quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Samba de muitas notas

Confesso não me lembrar das disciplinas teóricas (história da música, por exemplo) que faziam parte do aprendizado musical oferecido pelo Conservatório Musical de Araraquara, local em que estudei piano por muitos anos, mas a música, em toda a sua extensão sensorial, teve um peso substancial nas diversas etapas de minha vida. Assim como certos cheiros e sabores, os sons de nossa infância podem ser verdadeiras coreografias das lembranças que nos são significativas. Cenas de minha mãe tocando Chopin, assobiando os sambas cantados por Francisco Alves, ou de meu pai dançando ao som dos mais variados “long-plays” que tocavam na linda rádio-vitrola de nossa sala são apenas indícios de que ambos, por canais diferentes, imprimiram uma cultura musical em nossa família e, de certa forma contribuíram para que seus sete filhos( e a maioria de seus netos) se tornassem amantes incondicionais da “boa” música. Ao lado disso, a partir das décadas de sessenta e setenta, a singular conjuntura sócio-econômica-cultural do ocidente possibilitou o aparecimento de várias expressões juvenis nascidas no anseio de transformação da sociedade, e impôs uma importante mudança no panorama musical mundial.Tal como o boom da literatura nos dois séculos anteriores, a música transformou-se em porta-voz oficial das insatisfações, dúvidas, desejos e apostas dos jovens. Em um não tão lento e bastante perceptível movimento, ela foi ganhando um espaço inédito na vida dos jovens, auxiliado também pela velocidade e pelas facilidades com que o mercado passou a divulgá-las ( discos, TV, shows, festivais). Nasce assim, uma forma contemporânea de grande alcance desta influencia musical, um convite a muitos jovens, que daí em diante, começam a desejar a aprender a tocar piano, violão, guitarra, percussão, ou a formarem duplas, conjuntos e bandas que pudessem reproduzir os sons e as letras de suas preferências. Esta explosão cultural da música teve uma repercussão importante no Brasil, que ao lado da invasão dos diferentes estilos de rock,começa a movimentar um caldo cultural imenso e próprio de nosso país. Nestas mesmas décadas, os LPs ou compactos que tocavam em nossas vitrolas portáteis podiam ser os últimos lançamentos dos ícones da então promissora Bossa Nova (aquele som de samba eclipsado pelas batidas sincopadas do violão, com letras de um romance mais moderno, menos trágico) ou de Elvis Presley, Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, assim como de qualquer “ música pop” que emplacasse um sucesso. Além disso, a nova cultura musical chegava com uma proposição inusitada de movimentos corporais, um dançar em que os corpos acompanhavam livremente os sons, entregues aos compassos da música. A vida da maioria dos jovens passa a se entrelaçar com estas músicas, suas letras, suas melodias, seus ritmos. No Brasil, pudemos assistir aos poucos, um mergulho em nossas raízes musicais, e do samba, do choro, do baião, do forró, das músicas de viola, surgiu uma pluralidade de estilos novos, que conversavam com o erudito, o jazz, o rock e o pop internacional, mas também com o folclore e os mais variados gêneros regionais. Na voz e na caneta de muitos brasileiros ( Tom, Vinícius, Chico, Caetano, Milton, Gil, Hermeto são apenas alguns), nossa música foi ganhando um status internacional importante, mas também um reconhecimento de muitos jovens, que passaram a se interessar pelo seu acervo rico e variado. Foi uma surpresa agradável, por exemplo, ouvir no domingo último, em Araraquara, a mistura de rock e samba que o conjunto Sambô de Ribeirão Preto imprimiu em seu repertório. Quem poderia imaginar que um dia dançaríamos ao som de um legítimo ( e muito bom) samba de roda, com cavaquinho, pandeiro e rebolo, cantando "I Fell good", de James Brown?

coluna do dia 12 de agosto de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário