quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

A violência do amor

Se o século passado pode ser avaliado como aquele que elevou o amor à categoria de valor humano máximo, cujas louvações traduziram-se em produções as mais variadas, na literatura, no cinema, teatro e novelas, além de, é claro, alimentar um imaginário idealizado sobre a vida amorosa, o século XXI tem surpreendido a todos pela incidência da violência, ainda que suas formas devam ser analisadas à luz do contexto histórico atual. Embora o mundo nunca tenha sido tão globalmente comprometido com o direito à livre expressão, paradoxalmente esta “liberdade” tem resvalado muitas vezes para comportamentos e manifestações bastante violentas. Uma nota recente na mídia revelava que, a despeito dos esforços do governo alemão para que o nazismo e sua ideologia truculenta permaneçam enterrados, há sempre grupos de fanáticos dispostos a reverenciar os fantasmas de alguns ícones hitleristas. Em continuidade a noticia sobre a tentativa de homenagear a data de morte de um destes ícones, ao invés de manifestações contrárias que insuflassem o ódio entre as pessoas, a população “indignada” havia planejado algo na linha do humor na tentativa de espelhar o absurdo e a infâmia  de tal comportamento. O filme “Relatos Selvagens” do diretor argentino Damián Szifron segue um pouco a linha do humor (negro, com certeza), mas, ao contrário, não poupa em nada a passagem da linha (sempre tênue, é verdade) que separa a civilização da barbárie. Sucesso de bilheteria em seu país, contrariando as expectativas do próprio diretor que se diz surpreso, o filme se divide em seis pequenas estórias, todas elas desenvolvendo um argumento em comum: como os personagens reagirão diante de situações frustrantes, humilhantes ou inesperadas. Acertou quem pensou em planos de vinganças normalmente “irrealizáveis”. Todas se realizam!!!! E se isto pode causar um grande mal estar, o que seria esperado para todos que ensaiamos nossas vinganças sem jamais leva-las adiante, aos poucos fica clara a intenção de encenar uma caricatura de situações corriqueiras que fazem parte da vida cotidiana, utilizando um humor macabro. Todos os protagonistas se desesperam, agem sem controle, e levam às ultimas consequências, sua ira ou seu desejo de vingança. Considerado pelo diretor como a realização de um projeto menor perto de outros mais acalentados, seu trunfo no entanto, está muito mais na proximidade de nossa realidade psíquica do que se pode imaginar. Nenhuma civilização de qualquer época deixou de perseguir caminhos que oferecessem regras e valores que garantissem a convivência humana. Sabemos hoje que nem mesmo as leis, cada vez mais homogêneas e internalizadas por todos, conseguem esta garantia. Somos seres em permanente conflito e precisamos continuamente negociar conosco tais concessões, avaliando os custos e danos.  O diretor Szifron é jovem, tem 39 anos e se declara, antes de qualquer rótulo, um cinéfilo de carteirinha. Alguns jornalistas o veem como um filhote do diretor Tarantino. Nada mais justo, já que este ousado diretor americano possibilitou ao mundo todo, através de dois de seus recentes e impactantes filmes – Bastardos Inglórios e Django Livre – uma vingança coletiva ao providenciar destinos funestos a Hitler e sua alta cúpula, e aos “donos insanos” de escravos do sul dos USA, respectivamente. Assim como Tarantino, o diretor argentino resolveu dar voz aos que se sentem indignados com as infâmias que sofrem no dia a dia. Coisas de cinema, que pode e deve brincar com a realidade.   
Para conferir:
Relatos Selvagens- Argentina 2014

Diretor - Damián Szifron