terça-feira, 4 de agosto de 2009

À Deriva

Em geral a expressão “à deriva” nos remete a situações em que certas embarcações marítimas se vêem obrigadas por algum motivo a interromperem seu curso e a ficarem sem rumo, mas também cabe aos que propositalmente desligam seus motores e se deixam ficar algum tempo ao compasso do mar. No filme brasileiro que leva este nome e que acaba de entrar em cartaz na capital,as primeiras imagens que vemos são os corpos de uma menina de 14 anos e de seu pai, boiando,totalmente entregues ao balanço das ondas. Ficar assim à deriva, no mar azul, sem saber direito quando as ondas vão chegar e se deixar levar para cima e para baixo, olhos fixos na imensidão do céu, ouvidos submersos e atentos aos sons abafados pela água, pode ser uma experiência de muito prazer para alguns, mas acima de tudo é, sem dúvida, uma experiência de entrega, de se deixar levar e exige por isso,um mínimo de confiança. Esta cena, que também encerra o filme, parece ser utilizada pelo diretor para anunciar a delicadeza com que ele irá tratar do tema a ser explorado, tão caro para nós modernos. Filipa, a menina que acompanha o pai nas águas do mar de Búzios, é a mais velha de uma família de três filhos e naquele momento ainda não foi assaltada pelos sentimentos difíceis que todos os filhos vivem quando seus pais estão prestes a se separar. As separações, que na atualidade já fazem parte de um repertório comum a muitas famílias, são sempre mal vistas por todos, inclusive pelos próprios protagonistas, que em geral prorrogam esta decisão, titubeiam ou tentam diferentes maneiras de “salvar” a relação. As razões deste mal estar em torno da ruptura de um casamento não são tão óbvias e nem tão simples como se quer acreditar, mas com certeza nos mostram o quanto apostamos na construção de uma família estável, quando imaginamos a felicidade de nossos filhos. Felicidade esta que se tornou um item de máxima importância para a realização pessoal de todos, mas que é desde sempre, paradoxal. Há pouco tempo a Folha de São Paulo anunciou um enxame de livros acadêmicos americanos, frutos de pesquisas recentes em torno do que seria a felicidade para nós, contemporâneos: saúde, prosperidade, juventude? Sentir-se bem, desfrutar da vida e desejar que essa sensação se mantenha? As respostas são controversas e embora mostrem a felicidade como um fenômeno histórico, ou seja, dependente dos valores e crenças que elegemos a cada época, o fato destas pesquisas existirem mostra o quanto ela permanece sendo um de nossos mais importantes ideais, algo que imaginamos perseguir, mesmo que durante nossas vidas, elejamos diferentes objetivos como fontes desta felicidade. Mas para os que elegeram ser pais, a felicidade de seus filhos é geralmente parte integrante de sua própria felicidade e isso em geral se deve ao fato de que se aposta que eles poderão viver ( ter, fazer, realizar) o que não pudemos. Neste sentido as separações são sempre um saco sem fundo, em que não só pressentimos que os nossos pimpolhos irão sofrer, como nos angustiamos por não poder antecipar o quanto tais dores irão calar para sempre a possibilidade de eles poderem ser felizes. Por isso o filme em questão agrada a todos, mesmo que pareça ( ou justamente por esta razão) estar abordando temas tão banais. Agrada porque o clima tenso e inquietante de uma relação conjugal em crise, é mostrado pelo olhar de Filipa, a adolescente que precisará trocar a imagem idealizada de seus pais, pela crueza de suas realidades, vivendo na própria pele, os dramas que o amor e o sexo impõe a todos. Tal como um ritual de passagem, a menina tenta entender a mulher, ajustar seu olhar sobre os homens, às custas do desmoronamento de suas certezas infantis e de muitas lágrimas. Mas ainda assim, será possível a ela voltar a ficar à deriva com o pai ao seu lado, no mesmo mar azul de sua infância.

coluna do dia 5 de agosto de 2009

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