quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Mães, filhos e aflições


Uma jovem mãe contava a outras jovens mães sobre sua agonia desde que havia se dado conta que suas duas filhas, com diferença de apenas um ano, haviam entrado na pré-adolescência. Sem parâmetros, sentindo-se perdida na difícil tarefa de discriminar o que consentir e o que proibir, o que não dar importância e o que se preocupar, ela teria encontrado certo alento na interlocução via Facebook com outros pais/mães de adolescentes. Havia descoberto a página do Facebook intitulada “Mães e pais de adolescentes” destinada a incentivar a troca de ideias e dicas sobre os filhos. Fui conferir. Simpática, a tal página anuncia quem é o seu público e convida os pais/mães a conversarem ali. Também descreve esta atordoante faixa etária ponderando sobre seu fascínio num mundo em que crianças e adolescentes usam teclas e botões “como se fossem  extensões de seus dedos, falam a mesma língua dos softwares e aprendem rápida e facilmente tudo o que lhes desperta o interesse.” Mas pondera que esta facilidade de tudo saber confunde-se as vezes com o tudo querer, o que tornaria difícil para os adultos/pais manterem seu foco na árdua tarefa de educa-los. Democrática e aberta, incentiva a todos a dar voz às suas aflições e/ou aos seus conselhos. A jovem mãe que está contando às suas interlocutoras sua descoberta, no entanto, não parece satisfeita. Há muitas perguntas sem respostas e ela continua aflita, sentindo-se incompetente e perdida. Em sua coluna na Folha de SP do dia 20 de agosto de 2013, sob o título “Depressão e autenticidade” Vladimir Safatle , baseado em uma recente pesquisa que diz que em cada cinco mulheres, uma passará por depressão ao tornar-se mãe, convida a todos a refletir sobre  o ônus que a experiência social de ser mãe carrega na atualidade. Referindo-se ao fato de que hoje as mulheres já não têm modelos únicos ou formais do “tornar-se mãe” como acontecia até algumas décadas atrás, ele aborda o despreparo de todas diante do inevitável confronto com bebês (filhos) que despertam sentimentos ambíguos e contraditórios. Longe de fazer a apologia da tradição “de mãe para filha” em que os mitos e os rituais não eram questionados e valiam para todos indiscriminadamente, e diante do atual arsenal de especialistas que prescrevem caminhos a seguir, ele questiona o lugar dos afetos que tendem a ser silenciados por todos – pais, parentes, especialistas. Lembrei-me da história contada por minha faxineira sobre uma conhecida sua, mocinha de 23 anos, que se casou com um rapaz um pouco mais velho, 33 anos, descasado, que já tinha um filho de seu primeiro casamento. Apaixonada, sonhava em ter um filho com ele como a consolidar a relação. Grávida de 8 meses viaja para o Nordeste a fim de visitar seus familiares. Na volta, em visita a uma cidade vizinha, o bebê rompe a bolsa e “decide” nascer. Sem conhecer ninguém ela passa horas à espera de um atendimento no hospital. Como seu nenê não acompanha o desenvolvimento esperado começa a leva-lo a médicos que indicam a ressonância magnética para um diagnóstico mais apurado. Nas datas marcadas para o exame, sem explicações plausíveis, falta sistematicamente. Morre de medo de saber que não tinha conseguido gerar um filho perfeito. Paralisada e envergonhada, não consegue ser a mãe que tinha imaginado, o que faz com que seu filho também não possa “existir”. Quando finalmente comprova ser ele “normal”, pode enfim olha-lo com amor e exibi-lo orgulhosa. É provável que a mãe das pré-adolescentes sinta-se inundada/assaltada por seus fantasmas adolescentes, incapaz de responder a si mesma sobre suas questões ainda tão confusas. Também ela tenta silenciar seus ruídos e os que são provocados pelo confronto com esta passagem das filhas.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

post scriptum


Uma notícia curiosa veiculada na mídia digital anunciava um novo programa de entrevistas – Retrovisor - comandado pelo jornalista Paulo Markun. Detalhe, os entrevistados seriam personagens históricos brasileiros já mortos e por isso, representados por atores. Gravados na Biblioteca Municipal Mario de Andrade de São Paulo a plateia estaria convidada a participar das perguntas. Uma ideia bastante original que de certa maneira realiza um sonho humano nada raro de voltar ao passado e confrontar ideias, crenças e atos de pessoas que marcaram a historia. A notícia me remeteu a uma recente entrevista concedida ao programa matinal de Alexandre Machado na Radio Cultura FM, pelo autor da biografia de Getúlio Vargas, o jornalista e escritor Lira Neto que há poucos dias lançou o segundo volume de sua trilogia sobre este importante e polemico personagem brasileiro. Na entrevista, ao ser questionado sobre o período em que Getúlio teria se tornado um ditador, o biógrafo ressaltava o fato de que não há História sem contexto, e sua fala não escondia sua admiração pela inteligência e sagacidade do homem e do político cuja vida  pesquisa/vasculha há três anos. Outro jornalista, o espanhol Juan Arias, que viveu grande parte de sua vida na Itália como correspondente do El Pais, por ocasião da vinda do papa Francisco ao Brasil, teria concedido algumas entrevistas sobre o longo período em que esteve respirando o clima do Vaticano, particularmente nos papados de Paulo VI e de João Paulo II. Emocionado, lembrou certas particularidades de um e outro, seus estilos, seu pensamento. Considerado um estudioso de religião por ter frequentado cursos na Universidade de Teologia e no Instituto Bíblico de Roma, defende a ala progressista da igreja católica, mas avalia com otimismo a escolha do novo papa. Convidado a fazer uma distinção entre informação, análise e opinião, Arias confessou ser esta uma questão complicada. Para ele, um mesmo fato, uma mesma notícia ou uma entrevista com algum personagem importante é perpassada pela ótica –e pela sensibilidade - de quem realiza. É bom lembrar que estamos falando aqui de uma mídia formal, de jornalistas de carreiras que se dedicaram a entender o mundo que os cercava e não se furtaram a opinar sobre isso. A recente exposição do coletivo Mídia Ninja, cujos representantes foram sabatinados no programa Roda Viva da TV Cultura no dia 6 de agosto último, lançou um debate sobre o futuro do jornalismo (e jornalistas) das grandes imprensas, ameaçados pela difusão de uma nova maneira de se publicar noticias, aberta a todos, nas redes sociais. No mesmo dia 6 de agosto uma notícia fazia tremer a capital federal americana ao dar como certa a compra do tradicional jornal Washington Post pela Amazon. Entre textos ácidos, nostálgicos e ponderados, todos tentavam espreitar o porvir, o futuro pós-revolução digital. Do coletivo de jornalistas que se propõe como alternativa ao "mainstream", um dos entrevistados e co-fundador da Mídia Ninja, Bruno Torturra, lembrou que a opinião pública divulgada via rede, tem narrativas múltiplas e é em geral uma salada ideológica. Mas chamou a atenção para  o que se assistiu durante as manifestações de junho, em que a opinião publicada, que tem o monopólio sobre o que é a opinião pública, sofreu o constrangimento de não divulgar o que acontecia e teve que correr atrás para acompanhar as notícias/fotos/vídeos que jorravam nas redes. A verdade é que isso que chamamos Informação quando remetida aos fatos importantes já ocorridos ou às histórias que valem a pena serem revistas sobre personagens já falecidos, nunca mais será a mesma, já que será revisitada e seu contexto será analisado de acordo com as referencias do momento atual. O mesmo vale para as informações /opiniões a respeito de novos e inusitados acontecimentos e o que se delineia é que o mundo digital apenas amplia as opções e com isso possibilita aos que querem saber, um leque mais diversificado de opiniões. No mínimo um ponto a mais em direção à idealizada/paparicada/ falada democracia Por outro lado, não há como negar que novas cores se delineiam no céu das mídias. Resta saber quais serão.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Quem quer ser evangélico?


Nada mais “in” do que analisar a crescente visibilidade e porcentagem de evangélicos no Brasil à luz da mobilização de católicos em torno da visita do Papa Francisco I ao Rio de Janeiro. Foi mais ou menos este o teor do texto publicado na Ilustríssima do dia 21 de julho de 2013 em que o sociólogo da USP Reginaldo Prandi acompanha o deslocamento de uma população antes majoritariamente católica para o que ele chama de pentecostalismo. Longe de ser uma tarefa fácil já que são muitas as variáveis, algumas bastante complexas! Dentre os temas, a constatação de que assim como a religião católica empreendeu modificações em seus rituais muitas décadas passadas, a fim de se adequar aos tempos modernos, as religiões evangélicas teriam feito uma recauchutagem bem mais radical nas últimas duas décadas. De uma tônica que preconizava a vida austera e simples, adotou-se a teologia da prosperidade, bem ao gosto do mercado de consumo, deixando o “recato” para os temas sobre sexualidade. Ao acenar com a possibilidade de realização de qualquer sonho de consumo, este novo Deus incentiva uma população mais carente – e mais reticente com o avanço dos costumes e direitos - a confiar em um futuro promissor, cheio de “objetos de desejo”. Mais que isso, abriga a todos que se sentem excluídos/desamparados por razões morais, ao emprestar normas e restrições claras às suas condutas para a vida sexual e amorosa. Por bairros e cidades multiplicaram-se grandes salões em que pastores, seguindo um modelo carismático (à Silvio Santos) de pregação, aumentam seus rebanhos espalhando tais promessas. Do púlpito das igrejas ao dos congressos, apenas um passo. Foi assim que assistimos perplexos, um pastor/deputado assumir a presidência de uma comissão de Direitos Humanos da Câmera e sem qualquer constrangimento, tentar leiloar os direitos recém-adquiridos de homossexuais ou impor uma legislação que os “curasse” de seus desvios. Já da esperada, rápida e pontual estadia do Papa em terras cariocas ecoaram textos e reportagens sobre as mudanças que este novo papado pode produzir na Igreja Católica, sobre o “mundo católico” e sua geografia, sobre os custos desta vinda para a cidade do Rio (que chegou até a decretar dois dias de feriado), e sobre os jovens “religiosos” brasileiros. A partir de uma pesquisa realizada em maio pela Data Popular em 100 cidades do país, ficamos sabendo, por exemplo, que 44,2% dos jovens entre 16 e 24 anos são católicos, 37,6% são protestantes/evangélicos, 6,7% são seguidores de outras religiões e 11,5%  não são religiosos. Um dos desafios da vinda do Papa para a Jornada Mundial da Juventude seria a conquista de uma fatia dos católicos afastados através de um upgrade em seu modelo de evangelização. A pesquisa ainda problematiza o papel da religião para os jovens, assim como sua opinião sobre temas controversos como o aborto, a pena de morte e a legalização da maconha, talvez no intuito de “medir” o comprometimento de cada um com sua fé, ou ainda a fé com os códigos que cada religião preconiza. Quem sabe uma tentativa de mapear o complexo lugar que as religiões ocupam na vida das pessoas na atualidade, bem longe daquele em que ela encarnava o Poder. O mais provável é que as religiões acenem com a possibilidade de regulamentação das vidas através de regras fixas e claras, o que alivia o desamparo - às vezes insuportável - de muitos jovens (e de seus pais), uma forma de “proteção” para os sentimentos morais.