Uma jovem mãe contava a outras jovens mães sobre sua
agonia desde que havia se dado conta que suas duas filhas, com diferença de
apenas um ano, haviam entrado na pré-adolescência. Sem parâmetros, sentindo-se
perdida na difícil tarefa de discriminar o que consentir e o que proibir, o que
não dar importância e o que se preocupar, ela teria encontrado certo alento na
interlocução via Facebook com outros pais/mães de adolescentes. Havia
descoberto a página do Facebook intitulada “Mães e pais de adolescentes” destinada
a incentivar a troca de ideias e dicas sobre os filhos. Fui conferir. Simpática,
a tal página anuncia quem é o seu público e convida os pais/mães a conversarem
ali. Também descreve esta atordoante faixa etária ponderando sobre seu fascínio
num mundo em que crianças e adolescentes usam teclas e botões “como se
fossem extensões de seus dedos, falam a
mesma língua dos softwares e aprendem rápida e facilmente tudo o que lhes
desperta o interesse.” Mas pondera que esta facilidade de tudo saber
confunde-se as vezes com o tudo querer, o que tornaria difícil para os
adultos/pais manterem seu foco na árdua tarefa de educa-los. Democrática e
aberta, incentiva a todos a dar voz às suas aflições e/ou aos seus conselhos. A
jovem mãe que está contando às suas interlocutoras sua descoberta, no entanto,
não parece satisfeita. Há muitas perguntas sem respostas e ela continua aflita,
sentindo-se incompetente e perdida. Em sua coluna na Folha de SP do dia 20 de
agosto de 2013, sob o título “Depressão e autenticidade” Vladimir Safatle ,
baseado em uma recente pesquisa que diz que em cada cinco mulheres, uma passará
por depressão ao tornar-se mãe, convida a todos a refletir sobre o ônus que a experiência social de ser mãe
carrega na atualidade. Referindo-se ao fato de que hoje as mulheres já não têm
modelos únicos ou formais do “tornar-se mãe” como acontecia até algumas décadas
atrás, ele aborda o despreparo de todas diante do inevitável confronto com
bebês (filhos) que despertam sentimentos ambíguos e contraditórios. Longe de
fazer a apologia da tradição “de mãe para filha” em que os mitos e os rituais não
eram questionados e valiam para todos indiscriminadamente, e diante do atual arsenal
de especialistas que prescrevem caminhos a seguir, ele questiona o lugar dos
afetos que tendem a ser silenciados por todos – pais, parentes, especialistas.
Lembrei-me da história contada por minha faxineira sobre uma conhecida sua,
mocinha de 23 anos, que se casou com um rapaz um pouco mais velho, 33 anos,
descasado, que já tinha um filho de seu primeiro casamento. Apaixonada, sonhava
em ter um filho com ele como a consolidar a relação. Grávida de 8 meses viaja
para o Nordeste a fim de visitar seus familiares. Na volta, em visita a uma
cidade vizinha, o bebê rompe a bolsa e “decide” nascer. Sem conhecer ninguém
ela passa horas à espera de um atendimento no hospital. Como seu nenê não
acompanha o desenvolvimento esperado começa a leva-lo a médicos que indicam a
ressonância magnética para um diagnóstico mais apurado. Nas datas marcadas para
o exame, sem explicações plausíveis, falta sistematicamente. Morre de medo de
saber que não tinha conseguido gerar um filho perfeito. Paralisada e envergonhada,
não consegue ser a mãe que tinha imaginado, o que faz com que seu filho também
não possa “existir”. Quando finalmente comprova ser ele “normal”, pode enfim
olha-lo com amor e exibi-lo orgulhosa. É provável que a mãe das
pré-adolescentes sinta-se inundada/assaltada por seus fantasmas adolescentes,
incapaz de responder a si mesma sobre suas questões ainda tão confusas. Também
ela tenta silenciar seus ruídos e os que são provocados pelo confronto com esta
passagem das filhas.
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
post scriptum
Uma
notícia curiosa veiculada na mídia digital anunciava um novo programa de
entrevistas – Retrovisor - comandado pelo jornalista Paulo Markun. Detalhe, os
entrevistados seriam personagens históricos brasileiros já mortos e por isso,
representados por atores. Gravados na Biblioteca Municipal Mario de Andrade de
São Paulo a plateia estaria convidada a participar das perguntas. Uma ideia
bastante original que de certa maneira realiza um sonho humano nada raro de
voltar ao passado e confrontar ideias, crenças e atos de pessoas que marcaram a
historia. A notícia me remeteu a uma recente entrevista concedida ao programa matinal
de Alexandre Machado na Radio Cultura FM, pelo autor da biografia de Getúlio
Vargas, o jornalista e escritor Lira Neto que há poucos dias lançou o segundo
volume de sua trilogia sobre este importante e polemico personagem brasileiro.
Na entrevista, ao ser questionado sobre o período em que Getúlio teria se
tornado um ditador, o biógrafo ressaltava o fato de que não há História sem
contexto, e sua fala não escondia sua admiração pela inteligência e sagacidade
do homem e do político cuja vida
pesquisa/vasculha há três anos. Outro jornalista, o espanhol Juan Arias,
que viveu grande parte de sua vida na Itália como correspondente do El Pais,
por ocasião da vinda do papa Francisco ao Brasil, teria concedido algumas
entrevistas sobre o longo período em que esteve respirando o clima do Vaticano,
particularmente nos papados de Paulo VI e de João Paulo II. Emocionado, lembrou
certas particularidades de um e outro, seus estilos, seu pensamento.
Considerado um estudioso de religião por ter frequentado cursos na Universidade
de Teologia e no Instituto Bíblico de Roma, defende a ala progressista da
igreja católica, mas avalia com otimismo a escolha do novo papa. Convidado a
fazer uma distinção entre informação, análise e opinião, Arias confessou ser esta
uma questão complicada. Para ele, um mesmo fato, uma mesma notícia ou uma
entrevista com algum personagem importante é perpassada pela ótica –e pela
sensibilidade - de quem realiza. É bom lembrar que estamos falando aqui de uma
mídia formal, de jornalistas de carreiras que se dedicaram a entender o mundo
que os cercava e não se furtaram a opinar sobre isso. A recente exposição do
coletivo Mídia Ninja, cujos representantes foram sabatinados no programa Roda
Viva da TV Cultura no dia 6 de agosto último, lançou um debate sobre o futuro
do jornalismo (e jornalistas) das grandes imprensas, ameaçados pela difusão de
uma nova maneira de se publicar noticias, aberta a todos, nas redes sociais. No
mesmo dia 6 de agosto uma notícia fazia tremer a capital federal americana ao
dar como certa a compra do tradicional jornal Washington Post pela Amazon.
Entre textos ácidos, nostálgicos e ponderados, todos tentavam espreitar o
porvir, o futuro pós-revolução digital. Do coletivo de jornalistas que se propõe
como alternativa ao "mainstream", um dos entrevistados e co-fundador da
Mídia Ninja, Bruno Torturra, lembrou que a opinião pública divulgada via rede,
tem narrativas múltiplas e é em geral uma salada ideológica. Mas chamou a
atenção para o que se assistiu durante
as manifestações de junho, em que a opinião publicada, que tem o monopólio
sobre o que é a opinião pública, sofreu o constrangimento de não divulgar o que
acontecia e teve que correr atrás para acompanhar as notícias/fotos/vídeos que
jorravam nas redes. A verdade é que isso que chamamos Informação quando
remetida aos fatos importantes já ocorridos ou às histórias que valem a pena serem
revistas sobre personagens já falecidos, nunca mais será a mesma, já que será
revisitada e seu contexto será analisado de acordo com as referencias do
momento atual. O mesmo vale para as informações /opiniões a respeito de novos e
inusitados acontecimentos e o que se delineia é que o mundo digital apenas
amplia as opções e com isso possibilita aos que querem saber, um leque mais
diversificado de opiniões. No mínimo um ponto a mais em direção à
idealizada/paparicada/ falada democracia Por outro lado, não há como negar que
novas cores se delineiam no céu das mídias. Resta saber quais serão.
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
Quem quer ser evangélico?
Nada mais “in” do que analisar a crescente
visibilidade e porcentagem de evangélicos no Brasil à luz da mobilização de
católicos em torno da visita do Papa Francisco I ao Rio de Janeiro. Foi mais ou
menos este o teor do texto publicado na Ilustríssima do dia 21 de julho de 2013 em que o
sociólogo da USP Reginaldo Prandi acompanha o deslocamento de uma população
antes majoritariamente católica para o que ele chama de pentecostalismo. Longe
de ser uma tarefa fácil já que são muitas as variáveis, algumas bastante
complexas! Dentre os temas, a constatação de que assim como a religião católica
empreendeu modificações em seus rituais muitas décadas passadas, a fim de se
adequar aos tempos modernos, as religiões evangélicas teriam feito uma
recauchutagem bem mais radical nas últimas duas décadas. De uma tônica que
preconizava a vida austera e simples, adotou-se a teologia da prosperidade, bem
ao gosto do mercado de consumo, deixando o “recato” para os temas sobre
sexualidade. Ao acenar com a possibilidade de realização de qualquer sonho de
consumo, este novo Deus incentiva uma população mais carente – e mais reticente
com o avanço
dos costumes e direitos - a confiar em um futuro promissor,
cheio de “objetos de desejo”. Mais que isso, abriga a todos que se sentem
excluídos/desamparados por razões morais, ao emprestar normas e restrições
claras às suas condutas para a vida sexual e amorosa. Por bairros e cidades
multiplicaram-se grandes salões em que pastores, seguindo um modelo carismático
(à Silvio Santos) de pregação, aumentam seus rebanhos espalhando tais
promessas. Do púlpito das igrejas ao dos congressos, apenas um passo. Foi assim
que assistimos perplexos, um pastor/deputado assumir a presidência de uma comissão
de Direitos Humanos da Câmera e sem qualquer constrangimento, tentar leiloar os
direitos recém-adquiridos de homossexuais ou impor uma legislação que os
“curasse” de seus desvios. Já da esperada, rápida e pontual
estadia do Papa em terras cariocas ecoaram textos e reportagens sobre as
mudanças que este novo papado pode produzir na Igreja Católica, sobre o “mundo
católico” e sua geografia, sobre os custos desta vinda para a cidade do Rio (que
chegou até a decretar dois dias de feriado), e sobre os jovens “religiosos”
brasileiros. A partir de uma pesquisa realizada em maio pela Data Popular em 100
cidades do país, ficamos sabendo, por exemplo, que 44,2% dos jovens entre 16 e
24 anos são católicos, 37,6% são protestantes/evangélicos, 6,7% são seguidores de
outras religiões e 11,5% não são religiosos.
Um dos desafios da vinda do Papa para a Jornada Mundial da Juventude seria a
conquista de uma fatia dos católicos afastados através de um upgrade em seu
modelo de evangelização. A pesquisa ainda problematiza o papel da religião para
os jovens, assim como sua opinião sobre temas controversos como o aborto, a
pena de morte e a legalização da maconha, talvez no intuito de “medir” o
comprometimento de cada um com sua fé, ou ainda a fé com os códigos que cada
religião preconiza. Quem sabe uma tentativa de mapear o complexo lugar que as
religiões ocupam na vida das pessoas na atualidade, bem longe daquele em que
ela encarnava o Poder. O mais provável é que as religiões acenem com a
possibilidade de regulamentação das vidas através de regras fixas e claras, o
que alivia o desamparo - às vezes insuportável - de muitos jovens (e de seus
pais), uma forma de “proteção” para os sentimentos morais.
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