Dos
bebês, quem cuidará?
A
tarefa de receber os novos humanos, uma tarefa das mais complexas e talvez a
mais importante das tarefas humanas deste e dos próximos séculos, inclui não só
a apresentação da cultura, seus interditos, seus valores, seus ideais e
prazeres, mas a criação de um sentido para aquela nova vida. É necessário,
ainda, que se constitua uma tarefa política, que integre os recém-chegados ao
mundo civilizado para que possam conviver com seus pares. Nas últimas décadas,
as questões socioculturais que gravitam em torno do nascimento e da criação de
bebês sofreram mudanças radicais em relação aos dois séculos anteriores,
principalmente no que se refere à constituição da família, ao significado da
maternidade e ao lugar da infância, três eixos importantes desta tarefa de
acolher e cuidar dos que nascem.
O
modelo da família atual questionou radicalmente certas naturalizações em torno
da diferença biológica dos sexos, ressaltou as identidades sexuais ou gêneros e
impôs uma simetria inédita entre os mesmos, o que contribuiu para mudanças significativas na
maneira como se vive a sexualidade e se formam os pares conjugais, assim como
se compartilha (ou não) o projeto de criação de um filho, um projeto, portanto,
que deixou de ser uma decorrência “natural” da vida de todos ou de assegurar a
perpetuação dos mesmos agentes cuidadores.
A maternagem antes intrinsecamente relacionada à maternidade e definida como função feminina por excelência, assim como o amor materno como “instintivo” e “natural”, passam a mitos do passado diante das conquistas de liberdade e direitos inéditos das mulheres, hoje convocadas a fazer escolhas em todas as áreas de suas vidas, privada e pública. Os projetos de constituir uma parceria conjugal ou de ter filhos podem ou não fazer parte desta, modificando seu destino anterior de “se casar e ter filhos”. Desde o século XVII, quando as crianças passaram a ser consideradas diferentes dos adultos, elas ganharam um novo estatuto, visando educá-las e prepará-las para se tornarem adultos bons e produtivos que assegurassem o futuro da civilização. Ao adquirirem um valor novo e especial, agregado ao culto à maternidade, tal configuração familiar desencadeou transformações na organização social e na concepção da subjetividade humana.
A maternagem antes intrinsecamente relacionada à maternidade e definida como função feminina por excelência, assim como o amor materno como “instintivo” e “natural”, passam a mitos do passado diante das conquistas de liberdade e direitos inéditos das mulheres, hoje convocadas a fazer escolhas em todas as áreas de suas vidas, privada e pública. Os projetos de constituir uma parceria conjugal ou de ter filhos podem ou não fazer parte desta, modificando seu destino anterior de “se casar e ter filhos”. Desde o século XVII, quando as crianças passaram a ser consideradas diferentes dos adultos, elas ganharam um novo estatuto, visando educá-las e prepará-las para se tornarem adultos bons e produtivos que assegurassem o futuro da civilização. Ao adquirirem um valor novo e especial, agregado ao culto à maternidade, tal configuração familiar desencadeou transformações na organização social e na concepção da subjetividade humana.
É
assim que a gestação, o nascimento e o desenvolvimento físico e psíquico do
bebê passaram a ocupar o espaço e a atenção de todas as instituições sociais,
mantendo-se como foco constante de produção de saberes múltiplos que se dirigem
ao acolhimento das necessidades do bebê e de seu futuro. Ao lado de modelos normatizados
e idealizados destas funções, na expectativa de que os pais ou cuidadores
possam vir a ser “especialista”, o discurso prometeico da cultura apresenta a
gestação e a maternagem como um campo que pode ser experimentado sem grandes
percalços.
Por seu lado a clínica psicanalítica, que vem ampliando seus saberes sobre a gestação e os dois primeiros anos de vida de um bebê, aponta para o fato de que, apesar da busca muitas vezes promissora de preparação feita pelas novas gerações, invariavelmente o bebê real desconstrói o modelo ideal que se tentou montar. Não há como evitar a surpresa, a estranheza e o enigmático que ronda esta passagem de um ser que demanda cuidados de todas as ordens e que precisará, graças a estes cuidados, ser adotado pelos pais e pela cultura. Uma adoção que mais do que um saber ativo, demanda uma disponibilidade psíquica. Também colocou luzes na questão da presença, da ausência e da influência de um sujeito sobre outro (a identificação), das angústias de intrusão ou de abandono do bebê, dos que cuidam e que não podem ou não conseguem exercer seu papel de refletir ao bebê quem é ele ou servirem-lhe de intérpretes do mundo, e de alternativas para tais situações.
Em um plano ideal, espera-se que aqueles que cuidam possam assumir as funções de sustentar, conter, reconhecer, espelhar, interpelar e convocar para que a criança possa construir uma referência para si mesma, tornando-se ela mesma capaz de vivenciar e dar nome às suas próprias emoções. Um bebê que, por seu lado, apresenta-se hoje mais ativo desde o nascimento, com competências e capacidades para interagir com seu entorno.
Enfim, este encontro dos que recebem e cuidam dos que nascem não é nada simples, ao contrário inaugura um longo processo de adoção, de construção da parentalidade, e de filiação, que deve marcar tanto a continuidade entre as gerações como a diferença entre elas. Assim, o que define uma “família”, além da presença implicada de agente(s) cuidador(es) é que esta possa cumprir a exigência de abrigar ao menos duas gerações e fazer circular as normas que impedem o uso e abuso do corpo da criança.
Por seu lado a clínica psicanalítica, que vem ampliando seus saberes sobre a gestação e os dois primeiros anos de vida de um bebê, aponta para o fato de que, apesar da busca muitas vezes promissora de preparação feita pelas novas gerações, invariavelmente o bebê real desconstrói o modelo ideal que se tentou montar. Não há como evitar a surpresa, a estranheza e o enigmático que ronda esta passagem de um ser que demanda cuidados de todas as ordens e que precisará, graças a estes cuidados, ser adotado pelos pais e pela cultura. Uma adoção que mais do que um saber ativo, demanda uma disponibilidade psíquica. Também colocou luzes na questão da presença, da ausência e da influência de um sujeito sobre outro (a identificação), das angústias de intrusão ou de abandono do bebê, dos que cuidam e que não podem ou não conseguem exercer seu papel de refletir ao bebê quem é ele ou servirem-lhe de intérpretes do mundo, e de alternativas para tais situações.
Em um plano ideal, espera-se que aqueles que cuidam possam assumir as funções de sustentar, conter, reconhecer, espelhar, interpelar e convocar para que a criança possa construir uma referência para si mesma, tornando-se ela mesma capaz de vivenciar e dar nome às suas próprias emoções. Um bebê que, por seu lado, apresenta-se hoje mais ativo desde o nascimento, com competências e capacidades para interagir com seu entorno.
Enfim, este encontro dos que recebem e cuidam dos que nascem não é nada simples, ao contrário inaugura um longo processo de adoção, de construção da parentalidade, e de filiação, que deve marcar tanto a continuidade entre as gerações como a diferença entre elas. Assim, o que define uma “família”, além da presença implicada de agente(s) cuidador(es) é que esta possa cumprir a exigência de abrigar ao menos duas gerações e fazer circular as normas que impedem o uso e abuso do corpo da criança.
Ainda
que a gestação e nascimento de um bebê possam não fazer parte de um projeto que
contenha o desejo de ter filhos, sendo muitas vezes por razões equívocas ou
contingenciais, em geral o lugar que a criança ocupa no narcisismo daqueles que
a acolhem e cuidam é suporte do investimento de desejo nos filhos, o que os
torna depositários de seus ideais de sucesso e encarregados de compensar e
reparar seus fracassos com seu sucesso e sua felicidade. Se a transmissão da
parentalidade, e o lugar ocupado pelos “cuidadores” assumem um protagonismo
ímpar na atualidade, cabe questionar quem, nos tempos contemporâneos de “eus”
narcísicos e frágeis, se disporia a regular o seu prazer em prol de uma
consciência da dívida, do dever com as gerações passadas, futuras ou com o
outro, diante de um discurso social que acena com a possibilidade de não se ter
de passar pelos constrangimentos da condição humana?
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