sábado, 14 de maio de 2011

A des-naturalização da vida humana

A recente aprovação pelo Supremo Tribunal Federal do direito a união civil homoafetiva abre uma discussão (sempre polêmica) sobre certas verdades compartilhadas culturalmente que dizem respeito a nossa espécie humana. Isto porque admitir que pessoas do mesmo sexo queiram se casar, ter filhos e usufruírem das mesmas leis que asseguram as uniões entre casais heterossexuais, coloca em cheque algumas crenças difíceis de serem questionadas. No inicio deste ano, por exemplo, a mídia anunciou que um grupo de cientistas japoneses seriam os primeiros a cultivar espermatozóides de um mamífero em laboratório desde os estágios iniciais. Na seqüência a idéia seria aumentar as contribuições para o tratamento de seres humanos inférteis. Assim como admitir que dois humanos nascidos biologicamente homens (ou mulheres) queiram se juntar e quiçá constituírem uma nova família, as técnicas cada vez mais avançadas de reprodução humana também alteram as tradicionais noções de maternidade, de paternidade e de família. Assistimos a tecnologia tomar o lugar do ato sexual - antes o elo entre as gerações- na preservação de nossa espécie. As questões ligadas à filiação tornam-se complexas: uma criança pode ser gerada a partir da doação de esperma e/ou dos óvulos; pode ter herança genética de várias pessoas; pode ser gerada por um parente próximo ou por um desconhecido; pode ser filha de uma mãe solteira ou de um casal homossexual. Ao mesmo tempo, no imaginário cultural, o modelo de referência de procriação continua sendo a relação sexual entre um homem e uma mulher, de preferência dentro da "família nuclear heteronormativa" (pai, mãe e filhos), remetendo ao que parece ser a ordem “natural” das coisas. E mais, acreditamos que este modelo “natural” seja também o da família ideal e feliz das cenas de publicidade, que deve manter a noção de família tradicional, com filhos legítimos e em que o amor entre todos os membros se estabeleça instantânea e genuinamente. Este apego aos valores ditos “naturais”, no entanto, esconde um paradoxo que permeia as mudanças (que não foram poucas) na maneira como hoje vivemos nossas relações. A passagem do casamento arranjado ao casamento por amor admite uma revolução: a de que hoje são nossos sentimentos que estão acima da autoridade e das tradições familiares. Ao nos casarmos e descasarmos por amor inventamos famílias que não são mais biológicas, nem óbvias, o que faz com que seus participantes tenham que encontrar e construir novos lugares, criarem sua própria experiência. São arranjos que não possuem manuais ou referencias. Como a família (seja qual for seu formato) continua a ser o núcleo básico da sociedade, o espaço por excelência da transmissão de valores de uma geração para outra, mantém-se como a mais "natural" das instituições e o núcleo organizador a partir do qual irão estruturar-se e serão transmitidos os valores mais importantes da nossa cultura. Parece que a "naturalidade" que acaba levando à idéia de ser a família o único lugar legítimo da sexualidade e da procriação é tributária da nostalgia que nos faz apontar incessantemente o que nos parece fora da norma. Mas nossos sonhos nos fazem construir ( também de forma permanente) novas maneiras de se viver e entender a vida humana, talvez mais honestas, mais justas.