segunda-feira, 3 de junho de 2024

 


  

A família entre a cultura e a subjetividade atual: o papel do amor

                                                                          Gisela Haddad

 

Este trabalho pretende refletir sobre os novos arranjos familiares, tema este bastante paradigmático na atualidade, já que relacionado ao futuro do que se considera ser a base da organização social e responsável pela transmissão e inserção do bebê na cultura.

Abordaremos as transformações ocorridas na construção das conjugalidades e das novas maneiras de ser pai ou mãe levando em conta uma visão histórica das mudanças socioculturais e os efeitos delas nas normas, valores e estilos de viver. Para isso partiremos de uma breve revisão da história da família moderna, ressaltando o valor do amor tanto na constituição deste modelo familiar quanto de uma particular subjetividade que passa a existir a partir da Modernidade. As relações entre esta subjetividade e a cultura da  época permite destacar como o tripé amor, sexo e casamento, base do ideal de amor romântico, inaugura uma nova família e uma nova  relação mãe-criança, que de certa maneira mantêm atualizado o ideal de amor romântico como um projeto individual importante no imaginário social e que se tornou a base de todas as formações conjugais na atualidade. A partir daí problematizaremos as novas configurações familiares.

O modelo familiar que conhecemos nasceu de um projeto iluminista que teve em Rousseau seu maior idealizador. Tal projeto pretendia transformar a família em um dos maiores ideais de felicidade humana que  seria conquistada pelo laço amoroso, sexual e exclusivo entre um homem e uma mulher e pela constituição de uma nova família, assentada pelo amor entre os cônjuges e destes em relação aos seus filhos. Esta composição de ideais do bem do amor, do sujeito amoroso e da felicidade amorosa se alinhava aos anseios de autonomia dos indivíduos e também funcionava como uma proposta política para a sociedade burguesa ao prever um arranjo conjugal em que a sexualidade ganhava legitimidade ao ser integrada ao amor e ao casamento.

A literatura romântica da época era pródiga em incentivar o amor como norte para os excessos do sexo. Quem não conhece os destinos trágicos de Anna Karenina ou de Madame Bovary, dois exemplos clássicos de paixões que se afastavam dos moldes previstos pela família? Grande parte dos romances narravam histórias de amor em que sentimentos de angústia e de sofrimento vividos por seus protagonistas giravam em torno de um único objetivo: a realização do ideal de amor. Este repertório literário se alimentava da idealização romântica do amor ao mesmo tempo em que propiciava cenários de encontros e experiências amorosas cujas paixões e desesperos passam a ser parte das fantasias humanas. Além disso, as narrativas românticas se encaixavam na ideologia individualista em curso e ajudavam a criar uma interioridade psicológica com  identidades  fundadas em sentimentos íntimos, o que produzia uma subjetividade e uma experiência amorosa inédita. Um novo conhecimento nascia, uma ciência do homem, de suas particularidades e singularidades.

O amor romântico, por ser um ideal reverenciado por toda a sociedade e base importante de um projeto político e social da família burguesa, passa a fazer parte de um horizonte futuro da vida de cada um, tornando-se uma aspiração poderosa ao acenar com a possibilidade de uma felicidade humana terrena em contraposição aos  antigos ideais religiosos. Aos poucos estas famílias vão se transformando em uma fortaleza afetiva restrita fundando a vida privada e íntima, característica da era burguesa.

Estes casamentos realizados por amor passam a apresentar, a longo prazo, um esgotamento do desejo e um desencantamento do sexo, dando margem ao surgimento de uma relação muito próxima entre mãe e filho. O bem-estar familiar passa a depender deste maravilhoso  ‘ninho’ e  a mulher, promovida ao papel de mãe, ganha as atenções e a reverência da sociedade.O amor materno passa a ocupar um espaço jamais conquistado anteriormente na história da humanidade. O corpo e o coração materno passam a ser o paraíso originário transformando a mulher-mãe em fonte de cuidados da qual depende toda a educação e o futuro dos homens. Sendo condição de sobrevivência e indispensável à educação da criança, o amor materno concede às mulheres um reconhecimento social importante. Mas se a influência materna passa a ser decisiva para a criança, os erros e falhas infantis passam a ser fracassos de sua função de mãe.

Estamos diante do momento histórico em que a infância é inventada em um compósito entre a idéia de um tempo feliz protegido pelo amor dos pais e pelos cuidados de uma mãe amorosa e a preocupação social em produzir cartilhas e especialistas que preenchessem quaisquer limites ou insuficiências da vida familiar. No plano social inicia-se a interferência pública nos cuidados e proteção à criança, promovendo o desenvolvimento de leis e de uma infinidade de setores que de forma gradual, passam a oferecer saberes considerados mais adequados ao desenvolvimento do futuro adulto. 

O ideal de amor romântico que continua a regular as relações entre os homens e as mulheres, começa a se articular a este estreitamento do vínculo entre a mãe e a criança e inaugura um prolongamento deste ideal de felicidade irrealizável na aspiração de um tempo feliz e perdido. Os filhos passam a representar a esperança da realização desta felicidade almejada pelos pais. O amor dos pais sustenta-se nesta possibilidade de assistir a seus filhos transformarem-se na imagem de felicidade idealizada por eles. Surge assim um circuito amoroso fundamental para a subjetividade moderna sustentado por esta família.

Nascida neste caldo cultural, a psicanálise se põe a desvendar este particular contexto familiar e a complexidade das subjetividades de seus membros, ao revelar os bastidores conflituosos  das relações entre mãe,pai, filhos e filhas e o lugar privilegiado das funções parentais na constituição do psiquismo humano. O momento amoroso da infância, graças aos cuidados e reverência dos pais passa a ser considerado de suma importância para a emergência psíquica do bebê, mas é esperado que ainda no seio familiar o bebê possa ser confrontado com sua humanidade: aceitar não ser rei, não ser único e nem desfrutar da exclusividade amorosa que imaginava. Tarefa das mais difíceis, será entre a ameaça de perder e o desejo de obter novamente este lugar privilegiado e exclusivo, que a criança deverá abrir mão desta importante ilusão de ser amada incondicionalmente para dar lugar às infinitas condições a que ela terá que se submeter mas  que tentará evitar. É neste jogo amoroso singular entre ela e seus cuidadores que se construirá sua subjetividade. A lembrança deste amor incondicional permanecerá na aspiração de um reencontro amoroso futuro. O ideal de amor romântico se incorpora à subjetividade moderna, fundando um ideal para o eu.

A família assume um papel primário na transmissão da cultura e das gerações, mas ao mesmo tempo em que é fonte de normalidade é palco das piores patologias. As funções parentais passam a ser cada vez mais alvo de cuidados públicos. De um espaço totalmente privado, a parentalidade passa a ser praticamente pública. Na tentativa de manter este modelo idealizado, a família se torna o centro irradiador de demandas de estudos e pesquisas que visam conhecer suas características e especificidades para criar todos os tipos de serviços, cuidados e proteção que garantam seu bem-estar ou técnicas e projetos que auxiliem o desenvolvimento de seus membros.

À medida que aumentam os saberes sobre o humano, as funções parentais tornam-se maiores e mais complexas. Além de se responsabilizar pelo fato físico do nascimento, os pais devem reconhecer sua criança, dar-lhes um nome e uma filiação, cuidar do seu sustento, educação e saúde, proporcionar-lhes um espaço de convivência em que sua subjetividade se constitua e cumprir a função simbólica de transmissão dos valores, normas e interditos da cultura.

 A invasão do olhar público revela o avesso e a fragilidade desta estrutura familiar burguesa. Em meio à movimentação dos setores da sociedade que buscam corretivos, a psicanálise entra pela porta dos fundos ao revelar seus vários descompassos. Um deles era a falsa moral e as limitações que a cultura burguesa impunha à vida sexual de todos, mas principalmente das mulheres. Sendo uma sociedade centrada na autoridade patriarcal as leis de recato sexual pesavam principalmente para as mulheres, para quem qualquer exposição de sensualidade era motivo de desconforto. Aos homens era permitido extravasarem seus excessos sexuais com mulheres moralmente depreciadas. 

Mas a própria inauguração da junção do amor e do sexo como condição de escolha dos pares conjugais abria perspectivas jamais imaginadas para se questionar as maneiras de amar, as transformações do erotismo, as práticas sexuais condenadas, a prostituição e as restrições impostas aos sexos. A psicanálise bebe deste momento cultural e ajuda a retirar o tema da sexualidade humana dos bastidores das vidas privadas ao mostrar que a falsa moral burguesa escondia o temor e a preocupação da cultura com a incapacidade dos homens gerenciarem o controle sobre seus impulsos sexuais e agressivos. Ainda que lentamente começa a haver uma subversão das mitologias naturalistas da diferença entre os sexos fazendo cair por terra o instinto maternal e a raça feminina. Como todos os tabus, o tabu da virgindade feminina revelava o temor de ambos os sexos em relação à passagem da menina à sua condição de mulher sexuada. Fica possível compreender a preocupação social da época em adestrar o corpo e a sexualidade feminina para a procriação e para o casamento na tentativa de evitar um excesso sexual perturbador. Acresce-se a isso o fato de ser complicado para os homens a   imagem da mãe-mulher o que induz a uma separação entre a figura da mãe e a figura da mulher sexuada.

No plano do conhecimento humano instala-se um embate entre o legado das tradições e as rupturas a estas que não cessam de se suceder. Reina o pensamento crítico, as idéias de progresso e renovação e o desejo de se libertar do obscurantismo e da ignorância pela difusão da ciência e da cultura em geral. A conseqüência é a produção de discursos médicos, psicológicos, jurídicos, políticos e religiosos que pretendem ora analisar ora criticar a convivência de valores antagônicos e moralistas ou criar novos discursos que respondam aos alardes das mudanças reivindicadas pelas gerações que se sucedem às antigas.

O aumento gradual de um saber sobre si legitima a construção de uma interioridade e o personagem principal passa a ser a sexualidade. Não apenas a sexualidade genital, mas a que participa na construção do desejo humano, com destaque para seu papel na constituição psíquica da criança e dos conflitos vividos nas tramas amorosas da infância. O amor dos pais, tão reverenciado, precisa ser na justa medida entre uma erotização do corpo infantil, fonte do desejo de viver e de amar e certas rupturas deste estado fusional e primitivo que o auxiliem a entrar na cultura. Na justa medida entre o permitido, o proibido e o prometido, cada um deve poder se desvencilhar das malhas do submetimento, da alienação e da fascinação e construir sua rede de relações para buscar um novo lugar no mundo.

No pensamento moderno cabe a cada indivíduo construir seu próprio destino e seu próprio eu, rumo a um futuro que não depende mais dos deuses. A aposta no futuro passa a significar uma aposta em novos sentidos para a existência humana que acenem com uma maior satisfação, prazer e conforto.  A conquista desta individualidade autônoma se reflete dentro do círculo doméstico fazendo com que o poder familiar vá se restringindo e os interesses pessoais de seus membros aumentando em consonância com uma exigência de simetria e liberdade entre os pares conjugais. Aos poucos, as mulheres ganham espaço público e com o advento dos métodos anticoncepcionais, conquistam o direito ao amor livre, ao aborto e ao divórcio.

Cada um se torna o único ou o principal regulador de suas práticas afetivo-sexuais, assumindo a liberdade para experimentá-las e gerenciá-las. Sem as amarras das regras de aliança, com a flexibilização das interdições religiosas e morais e o aumento da mobilidade espaço-temporal e social,  homens, mulheres, homossexuais ou não, começam a formar seus pares fundados apenas em escolhas afetivas  e mantidos por acordos e negociações.Esta liberdade incide tanto nas escolhas dos parceiros quanto nas decisões de interrupção das relações quando estas  se mostram impossibilitadas de cumprirem os acordos estipulados. 

Muda a realidade social, despontam novos modelos de convivência e novos repertórios de condutas. A formação dos pares conjugais fica independente do sexo ou da orientação sexual de cada um. O fim dos constrangimentos e das regras coercitivas sociais mantém apenas o amor como  eixo central da constituição das novas parcerias conjugais e o preço desta aventura incerta é a redefinição de uma ética e uma estética do convívio amoroso. Com relações amorosas mais efêmeras os indivíduos passam a formar mais de um vínculo conjugal durante sua vida, o que altera de forma significativa a constituição dos agrupamentos familiares e a convivência entre os pais que geram e os que cuidam e os filhos legítimos ou adotivos. A função da parentalidade passa a questionar as normas sociais que a regulamentam voltando a ser objeto de análises e busca de ajustes dos antigos saberes sobre o papel da família na vida da criança.

Os métodos anticoncepcionais e a biogenética rompem a antiga junção casamento-sexo-procriação. A concepção não decorre somente do contato sexual. Não é mais necessário estar casado ou ter um cônjuge para ter um filho. As uniões homoafetivas não só têm o reconhecimento social como podem adotar filhos ou mesmo concebê-los e assumirem uma função parental. Novos modelos conjugais homoparentais ou monoparentais assumem uma função de parentalidade.

A partir dos novos casamentos que cada um dos pares pode fazer e dos novos filhos destes novos casamentos, os núcleos familiares precisam receber os filhos de um ou ambos os integrantes de um novo par, provenientes de um vínculo anterior, promovendo a fusão de duas ou mais famílias às vezes com características e modos de vida diferentes. São códigos, regras e estilos de parentalidade diversos. Uma criança pode pertencer simultaneamente a mais de um grupo familiar e sua circulação entre eles pode ser constante e organizada ou irregular e informal. Alguns núcleos formam verdadeiras redes que agregam ex-cônjuges, antigos e novos avós e tios, novos irmãos, enteados, padrastos e madrastas.

A filiação passa a não ser mais definida pelos laços sanguíneos, legais ou residenciais e sim por uma filiação social ou socioafetiva, fundando um grupo doméstico cada vez que em uma casa se juntam o novo casal e os filhos de um, de outro e de ambos. Um novo panorama familiar e seus múltiplos e inéditos arranjos é inaugurado.

A escolha do par conjugal não depende mais de sexo ou gênero. Embora o critério seja o amor e a aposta seja de futuro, diminui o acento na promessa de amor eterno ou na indissolubilidade da relação. O vínculo amoroso permanece enquanto é possível manter os acordos e estes, mais do que nunca demandam contínuas negociações e pactos de cumplicidade. Ao contrário da estabilidade formalizada à priori nos antigos casamentos, tais pactos dependem exclusivamente da lealdade e do comprometimento mútuo, o que permitirá ou não aos pares compartilhar uma busca de metas a longo prazo que implique um adiamento de satisfações em troca de um futuro.

Ser pai ou mãe, ou exercer uma função de parentalidade também passa a depender apenas de um comprometimento. O lugar do pai e da mãe não tem que ser necessariamente ocupado nem pelos pais legítimos nem por um homem e por uma mulher. A "função paterna" ou "função materna” não implica na presença de um homem e de uma mulher. São funções de cuidados e responsabilidade com o desenvolvimento físico e psíquico do bebê e com sua inserção na cultura. Embora a família tenha mudado sua feição e desconstruído  seu antigo modelo, o exercício destas funções continua sendo essencial e necessário para a sobrevivência da criança.

A horizontalização das relações familiares faz com que o antigo poder patriarcal passe a ser compartilhado entre os diferentes membros. As gerações se aproximam nos modos de existir. Pais e filhos vestem roupas semelhantes, freqüentam os mesmos lugares, consomem os mesmos objetos e fazem trocas antes pouco imaginadas, dando um novo colorido ao convívio familiar. O mundo contemporâneo ganha pais mais amorosos e mais preocupados em proporcionar um ambiente protegido aos seus filhos. O contraponto é que aumenta a tentativa de evitar quaisquer frustrações a estas crianças. A responsabilidade e a autoridade que o exercício das funções parentais exige muitas vezes é vista como um lugar pouco atrativo e constrangedor pelos pais e muito combatido pelas crianças, embora seja essencial para que possa ser confirmada a diferença geracional que permite legitimar e sustentar a existência de cada criança.

Homens e mulheres, pais ou mães, biológicos ou adotivos se vêem diante do desafio de assumir uma função parental. Como se responsabilizar por este lugar de acolher, criar e educar as crianças que lhe cabem? Nas famílias recompostas em que convivem filho(a)s de outros relacionamentos ou pais e mães adotivos o exercício da função de pais requer acertos, pactos e alianças que legitimem estas parentalidades a fim de que as crianças possam assumir suas filiações.

Mesmo mantendo o amor como base, o interior de qualquer grupo familiar não é só paz e harmonia. A dinâmica entre os membros familiares é complexa e depende de uma rede de sentimentos e fantasias que se cruzam. Os excessos são em geral patológicos, as justas medidas difíceis e a tarefa de construir um espaço que possa suportar os conflitos entre as expectativas e os fracassos, os sentimentos de amor e ódio, de acolhimento e autonomia, é infinita.

O modelo idealizado de família voltada para a produção de bem-estar, em que deveria bastar ter seu   fundamento no amor entre os membros, demonstra quase sempre ser um terreno fértil na produção de violência psíquica. Sendo a razão de seu viver e fruto de um alto investimento dos pais, a criança passa a carregar inúmeras e muitas vezes descabidas expectativas por parte destes. A dívida amorosa pode se converter em sentimentos de culpa tanto pela incapacidade de cumprir com as expectativas quanto pela sensação de não amá-los tanto quanto esperam.

Paradoxalmente, apesar da imensidão de saberes que a ciência produziu e continua a produzir dirigido aos cuidados e às necessidades do bebê e de seu futuro, e a profusão de cartilhas variadas, famílias, pais e crianças seguem meio órfãos a buscar amparo em novas redes de sustentação. É certo que o imaginário cultural coloca a criança e a infância no centro de suas preocupações presentes e futuras e cobra modelos idealizados das funções parentais. Também são inúmeras as tentativas de instrumentalizar estas funções ou oferecer suplência a elas.

Apesar de suas contribuições importantes, muitas já incorporadas ao imaginário social, um século de psicanálise e a revelação da existência de um inconsciente humano, de motivações escusas e de difícil acesso, não conseguem impedir que o psiquismo humano resista insistentemente à emergência deste inconsciente, nem que novos sintomas psíquicos sigam sendo produzidos diante do que escapa a interpretação humana.

Ao que parece, o projeto moderno da busca da felicidade e de um bem-estar geral não encontra soluções definitivas, mas segue construindo novas e desafiadoras experiências. A despeito deste destino conturbado, o ideal de amor romântico mantém-se como norte na formação dos pares conjugais e na relação dos pais e seus filhos, mesmo ocupando um lugar fetichizado ao não esconder suas promessas ilusórias. Também a família com suas novas facetas, permanece sendo o espaço que pode propiciar a cada rebento tornar-se gente grande, construir um futuro e um lugar no mundo para ser reconhecido por seus pares. Uma visão idealizada, mas necessária para que se possa imaginar um mundo futuro em que indivíduos possuam um lugar de construção de si e de transmissão dos valores geracionais e culturais.

Usufruindo de um mundo novo tecnológico, com confortos e benesses jamais vistas, o novo sujeito e seus novos valores inauguram uma nova família. Novos tempos, novas mulheres novas homens.

Nasce uma nova subjetividade mais ancorada na exterioridade da imagem corporal e na fruição das sensações físicas. São novos ideais, novos modelos de pensamento, novos repertórios de condutas, novos jogos de linguagem, novos sentidos ou verdades que dão consistência ao imaginário social .Com a ciência como geradora de verdades e sentidos para o mundo e para o individuo e a explosão das tecnologias cognitivas que tem transformado e redesenhado a nossa visão do mundo, o modo como os indivíduos se subjetivam se modificou, inaugurando um discurso em que a dimensão biológica começa a sobrepujar a psicológica. Ao lado de tristezas, apatias, temores, surgem depressão, pânicos, distmia. A fronteira entre privado e público fica tênue e o mal-estar tende a se situar no campo da performance física ou mental, expressando muito mais as incompetências, as insuficiências e as disfunções. O bem estar é um dever e o mal estar sinal de incompetência.Por outro lado este quadro torna mais visível  que nos constituímos pelos laços sociais e que nossa autonomia é relativa e implica dependências importantes.A ação humana vai se livrando dos limites de sua biologia retirando cada vez mais a “naturalidade” das concepções sobre o humano. Mas a psicanálise continua interrogando a experiência humana. Todos os setores que se cruzam na pretensão de estudar o humano necessitam refletir necessariamente sobre o individuo, a família, a fronteira entre privado e público. Mas a despeito de todo o progresso do conhecimento algo de humano nos escapa: a natureza estorva a cultura, o gozo insiste sobre as leis.

Nossa ética é uma ética baseada na individualidade e são nossos afetos que fundamentam hoje nossas ações morais. Uma cidadania emocional que convoca a cada um sentir o que o outro está sentindo. A ética viabiliza o convívio entre os indivíduos

Gisela Haddad é psicanalista, mestre em Psicologia Clínica e membro do Departamento de Psicanálise do Sedes Sapientiae

Texto apresentado no VII Encontro Nacional sobre o Bebê – Nascimento –Antes e Depois- Cuidados em Rede – 1 a 4 de maio de 2008  PUC Rio de Janeiro

 

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