A família entre a cultura e a subjetividade atual:
o papel do amor
Gisela Haddad
Este
trabalho pretende refletir sobre os novos arranjos familiares, tema este
bastante paradigmático na atualidade, já que relacionado ao futuro do que se
considera ser a base da organização social e responsável pela transmissão e
inserção do bebê na cultura.
Abordaremos as transformações
ocorridas na construção das conjugalidades e das novas maneiras de ser pai ou
mãe levando em conta uma visão histórica das mudanças socioculturais e os
efeitos delas nas normas, valores e estilos de viver. Para isso partiremos de
uma breve revisão da história da família moderna, ressaltando o valor do amor
tanto na constituição deste modelo familiar quanto de uma particular
subjetividade que passa a existir a partir da Modernidade. As relações entre
esta subjetividade e a cultura da época
permite destacar como o tripé amor, sexo e casamento, base do ideal de amor
romântico, inaugura uma nova família e uma nova
relação mãe-criança, que de certa maneira mantêm atualizado o ideal de
amor romântico como um projeto individual importante no imaginário social e que
se tornou a base de todas as formações conjugais na atualidade. A partir daí
problematizaremos as novas configurações familiares.
O
modelo familiar que conhecemos nasceu de um projeto iluminista que teve em
Rousseau seu maior idealizador. Tal projeto pretendia transformar a família em
um dos maiores ideais de felicidade humana que
seria conquistada pelo laço amoroso, sexual e exclusivo entre um homem e
uma mulher e pela constituição de uma nova família, assentada pelo amor entre
os cônjuges e destes em relação aos seus filhos. Esta composição de ideais do
bem do amor, do sujeito amoroso e da felicidade amorosa se alinhava aos anseios
de autonomia dos indivíduos e também funcionava como uma proposta política para
a sociedade burguesa ao prever um arranjo conjugal em que a sexualidade ganhava
legitimidade ao ser integrada ao amor e ao casamento.
A
literatura romântica da época era pródiga em incentivar o amor como norte para
os excessos do sexo. Quem não conhece os destinos trágicos de Anna Karenina ou
de Madame Bovary, dois exemplos clássicos de paixões que se afastavam dos
moldes previstos pela família? Grande parte dos romances narravam histórias de amor
em que sentimentos de angústia e de sofrimento vividos por seus protagonistas
giravam em torno de um único objetivo: a realização do ideal de amor. Este
repertório literário se alimentava da idealização romântica do amor ao mesmo
tempo em que propiciava cenários de encontros e experiências amorosas cujas
paixões e desesperos passam a ser parte das fantasias humanas. Além disso, as
narrativas românticas se encaixavam na ideologia individualista em curso e
ajudavam a criar uma interioridade psicológica com identidades
fundadas em sentimentos íntimos, o que produzia uma subjetividade e uma
experiência amorosa inédita. Um novo conhecimento nascia, uma ciência do homem,
de suas particularidades e singularidades.
O amor romântico, por ser um
ideal reverenciado por toda a sociedade e base importante de um projeto
político e social da família burguesa, passa a fazer parte de um horizonte
futuro da vida de cada um, tornando-se uma aspiração poderosa ao acenar com a
possibilidade de uma felicidade humana terrena em contraposição aos antigos ideais religiosos. Aos poucos estas
famílias vão se transformando em uma fortaleza afetiva restrita fundando a vida
privada e íntima, característica da era burguesa.
Estes
casamentos realizados por amor passam a apresentar, a longo prazo, um
esgotamento do desejo e um desencantamento do sexo, dando margem ao surgimento
de uma relação muito próxima entre mãe e filho. O bem-estar familiar passa a
depender deste maravilhoso ‘ninho’
e a mulher, promovida ao papel de mãe,
ganha as atenções e a reverência da sociedade.O amor materno passa a ocupar um
espaço jamais conquistado anteriormente na história da humanidade. O corpo e o
coração materno passam a ser o paraíso originário transformando a mulher-mãe em
fonte de cuidados da qual depende toda a educação e o futuro dos homens. Sendo
condição de sobrevivência e indispensável à educação da criança, o amor materno
concede às mulheres um reconhecimento social importante. Mas se a influência
materna passa a ser decisiva para a criança, os erros e falhas infantis passam
a ser fracassos de sua função de mãe.
Estamos diante do momento
histórico em que a infância é inventada em um compósito entre a idéia de um
tempo feliz protegido pelo amor dos pais e pelos cuidados de uma mãe amorosa e
a preocupação social em produzir cartilhas e especialistas que preenchessem
quaisquer limites ou insuficiências da vida familiar. No plano social inicia-se
a interferência pública nos cuidados e proteção à criança, promovendo o
desenvolvimento de leis e de uma infinidade de setores que de forma gradual,
passam a oferecer saberes considerados mais adequados ao desenvolvimento do
futuro adulto.
O ideal de amor romântico que
continua a regular as relações entre os homens e as mulheres, começa a se
articular a este estreitamento do vínculo entre a mãe e a criança e inaugura um
prolongamento deste ideal de felicidade irrealizável na aspiração de um tempo
feliz e perdido. Os filhos passam a representar a esperança da realização desta
felicidade almejada pelos pais. O amor dos pais sustenta-se nesta possibilidade
de assistir a seus filhos transformarem-se na imagem de felicidade idealizada
por eles. Surge assim um circuito amoroso fundamental para a subjetividade
moderna sustentado por esta família.
Nascida neste caldo cultural, a
psicanálise se põe a desvendar este particular contexto familiar e a
complexidade das subjetividades de seus membros, ao revelar os bastidores
conflituosos das relações entre mãe,pai,
filhos e filhas e o lugar privilegiado das funções parentais na constituição do
psiquismo humano. O momento amoroso da infância, graças aos cuidados e
reverência dos pais passa a ser considerado de suma importância para a
emergência psíquica do bebê, mas é esperado que ainda no seio familiar o bebê
possa ser confrontado com sua humanidade: aceitar não ser rei, não ser único e
nem desfrutar da exclusividade amorosa que imaginava. Tarefa das mais difíceis,
será entre a ameaça de perder e o desejo de obter novamente este lugar
privilegiado e exclusivo, que a criança deverá abrir mão desta importante
ilusão de ser amada incondicionalmente para dar lugar às infinitas condições a que
ela terá que se submeter mas que tentará
evitar. É neste jogo amoroso singular entre ela e seus cuidadores que se
construirá sua subjetividade. A lembrança deste amor incondicional permanecerá
na aspiração de um reencontro amoroso futuro. O ideal de amor romântico se
incorpora à subjetividade moderna, fundando um ideal para o eu.
A família assume um papel
primário na transmissão da cultura e das gerações, mas ao mesmo tempo em que é
fonte de normalidade é palco das piores patologias. As funções parentais passam
a ser cada vez mais alvo de cuidados públicos. De um espaço totalmente privado,
a parentalidade passa a ser praticamente pública. Na tentativa de manter este
modelo idealizado, a família se torna o centro irradiador de demandas de
estudos e pesquisas que visam conhecer suas características e especificidades
para criar todos os tipos de serviços, cuidados e proteção que garantam seu
bem-estar ou técnicas e projetos que auxiliem o desenvolvimento de seus
membros.
À medida que aumentam os saberes
sobre o humano, as funções parentais tornam-se maiores e mais complexas. Além
de se responsabilizar pelo fato físico do nascimento, os pais devem reconhecer
sua criança, dar-lhes um nome e uma filiação, cuidar do seu sustento, educação
e saúde, proporcionar-lhes um espaço de convivência em que sua subjetividade se
constitua e cumprir a função simbólica de transmissão dos valores, normas e
interditos da cultura.
A invasão do olhar público revela o avesso e a
fragilidade desta estrutura familiar burguesa. Em meio à movimentação dos
setores da sociedade que buscam corretivos, a psicanálise entra pela porta dos
fundos ao revelar seus vários descompassos. Um deles era a falsa moral e as
limitações que a cultura burguesa impunha à vida sexual de todos, mas
principalmente das mulheres. Sendo uma sociedade centrada na autoridade
patriarcal as leis de recato sexual pesavam principalmente para as mulheres,
para quem qualquer exposição de sensualidade era motivo de desconforto. Aos
homens era permitido extravasarem seus excessos sexuais com mulheres moralmente
depreciadas.
Mas a
própria inauguração da junção do amor e do sexo como condição de escolha dos
pares conjugais abria perspectivas jamais imaginadas para se questionar as
maneiras de amar, as transformações do erotismo, as práticas sexuais
condenadas, a prostituição e as restrições impostas aos sexos. A psicanálise
bebe deste momento cultural e ajuda a retirar o tema da sexualidade humana dos
bastidores das vidas privadas ao mostrar que a falsa moral burguesa escondia o
temor e a preocupação da cultura com a incapacidade dos homens gerenciarem o
controle sobre seus impulsos sexuais e agressivos. Ainda que lentamente começa
a haver uma subversão das mitologias naturalistas da diferença entre os sexos
fazendo cair por terra o instinto maternal e a raça feminina. Como todos os
tabus, o tabu da virgindade feminina revelava o temor de ambos os sexos em relação
à passagem da menina à sua condição de mulher sexuada. Fica possível
compreender a preocupação social da época em adestrar o corpo e a sexualidade
feminina para a procriação e para o casamento na tentativa de evitar um excesso
sexual perturbador. Acresce-se a isso o fato de ser complicado para os homens
a imagem da mãe-mulher o que induz a
uma separação entre a figura da mãe e a figura da mulher sexuada.
No
plano do conhecimento humano instala-se um embate entre o legado das tradições
e as rupturas a estas que não cessam de se suceder. Reina o pensamento crítico,
as idéias de progresso e renovação e o desejo de se libertar do obscurantismo e
da ignorância pela difusão da ciência e da cultura
O
aumento gradual de um saber sobre si legitima a construção de uma interioridade
e o personagem principal passa a ser a sexualidade. Não apenas a sexualidade
genital, mas a que participa na construção do desejo humano, com destaque para
seu papel na constituição psíquica da criança e dos conflitos vividos nas
tramas amorosas da infância. O amor dos pais, tão reverenciado, precisa ser na
justa medida entre uma erotização do corpo infantil, fonte do desejo de viver e
de amar e certas rupturas deste estado fusional e primitivo que o auxiliem a
entrar na cultura. Na justa medida entre o permitido, o proibido e o prometido,
cada um deve poder se desvencilhar das malhas do submetimento, da alienação e da
fascinação e construir sua rede de relações para buscar um novo lugar no mundo.
No
pensamento moderno cabe a cada indivíduo construir seu próprio destino e seu
próprio eu, rumo a um futuro que não depende mais dos deuses. A aposta no
futuro passa a significar uma aposta em novos sentidos para a existência humana
que acenem com uma maior satisfação, prazer e conforto. A conquista desta individualidade autônoma se
reflete dentro do círculo doméstico fazendo com que o poder familiar vá se
restringindo e os interesses pessoais de seus membros aumentando em consonância
com uma exigência de simetria e liberdade entre os pares conjugais. Aos poucos,
as mulheres ganham espaço público e com o advento dos métodos
anticoncepcionais, conquistam o direito ao amor livre, ao aborto e ao divórcio.
Cada
um se torna o único ou o principal regulador de suas práticas afetivo-sexuais,
assumindo a liberdade para experimentá-las e gerenciá-las. Sem as amarras das
regras de aliança, com a flexibilização das interdições religiosas e morais e o
aumento da mobilidade espaço-temporal e social, homens, mulheres, homossexuais ou não, começam
a formar seus pares fundados apenas em escolhas afetivas e mantidos por acordos e negociações.Esta
liberdade incide tanto nas escolhas dos parceiros quanto nas decisões de
interrupção das relações quando estas se
mostram impossibilitadas de cumprirem os acordos estipulados.
Muda a
realidade social, despontam novos modelos de convivência e novos repertórios de
condutas. A formação dos pares conjugais fica independente do sexo ou da
orientação sexual de cada um. O fim dos constrangimentos e das regras
coercitivas sociais mantém apenas o amor como
eixo central da constituição das novas parcerias conjugais e o preço
desta aventura incerta é a redefinição de uma ética e uma estética do convívio
amoroso. Com relações amorosas mais efêmeras os indivíduos passam a formar mais
de um vínculo conjugal durante sua vida, o que altera de forma significativa a
constituição dos agrupamentos familiares e a convivência entre os pais que
geram e os que cuidam e os filhos legítimos ou adotivos. A função da parentalidade
passa a questionar as normas sociais que a regulamentam voltando a ser objeto
de análises e busca de ajustes dos antigos saberes sobre o papel da família na
vida da criança.
Os
métodos anticoncepcionais e a biogenética rompem a antiga junção
casamento-sexo-procriação. A concepção não decorre somente do contato sexual.
Não é mais necessário estar casado ou ter um cônjuge para ter um filho. As
uniões homoafetivas não só têm o reconhecimento social como podem adotar filhos
ou mesmo concebê-los e assumirem uma função parental. Novos modelos conjugais
homoparentais ou monoparentais assumem uma função de parentalidade.
A
partir dos novos casamentos que cada um dos pares pode fazer e dos novos filhos
destes novos casamentos, os núcleos familiares precisam receber os filhos de um
ou ambos os integrantes de um novo par, provenientes de um vínculo anterior,
promovendo a fusão de duas ou mais famílias às vezes com características e
modos de vida diferentes. São códigos, regras e estilos de parentalidade
diversos. Uma criança pode pertencer simultaneamente a mais de um grupo
familiar e sua circulação entre eles pode ser constante e organizada ou
irregular e informal. Alguns núcleos formam verdadeiras redes que agregam
ex-cônjuges, antigos e novos avós e tios, novos irmãos, enteados, padrastos e
madrastas.
A
filiação passa a não ser mais definida pelos laços sanguíneos, legais ou
residenciais e sim por uma filiação social ou socioafetiva, fundando um grupo
doméstico cada vez que em uma casa se juntam o novo casal e os filhos de um, de
outro e de ambos. Um novo panorama familiar e seus múltiplos e inéditos
arranjos é inaugurado.
A
escolha do par conjugal não depende mais de sexo ou gênero. Embora o critério
seja o amor e a aposta seja de futuro, diminui o acento na promessa de amor
eterno ou na indissolubilidade da relação. O vínculo amoroso permanece enquanto
é possível manter os acordos e estes, mais do que nunca demandam contínuas
negociações e pactos de cumplicidade. Ao contrário da estabilidade formalizada
à priori nos antigos casamentos, tais pactos dependem exclusivamente da lealdade
e do comprometimento mútuo, o que permitirá ou não aos pares compartilhar uma
busca de metas a longo prazo que implique um adiamento de satisfações em troca
de um futuro.
Ser
pai ou mãe, ou exercer uma função de parentalidade também passa a depender
apenas de um comprometimento. O lugar do pai e da mãe não tem
que ser necessariamente ocupado nem pelos pais legítimos nem por um homem e por
uma mulher. A "função paterna" ou "função materna” não implica
na presença de um homem e de uma mulher. São funções de cuidados e responsabilidade
com o desenvolvimento físico e psíquico do bebê e com sua inserção na cultura. Embora
a família tenha mudado sua feição e desconstruído seu antigo modelo, o exercício destas funções
continua sendo essencial e necessário para a sobrevivência da criança.
A
horizontalização das relações familiares faz com que o antigo poder patriarcal
passe a ser compartilhado entre os diferentes membros. As gerações se aproximam
nos modos de existir. Pais e filhos vestem roupas semelhantes, freqüentam os
mesmos lugares, consomem os mesmos objetos e fazem trocas antes pouco imaginadas,
dando um novo colorido ao convívio familiar. O mundo contemporâneo ganha pais
mais amorosos e mais preocupados em proporcionar um ambiente protegido aos seus
filhos. O contraponto é que aumenta a tentativa de evitar quaisquer frustrações
a estas crianças. A responsabilidade e a autoridade que o exercício das funções
parentais exige muitas vezes é vista como um lugar pouco atrativo e constrangedor
pelos pais e muito combatido pelas crianças, embora seja essencial para que
possa ser confirmada a diferença geracional que permite legitimar e sustentar a
existência de cada criança.
Homens
e mulheres, pais ou mães, biológicos ou adotivos se vêem diante do desafio de
assumir uma função parental. Como se responsabilizar por este lugar de acolher,
criar e educar as crianças que lhe cabem? Nas famílias recompostas em que
convivem filho(a)s de outros relacionamentos ou pais e mães adotivos o
exercício da função de pais requer acertos, pactos e alianças que legitimem estas
parentalidades a fim de que as crianças possam assumir suas filiações.
Mesmo
mantendo o amor como base, o interior de qualquer grupo familiar não é só paz e
harmonia. A dinâmica entre os membros familiares é complexa e depende de uma
rede de sentimentos e fantasias que se cruzam. Os excessos são em geral
patológicos, as justas medidas difíceis e a tarefa de construir um espaço que
possa suportar os conflitos entre as expectativas e os fracassos, os
sentimentos de amor e ódio, de acolhimento e autonomia, é infinita.
O
modelo idealizado de família voltada para a produção de bem-estar, em que
deveria bastar ter seu fundamento no
amor entre os membros, demonstra quase sempre ser um terreno fértil na produção
de violência psíquica. Sendo a razão de seu viver e fruto de um alto investimento
dos pais, a criança passa a carregar inúmeras e muitas vezes descabidas
expectativas por parte destes. A dívida amorosa pode se converter em
sentimentos de culpa tanto pela incapacidade de cumprir com as expectativas
quanto pela sensação de não amá-los tanto quanto esperam.
Paradoxalmente,
apesar da imensidão de saberes que a ciência produziu e continua a produzir
dirigido aos cuidados e às necessidades do bebê e de seu futuro, e a profusão
de cartilhas variadas, famílias, pais e crianças seguem meio órfãos a buscar
amparo em novas redes de sustentação. É certo que o imaginário cultural coloca
a criança e a infância no centro de suas preocupações presentes e futuras e
cobra modelos idealizados das funções parentais. Também são inúmeras as
tentativas de instrumentalizar estas funções ou oferecer suplência a elas.
Apesar
de suas contribuições importantes, muitas já incorporadas ao imaginário social,
um século de psicanálise e a revelação da existência de um inconsciente humano,
de motivações escusas e de difícil acesso, não conseguem impedir que o
psiquismo humano resista insistentemente à emergência deste inconsciente, nem
que novos sintomas psíquicos sigam sendo produzidos diante do que escapa a
interpretação humana.
Ao que
parece, o projeto moderno da busca da felicidade e de um bem-estar geral não
encontra soluções definitivas, mas segue construindo novas e desafiadoras
experiências. A despeito deste destino conturbado, o ideal de amor romântico
mantém-se como norte na formação dos pares conjugais e na relação dos pais e
seus filhos, mesmo ocupando um lugar fetichizado ao não esconder suas promessas
ilusórias. Também a família com suas novas facetas, permanece sendo o espaço
que pode propiciar a cada rebento tornar-se gente grande, construir um futuro e
um lugar no mundo para ser reconhecido por seus pares. Uma visão idealizada,
mas necessária para que se possa imaginar um mundo futuro em que indivíduos possuam
um lugar de construção de si e de transmissão dos valores geracionais e
culturais.
Usufruindo
de um mundo novo tecnológico, com confortos e benesses jamais vistas, o novo
sujeito e seus novos valores inauguram uma nova família. Novos tempos, novas
mulheres novas homens.
Nasce
uma nova subjetividade mais ancorada na exterioridade da imagem corporal e na
fruição das sensações físicas. São novos ideais, novos modelos de pensamento,
novos repertórios de condutas, novos jogos de linguagem, novos sentidos ou
verdades que dão consistência ao imaginário social .Com a ciência como geradora
de verdades e sentidos para o mundo e para o individuo e a explosão das
tecnologias cognitivas que tem transformado e redesenhado a nossa visão do
mundo, o modo como os indivíduos se subjetivam se modificou, inaugurando um discurso
em que a dimensão biológica começa a sobrepujar a psicológica. Ao lado de
tristezas, apatias, temores, surgem depressão, pânicos, distmia. A fronteira
entre privado e público fica tênue e o mal-estar tende a se situar no campo da
performance física ou mental, expressando muito mais as incompetências, as
insuficiências e as disfunções. O bem estar é um dever e o mal estar sinal de
incompetência.Por outro lado este quadro torna mais visível que nos constituímos pelos laços sociais e
que nossa autonomia é relativa e implica dependências importantes.A ação humana
vai se livrando dos limites de sua biologia retirando cada vez mais a
“naturalidade” das concepções sobre o humano. Mas a psicanálise continua
interrogando a experiência humana. Todos os setores que se cruzam na pretensão
de estudar o humano necessitam refletir necessariamente sobre o individuo, a
família, a fronteira entre privado e público. Mas a despeito de todo o
progresso do conhecimento algo de humano nos escapa: a natureza estorva a
cultura, o gozo insiste sobre as leis.
Nossa
ética é uma ética baseada na individualidade e são nossos afetos que
fundamentam hoje nossas ações morais. Uma cidadania emocional que convoca a
cada um sentir o que o outro está sentindo. A ética viabiliza o convívio entre
os indivíduos
Gisela
Haddad é psicanalista, mestre em Psicologia Clínica e membro do Departamento de
Psicanálise do Sedes Sapientiae
Texto
apresentado no VII Encontro Nacional sobre o Bebê – Nascimento –Antes e Depois-
Cuidados em Rede – 1 a 4 de maio de 2008
PUC Rio de Janeiro
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