e a de nossos filhos acostumou-se a “conviver” com esta senhora e seus familiares, ora sob o fascínio de sua pompa e circunstância ora com o espanto de sua humanidade. Entre baixas e altas pode-se dizer que a maioria do povo britânico aplaude e sente muito orgulho de sua família real, mesmo quando ela vai parar nas manchetes dos jornais e revela capítulos picantes de sua historia ou expõe seus gastos milionários. Assim como o chá e a pontualidade, a família real faz parte da identidade cultural inglesa. E isso não é pouco. É justamente este sentimento nacional que dá visibilidade a monarquia britânica, ao contrário de outras que passam quase despercebidas. Pode-se dizer que grande parte da força da “marca” desta realeza que acaba por devolver seus gastos aos cofres públicos e leva uma série de benefícios ao país, principalmente em forma de turismo, nasce deste sentimento nacional de orgulho e crença de seu povo em seu valor. Quanto a nós brasileiros, será que temos uma identidade nacional? A possibilidade que a mídia contemporânea abriu de um convívio mais próximo com outros povos, seus costumes, sua estética, nos permite apontar diferenças importantes para cada uma das culturas, que em geral são tanto a graça quanto a desgraça de cada país. Cá no Brasil, apesar de grande nação, de falarmos a mesma língua em toda a extensão territorial e convivermos com um baixo índice de conflitos étnicos ou religiosos, guardamos uma singela aura infantil no sentimento de pertencimento principalmente quando o foco é a responsabilização de cada cidadão sobre os rumos ou desacertos do país. Ao contrário de nossos vizinhos argentinos, p.e., preferimos deixar cair na “vala”, quaisquer desrazões ou mal ajambrados jeitos de resolver nossas questões e contradições, evitando o debate e por decorrência, os mal estares de seus acertos e todos os desafios implicados na defesa dos interesses de uma nação. Há os que se desanimam ao ver perpetuado um certo “jeitinho brasileiro” de dourar a pílula. Mas há sempre os que apostam que esta mesma eterna “juventude” do país pode guardar a potencia de medidas e soluções inovadoras. Há os que esperam e os que se implicam.