sexta-feira, 6 de março de 2020

Feminicídio


Feminicídio 
        
Notícias recentes divulgadas pelas mídias anunciam que os casos de feminicídio aumentaram 76% no primeiro trimestre deste ano em São Paulo. Entre janeiro e março de 2019, trinta e sete mulheres foram vítimas de feminicídio, sendo que oito em cada dez aconteceram dentro de casa. Dos trinte e sete casos, em vinte e seis o criminoso era conhecido, quase todos ex-companheiros de suas vítimas.
Desde março de 2015 está em vigor a lei n. 13.104, conhecida como Lei do Feminicídio, que tipifica o crime violento contra a mulher como hediondo, e se acompanhado por especificidades que indicam a vulnerabilidade da vítima (tais como gravidez, menoridade, presença de filhos etc.), agrava a pena do agressor. A luta histórica das mulheres e suas árduas conquistas neste último século estariam produzindo barulhos nas antes silenciosas vozes femininas?
O tema vem sendo analisado por diversos setores da sociedade, alguns contextualizando historicamente o lugar ocupado pelas mulheres, outros analisando as mudanças nas leis que tentam amparar tais violências ou ainda as especificidades de nossa cultura.
Com o intuito de coibir a falta de punição aos agressores e denunciar a violência às mulheres, alguns coletivos feministas e grupos de amparo às vítimas vem sendo criados, assim como iniciativas na internet abrem espaço para as mulheres retratarem suas histórias, dando visibilidade aos atos machistas, encobertos ou explícitos ou às histórias de violência de gênero.
Desde a década de 60, com a lenta desconstrução do modelo patriarcal, a concepção do masculino e do feminino que está na base das relações entre homens e mulheres vem sendo compreendida como construída culturalmente, o que poderia significar motivo de mudança nos comportamentos de ambos. Mas o que se observa é que o modelo de masculinidade hegemônica e homofóbica predomina na quase totalidade do imaginário da população, seja ela de qual gênero for. A concepção de virilidade, reconhecida como um atributo do masculino atribui poderes sobre outros homens e sobre as mulheres, assim como certa naturalização do masculino associado à agressividade e à violência. Não é difícil relacionar o aumento da violência de gênero à necessidade de preservação desta identidade masculina, mas na prática o que se percebe é que este modelo masculino compartilhado por todos é idealizado e está longe de oferecer o paraíso aos homens.  Ao contrário, é em geral vivido como exigência e, portanto como fracasso e impotência. 
Certamente as mulheres vêm buscando novos lugares mais igualitários na cultura, e o movimento feminista não cessa de ampliar seus tentáculos, abrindo espaços de debates para a maioria dos gêneros (LBGTI) antes excluídos e/ou invisíveis. Mas a especificidade do feminicídio, centrado nas relações de poder desiguais e hierárquicas entre homens e mulheres, aponta certa defasagem no plano amoroso, ainda que não fosse justo reduzir as análises a uma compreensão binária do tema, entre agressor e vítima. Ao contrário, o tema merece sua complexidade.
Entendemos que tal legislação possui o valor de inscrever o problema no discurso da civilização contemporânea, permitindo que a prática desta violência saia da invisibilidade e que se amplie os debates sobre seus enlaces sociais e psíquicos.

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