quarta-feira, 16 de setembro de 2009

11 de setembro de 2009

Duas notícias desta semana que passou podem nos levar a refletir sobre um certo círculo repetitivo que acompanha as ações humanas. No primeiro aniversário do ataque às torres gêmeas dentro do governo Obama, ele instituiu o "Dia Nacional do Serviço e Memória" e pediu aos americanos que tentassem se envolver em projetos comunitários e ações voluntárias como cozinhar refeições ou comprar alimento para os pobres, plantar e arranjar jardins, ajudar em reparações de casas velhas, completar material escolar para crianças desfavorecidas,etc. Ao fazer este apelo, Obama lembrou o espírito de solidariedade de todos que se empenharam em ajudar e acolher as vítimas e seus parentes nos dias que se sucederam àquele trágico ataque terrorista. Alguns jornais avaliaram seu gesto como uma preocupação em se afastar de uma atitude de vingança contra o Islã como fez seu antecessor, ao despejar um exército de jovens americanos, primeiro no Afeganistão e depois no Iraque. Outros preferiram divulgar a voz dissonante de Obama que desde o ataque em 2001, então um desconhecido senador, preferiu incitar a todos a refletirem sobre a origem daquele ato de loucura, que certamente deveria ter uma história e uma explicação para suas motivações. A outra notícia também divulgada há poucos dias, diz respeito a uma certa preocupação de alguns setores da economia mundial, que diante da aposta de uma retomada pós-crise, passou a temer que as instituições financeiras voltassem a produzir novas e mais apetitosas estratégias de investimentos, vendendo lucros que em algum momento poderiam denunciar seu engodo. Não é tão difícil perceber o fio que liga estas duas notícias, ou seja, a incerteza que assola a todos diante de fatos trágicos e aparentemente inesperados, que tal e qual um “tsunami” tem efeitos devastadores sobre a vida de um número considerável de cidadãos comuns, possibilitando a abertura de um breve espaço em que todos são convocados a repensar sobre a “verdade” de suas escolhas, valores e ideais, mas principalmente sobre a fragilidade das regras que sustentam a convivência humana. Se a vida em sociedade é uma condição de sobrevivência para a nossa espécie, ela paradoxalmente contraria os interesses individuais, pois exige a imposição de limites e renúncias principalmente de nosso ódio e de nosso desejo de destruição. Prisioneiros de nossa ambivalência sabemos o quanto as nossas mais estreitas amizades estão sujeitas tanto ao mais intenso ódio quanto a mais profunda generosidade. É justamente por isso que a paz depende sempre de um consenso sobre os ganhos da instauração das leis, da comunidade e da civilização e é também por isso que sempre que a lei é questionada, desrespeitada ou que deixe de fazer sentido, entramos no terreno pantanoso das violências e dos interesses individuais, desfazem-se os pactos de convivência e assistimos desde pequenas injustiças até os mais escabrosos atos de violência ou de descaso para com nossos semelhantes. Tanto a disposição de Obama em apelar para a formação de uma rede de ajuda aos necessitados, quanto a preocupação de alguns em alertar sobre o retorno da ganância financeira são tentativas (ainda que precárias e provisórias) para regular as relações sociais visando uma vida boa e justa tanto para os indivíduos como para a comunidade em seu todo. Admitir a persistência humana em reparar seus atos de violência ou em criar o “belo” e o “bom” não deixa de ser alentador, pois nos dá chances para apostar que nosso mundo, em sendo uma versão de nosso imaginário, está a disposição para ser modificado tanto para melhorar quanto para piorar a vida em sociedade.

coluna do dia 16 de setembro de 2009

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Quem quer ser Norminha?

Podemos dizer que, em menos de duas décadas, passamos a ser assediados por muito mais informações do que as que podemos digerir. A internet revolucionou hábitos, profissões, encontros, e até o tempo que levávamos para fazer algumas coisas. Um mundo virtual pode sair pela telinha de nosso computador ou pelos celulares oferecendo o que acontece e existe em toda extensão de nossa aldeia global. Isso sem contar com os livros, filmes, peças teatrais, revistas, quadrinhos, jornais ou a TV, ainda a grande responsável pelo bombardeamento de lançamentos e novidades. Tal número de informações pode nos trazer a sensação de que não há mais o que se saber, fazer ou querer, que tudo já foi dito ou feito. Mas a verdade é que em matéria de amores e sexo, a maioria de nossas histórias parecem ser sempre as mesmas e o que as diferencia é ‘como’ elas são contadas, ou recontadas. E quando elas têm algo a dizer, perturbam nossa alma provocando paz ou agonia e podem nos surpreender, nos emocionar ou nos fazer rir. Em clima de última semana da novela das oito, vale a pena colocar em pauta o tumulto que a personagem Norminha provocou, dividindo a opinião de homens e mulheres, ao ser porta voz de um debate inusitado sobre um tema delicado e em geral pouco divulgado: a infidelidade feminina. Graças a sensibilidade da autora, que por ser mulher soube cuidar da composição de sua personagem, Norminha conquistou a simpatia do público ao encarnar, faceira, a mulher casada que gosta do maridão, mas também adora sapecar pelos bailes da vida, exibindo sua sensualidade e provocando os olhares desejosos dos homens. Não por acaso, a atriz Dira Paes e o ator Anderson Müller, responsáveis pela dupla que compõe a mulher fogosa e o pacato marido, foram assediados pela mídia e concederam inúmeras entrevistas espalhadas por blogs, jornais e TV, em que são alvos da curiosidade sobre o desfecho da trama e o destino da ousada Norminha. Ao ser chamado a opinar, também o público (homens e mulheres) não a condenou unanimemente como se poderia esperar. A atriz bem que tentou entender o que se passava entre Norminha e seu público, arriscando-se a explicar por que, apesar do tema da “traição” ser caríssimo para a maioria das pessoas, a espevitada senhora acabava amenizando os debates. Bem casada, Norminha é a esposa dedicada, que cuida e trata o marido a pão de ló, além de mantê-lo longe do olhar das outras mulheres, ao mesmo tempo em que se permite esbanjar sensualidade, fazendo uso de todas os recursos femininos que agradam aos olhares masculinos: vestidos justos que marcam seu traseiro, decotes que mostram sutiãs vermelhos e seios fartos, saltos altos que dão um hit a mais ao andar, bocas e cabelos ao gosto do pecado. Com todo este arsenal, ela consegue arrancar risos da maioria, não só por inverter a lógica que imperou no imaginário social até agora (aos homens tem sido permitido serem perpétuos conquistadores), como por ser a caricatura ( ou seja, a figura do excesso, do humor) da mulher fatal. Em um passado não tão longínquo ( há quase dois séculos), a exigência legal da fidelidade das mulheres casadas foi articulada à figura da mulher-mãe quando os casamentos passaram a ser regulamentados pelo Estado. Tal lei foi caducando na medida em que as mulheres foram conquistando seu lugar de direito, junto aos homens. Ainda que as convenções sociais ligadas ao regulamento do exercício da sexualidade humana mantenham sempre um anseio de se “naturalizar”, servindo de referencia para a convivência entre as pessoas, tudo o que gira em torno do sexo insiste em provocar constrangimentos, inibições ou transgressões que não são fortuitas. Norminha consegue romper as barreiras do silêncio sobre os desejos femininos, ao mesmo tempo em que se apossa de seu “direito” de exercer sua liberdade sexual utilizando-se da via humorística ( poucos não riram do leitinho- sonífero que ela oferecia ao marido). Mais que isso, a fidelidade entre os casais nos dias de hoje só diz respeito aos pactos de lealdade que são firmados entre eles, cabendo a cada um se responsabilizar por seu cumprimento. Norminha conquista a cumplicidade do público não pela transgressão sexual, mas pela maneira “natural” com que sai em busca de um pouco de prazer, tentando não comprometer seu casamento. Assim, meio personagem de si mesma, ela faz o possível para conseguir o impossível: tenta fazer acordos com seus próprios desejos, sem precisar renunciar aos chamados morais de sua lealdade ao marido. Vamos assistir e conferir!

coluna do dia 9 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Caminho da loucura

Se existe um produto cultural que adentra não só nas casas, mas nas falas diárias de seus expectadores, são as novelas exibidas nos horários noturnos considerados nobres. Podemos comprovar tal afirmativa, escutando aqui e ali como os personagens da atual novela Caminho das Índias estão presentes nas cenas do cotidiano de quase todos, oferecendo conteúdos para debates sobre os destinos das relações amorosas de seus pares ou sobre os dramas e conflitos de cada personagem. A novidade cabe à proposta da autora em levar ao público a possibilidade de discussão da loucura apresentando a psicopata Yvone (encarnando aquela que se utiliza das pessoas sem demonstrar sinais de consideração ou culpa) e o esquizofrênico Tarso. O jovem Tarso, sua família, seu tratamento em clínicas especializadas, abriu espaço para mostrar como a doença psíquica é ainda hoje contestada ou encarada como algo ameaçador e estranho e como são ambíguos os caminhos escolhidos pelos familiares e pela sociedade para tratar deste tipo de sofrimento, muitas vezes negado. A própria permanência do termo “loucura”, utilizado fartamente para designar aqueles que pressupomos fugir aos nossos critérios de normalidade, já denuncia a distância que desejamos que exista entre o normal e o louco. Michel Foucault (filósofo francês) pretendeu preencher este vazio publicando uma minuciosa pesquisa sobre a História da Loucura em que mostra a evolução de seu entendimento social e como vão se modificando ao longo dos anos as formas de intervenção sobre ela, ao se deslocar lentamente o louco de uma posição de exclusão social absoluta, para a de um indivíduo com voz, capaz de dizer sobre si mesmo e de dar sentido a sua história e aos seus sintomas. A mudança de foco deveria consolidar a existência de uma pessoa e não uma doença, a ser tratada. Entretanto, continua não sendo fácil para nós, convivermos com uma linguagem por vezes “estranha” aos nossos ouvidos ou com comportamentos inesperados , que ousam desconstruir uma certa lógica que prezamos, causando-nos desconforto. Foi este estranhamento que permitiu a Freud perceber que a nossa consciência era insuficiente para dar conta da complexidade de nosso espírito humano, e apontar o descompasso entre o que produzimos e o que somos capazes de entender. Com isso, nosso equilíbrio psíquico sempre precário nos deixa muito próximos de nos sentirmos confusos, por vezes angustiados, descontrolados, perdidamente emocionados, etc. Esta tênue fronteira nos faz reféns de buscas incessantes que permitam tratar as dores psíquicas como entidades separadas de nossa subjetividade. O avanço da psicofarmacologia, por exemplo, embora tenha nos trazido oportunidades inimagináveis de acalmar ou de equilibrar nossa psique, comunga de certa tendência em reduzir o louco à sua doença, tornando-o um objeto passivo diante de um saber psiquiátrico, alienado de seus sintomas, à espera do retorno de seu estado saudável através do cumprimento de ordens ou de receitas de um especialista no assunto. Ao invés de um sujeito, uma série descritiva de sintomas descarta sua subjetividade e silencia seu sofrimento que produz incômodo. Seu delírio, por exemplo, não será aproveitado como sua possibilidade de falar de si, de narrar a sua história, e fica assim descartada a hipótese de ajudá-lo a criar um lugar legitimo de existência, auxiliando-o a construir um contorno, uma amarração de seu ser. A loucura já não tem mais nada a dizer. A subjetividade também não. Não há conflito, nem desejo, nem sofrimento, apenas uma supressão disso tudo e o vazio que daí resulta. Este é o paradoxo de nossas dores psíquicas: elas nos aproximam de um sentimento de estranhamento que nos ameaça e nos faz desejar que sejam algo que não nos pertença.O caminho das loucuras insiste em repetir seu percurso.

coluna do dia 2 de setembro de 2009

De riso fácil

No discurso de sua posse, no início deste ano, Obama ressaltou as mudanças positivas que houve em nosso mundo atual ao apontar o quanto havíamos avançado na conquista de nossa liberdade. Com um poder político mais descentralizado, grande parte das sociedades ocidentais pode promover uma maior liberdade de escolhas, ainda que fosse necessário um cuidado mais apurado com a responsabilidade que este exercício exige de cada um. Penso que a extensão desta liberdade conquistada pode ser avaliada pelo fato de hoje ser possível tratarmos assuntos tão sérios como o poder e a política de forma irreverente. Nossos chargistas que o digam, e não seria difícil lembrarmo-nos de cenas hilárias retratadas por eles, desde que pudemos reaver nossa liberdade de expressão com o final da ditadura militar. Papas, presidentes, militares, campeões de algum esporte ou de audiências, musas, mestres, não sobrou autoridades ou figuras públicas reverenciadas que não pudessem ser retratadas em charges ou tornarem-se personagens de piadas que hoje circulam livremente pela internet, ou que são contadas e passadas de boca em boca, fazendo a alegria de muitos (ou a fúria de alguns). Há quem não perca o texto diário do colunista autodenominado Macaco Simão, ícone do nosso humor escrachado, em que ninguém é poupado, dentro da máxima que diz que é preferível perder o amigo, mas nunca a piada. Claro que não estamos falando em unanimidades. Ao contrário, o humor é sempre polêmico justamente por trazer em seu bojo esta ambigüidade entre riso e choro, entre a reverência e o sarcasmo, entre o melhor e o pior. Mas sem dúvida somos um bom público para as piadas, que proliferam e são de certa forma bem digeridas por nossa cultura brasileira, o que conta um pouco sobre nossa maneira de não nos levar muito a sério. Isto porque para que haja este terreno propício para o humor, é necessário que a agressividade contida em seu interior, seja menos importante do que a possibilidade de nos sentirmos próximos daquele que está sendo o alvo das risadas, e ainda que isso não nos seja tão claro, é como se nos irmanássemos com os tropeços, os descuidos, as falhas ou as manias deste personagem. Por vezes, aqui e ali, somos objeto de análises de estrangeiros que aqui aportam e tanto podem apontar a falta de uma coletividade coesa em relação à cobrança e ao exercício dos valores civis e morais esperados para um bom funcionamento sócio-político, quanto um certo ceticismo em relação à eficiência das leis e à politacagem interesseira de nossas autoridades. De um lado a outro, nossa brasilidade acaba sendo despojada de orgulhos excessivos ou de pesares prolongados, o que nos torna alvo fácil de adjetivos não tão sérios. Uma colega argentina que escrevia sobre seu exílio brasileiro, descreveu com espanto a alegria muitas vezes inexplicável ou algumas atitudes cordiais e generosas inesperadas de nosso povo, comparando-as à sua cultura mais trágica e muito mais reivindicativa. Parecia-lhe mais fácil entender o samba aqui e o tango lá. Diferenças culturais com certeza, mas nem ao céu nem ao mar, parece que tanto nosso bom humor, quanto nosso ceticismo em relação ao que “deveríamos” exigir de nossos políticos ( e de nós mesmos) acabam por favorecer nossos laços. Assim, apesar de nossos preconceitos, nossas discriminações étnicas, religiosas ou sociais, nossa parca participação nos destinos de nossa política, acatamos nossas contradições. Isso permite que possamos rir de nós mesmos, ao não sacralizar nem o mal nem o bem, nem o inferno, nem o céu. Aqui é apenas o Brasil

coluna do dia 26 de agosto de 2009