quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Vampiros saem do “armário”

Em entrevista à Folha Ilustrada dias atrás, Aguinaldo Silva, autor da nova minissérie da Globo “Cinquentinha” justificava a criação de um personagem gay vilão dizendo que ser homossexual não significa ser bonzinho e legal. Como as cores do arco-íris, nós humanos, homens, mulheres homossexuais ou não, apresentamos uma imensa variedade de tonalidades e compomos cada um, uma certa estética, ao conjugar ao longo de nossas vidas, alguns adjetivos pelos quais seremos lembrados e descritos. É possível que sua fala também pretendesse contrapor-se a de outro autor global, Gilberto Braga, para quem a existência de personagens gays em novelas, fato recente em nossa cultura noveleira, demandaria um cuidado especial, talvez levando em conta a dificuldade de se fazer mudanças em nosso imaginário, composto que é pelas nossas crenças e valores. Neste sentido, apresentar um personagem gay que seja consistente, alguém a quem podemos admirar e nos identificar em alguns aspectos ou em algumas escolhas e ações, poderia atenuar a nossa resistência imposta por nosso preconceito contra a homossexualidade em geral. É assim, lentamente e de forma complexa que nosso imaginário assume variações ao longo da história e das diferentes culturas. Podemos fazer o mesmo percurso se ao invés de nossos preconceitos elegêssemos nossas superstições e mitos, que criamos para tentar dar um destino a tudo o que nos é enigmático ou não podemos dar sentido, seja em nossas vidas (leia-se nossos sentimentos ou desejos inconfessos ou tudo o que é da ordem do excessivo e do traumático), seja nas imposições e surpresas que o mundo e as pessoas nos brindam. Os bruxos e os vampiros estariam nesta categoria de mitos criados por nossa imaginação para conter não só nossos desejos insanos, vorazes e ferozes, como nossos ódios e violência. Quem não ouviu falar das “bruxas” da época da Inquisição, aquelas a quem a população podia apedrejar e deixar queimar como um ato expurgatório e coletivo, em que todos se livrariam de seus “males” e pecados? Ou de nosso vampiro mais famoso, o Drácula, o morto-vivo que saía nas noites escuras para sugar o sangue de suas vítimas, representando nossos desejos mais escondidos de nos utilizarmos das coisas e dos outros para nossa total satisfação, sem nos preocupar com a dor ou o prazer de nossos eleitos? No entanto, fenômeno recente, tantos os bruxos quanto os vampiros, personagens tarimbados de livros e filmes feitos ao longo dos dois últimos séculos, passaram a “sair do armário”. Harry Potter é o protótipo do bruxo ético, que se preocupa em refletir sobre a utilização de seus recursos de feiticeiro visando o bem comum ou o auxílio aos mais fracos, excluídos e abusados. Faltavam os vampiros, estes seres antes amantes da transgressão, da noite e do sexo que na onda da série iniciada por “Crepúsculo”, passaram a se apresentar como seres que tem ciência de seus problemas e sabem que podem prejudicar aos outros, o que os leva a tentar controlar sua sede de sangue e suas ações predatórias. De uma forma geral, estas novas roupagens para antigas questões antes tão disruptivas dão o tom da cultura de hoje, tão preocupada em dar um sentido mais “confortável” aos nossos muitas vezes assustadores desejos.Ou quem sabe podemos fazer uma leitura alentadora, a de que finalmente aceitaríamos conviver com nossa caixa de pandora, de preferência sendo o dono de sua chave e abrindo-a quando necessário.

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