No sábado
do dia 8 de junho de 2012 o Estadão publicou uma entrevista do filósofo e
ex-ministro da educação da França, Luc Ferry, em que este dizia que vivemos a
era da revolução do amor. Não estaríamos mais dispostos a nos sacrificar em nome
de grandes ideias ou de utopias, mas possivelmente em nome de nossos filhos,
pais ou amigos, ou seja, daqueles que amamos. O casamento por amor, e não mais
por interesses, estaria no centro desta nova ordem social e teria disparado (neste
ultimo século) a desconstrução de muitos valores tradicionais. Nossa sociedade teria
se transformado em um conjunto de individualidades (homens e mulheres) que
buscam a emancipação desfrutando de uma liberdade jamais alcançada, e o
esperado seria que pudéssemos aceitar melhor o diferente, já que nosso objetivo
maior seria o de preparar o futuro daqueles que tanto amamos, nossos filhos, ou
melhor, as gerações futuras. Por isso, da condição humana pós-moderna seria
esperado valores morais como a solidariedade, a tolerância, a gentileza e a
amizade. Mas como evitar que estes valores degenerem para o egoísmo, a insensibilidade
e o desinteresse pelas misérias humana ou simplesmente pelo outro? Este é o
paradoxo sobre o qual versa o novo filme do polêmico diretor Roman Polanski em cartaz em São Paulo, “O Deus da
Carnificina”. Baseado na peça da dramaturga e atriz francesa Yasmina Reza (já
encenada na Broadway e em São Paulo) a ação se passa em um apartamento em Nova York e tem como disparador
a briga entre dois garotos em que um deles é ferido pelo outro, fato que fará
com que os pais dos dois marquem um encontro para um pedido formal de
desculpas, sem a presença dos meninos. A princípio, a educação e a civilidade
imperam, com os pais do garoto agredido recebendo em sua casa os pais do
agressor, mas aos poucos a polidez dá lugar a uma artilharia verbal e a
cordialidade antes sob o controle do manual do politicamente correto, descamba
para uma exposição escancarada daquilo
que chamamos “vida privada”. Embora possa ser considerada uma comédia de
costumes, o filme consegue perturbar a todos os espectadores que aos poucos vão
sendo tomados por uma tensão desconfortável (vez por outra descarregada por
risos nervosos) que os leva a torcer para que os casais desistam daquela troca
de ofensas, deem por terminado o conflito e voltem para suas tocas. Paira uma
certa vergonha, este sentimento social que ajuda a viabilizar nossas relações
com os outros ao marcar um espaço de intimidade para cada um, e assim guardarmos
nossos sentimentos/desejos secretos que poderão ou não ser compartilhados
segundo nossas escolhas. Mas o desconforto também sugere que identificamos ali
a possibilidade disso acontecer com cada um de nós o que confirma que a construção
do espaço social de convivência esbarra no modo como nossas emoções organizam nossas
vidas interiores. Se o casamento por amor funda uma nova maneira de existir em
que o amor não só passa a regular a vida familiar e societária como se mantém
como uma promessa de felicidade para a vida de cada um, vivemos em um circuito
amoroso em que o culto ao amor que se recebe dos pais impõe a necessidade de
buscar indícios do amor no outro, aumentando a importância do amor como
confirmação do próprio valor. E funda uma lógica menos racional e mais
emocional para as motivações dos comportamentos humanos. Na sala de estar do apartamento em que praticamente
acontecem todas as cenas do filme, o café/bolo/ética/gentilezas vai aos poucos
cedendo espaço ao uísque/carências/mágoas/agressividade. Todos confessam seus
mais miseráveis sentimentos e acusam algum dos outros por suas faltas. Há ora
uma aliança entre os pares conjugais, ora entre os gêneros e as trocas de
farpas parecem esconder pedidos de reconhecimento de valor, de amor, de
superioridade moral/social/intelectual, de poder. Faltou um estranho, alguém de
fora, que adentrasse naquela sala e cochichasse aos ouvidos dos quatro como somos
limitados em nossas pretensões, pegasse de forma carinhosa as mãos do casal
visitante, levasse-os até a porta agradecendo sua disponibilidade, juntasse as mãos
do casal anfitrião, convidasse-os a irem dormir em sua cama de casal, apagasse
as luzes e deixasse enfim na tela do cinema, o “The End”.
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