quarta-feira, 2 de setembro de 2009

De riso fácil

No discurso de sua posse, no início deste ano, Obama ressaltou as mudanças positivas que houve em nosso mundo atual ao apontar o quanto havíamos avançado na conquista de nossa liberdade. Com um poder político mais descentralizado, grande parte das sociedades ocidentais pode promover uma maior liberdade de escolhas, ainda que fosse necessário um cuidado mais apurado com a responsabilidade que este exercício exige de cada um. Penso que a extensão desta liberdade conquistada pode ser avaliada pelo fato de hoje ser possível tratarmos assuntos tão sérios como o poder e a política de forma irreverente. Nossos chargistas que o digam, e não seria difícil lembrarmo-nos de cenas hilárias retratadas por eles, desde que pudemos reaver nossa liberdade de expressão com o final da ditadura militar. Papas, presidentes, militares, campeões de algum esporte ou de audiências, musas, mestres, não sobrou autoridades ou figuras públicas reverenciadas que não pudessem ser retratadas em charges ou tornarem-se personagens de piadas que hoje circulam livremente pela internet, ou que são contadas e passadas de boca em boca, fazendo a alegria de muitos (ou a fúria de alguns). Há quem não perca o texto diário do colunista autodenominado Macaco Simão, ícone do nosso humor escrachado, em que ninguém é poupado, dentro da máxima que diz que é preferível perder o amigo, mas nunca a piada. Claro que não estamos falando em unanimidades. Ao contrário, o humor é sempre polêmico justamente por trazer em seu bojo esta ambigüidade entre riso e choro, entre a reverência e o sarcasmo, entre o melhor e o pior. Mas sem dúvida somos um bom público para as piadas, que proliferam e são de certa forma bem digeridas por nossa cultura brasileira, o que conta um pouco sobre nossa maneira de não nos levar muito a sério. Isto porque para que haja este terreno propício para o humor, é necessário que a agressividade contida em seu interior, seja menos importante do que a possibilidade de nos sentirmos próximos daquele que está sendo o alvo das risadas, e ainda que isso não nos seja tão claro, é como se nos irmanássemos com os tropeços, os descuidos, as falhas ou as manias deste personagem. Por vezes, aqui e ali, somos objeto de análises de estrangeiros que aqui aportam e tanto podem apontar a falta de uma coletividade coesa em relação à cobrança e ao exercício dos valores civis e morais esperados para um bom funcionamento sócio-político, quanto um certo ceticismo em relação à eficiência das leis e à politacagem interesseira de nossas autoridades. De um lado a outro, nossa brasilidade acaba sendo despojada de orgulhos excessivos ou de pesares prolongados, o que nos torna alvo fácil de adjetivos não tão sérios. Uma colega argentina que escrevia sobre seu exílio brasileiro, descreveu com espanto a alegria muitas vezes inexplicável ou algumas atitudes cordiais e generosas inesperadas de nosso povo, comparando-as à sua cultura mais trágica e muito mais reivindicativa. Parecia-lhe mais fácil entender o samba aqui e o tango lá. Diferenças culturais com certeza, mas nem ao céu nem ao mar, parece que tanto nosso bom humor, quanto nosso ceticismo em relação ao que “deveríamos” exigir de nossos políticos ( e de nós mesmos) acabam por favorecer nossos laços. Assim, apesar de nossos preconceitos, nossas discriminações étnicas, religiosas ou sociais, nossa parca participação nos destinos de nossa política, acatamos nossas contradições. Isso permite que possamos rir de nós mesmos, ao não sacralizar nem o mal nem o bem, nem o inferno, nem o céu. Aqui é apenas o Brasil

coluna do dia 26 de agosto de 2009

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