quarta-feira, 21 de abril de 2010

Nas tramas de um crime

A mídia do dia 14 de abril último divulgou em pequena nota o suicídio do ex- estudante de jornalismo da ECA- USP Fábio Le Senechal Nanni, que em 2005 invadiu a Radio USP e matou com uma facada seu colega de curso e de moradia Rafael Azevedo Fortes Alves. Há cinco anos o assassinato de Rafael por seu amigo Fábio deixou todos os que conviviam com a dupla, atônitos. O que o teria levado a este ato insano? A revista Época, por ocasião do julgamento de Fabio três anos depois, tentou vasculhar estas razões, buscando encontrar peças que pudessem compor alguma justificativa. Na casa da família de Rafael a reportagem constatou que a tragédia de sua morte e o sofrimento pela sua perda tinha sido devastador. Filho de um economista, Rafael parece ter elegido o jornalismo não só como profissão, mas como possibilidade de engajamento pessoal, social e político que gostava de compartilhar fosse pelas músicas irreverentes e de protesto de Raul Seixas, pela boina em homenagem a Che Guevara ou pelas camisetas que ele mesmo pintava com poemas que escolhia. Bem humorado e acolhedor, parecia natural que “adotasse” Fabio, o amigo “rachador” mas complicado, que em um ímpeto de confiança, havia lhe confessado seu segredo mais humilhante: o de ter sido molestado sexualmente aos nove anos por um adulto desconhecido em um vestiário masculino. Nos últimos tempos da amizade, no entanto, Rafael passou a se queixar de seu assédio insistente e reivindicativo, cogitando “separar-se” definitivamente dele. Planejava viajar com a namorada para Cuba e lá ficar por algum tempo e na noite anterior à sua morte evitou dormir na casa que dividiam. Muitos hão de concordar que temos aqui uma trama digna de ser vasculhada pelas lentes do detetive Espinosa, personagem dos romances policiais (e psicológicos) do escritor e filósofo carioca Garcia-Roza, para quem um crime é sempre um emaranhado complexo de motivos, conscientes e inconscientes, e, portanto longe de ser um problema a ser resolvido, é um enigma a ser decifrado. O sucesso dos livros de suspense policial poderia ser atribuído ao fato de que os crimes de morte ou assassinatos sempre nos despertam sentimentos ambivalentes. Ao mesmo tempo em que nos é ameaçador e o repelimos nos é familiar e nos atrai. Sabemos ser possível odiarmos intensamente alguém ou mesmo desejar sua morte e embora não haja porque justificarmos um assassinato seja ele por vingança ou por loucura já que isto não elimina o fato de ele ser transgressivo, podemos sem dúvida tentar decifrar as tramas humanas que podem acabar em tragédia. O suicídio cometido por Fabio talvez seja um destes indícios não só da violência, mas da complexidade que nossas demandas de amor podem conter. Os poucos relatos dos familiares de Fabio mostram que ele não se recuperou da violência sexual sofrida em sua infância e sua opção pelo silêncio pode ter tomado uma amplitude insuportável. Vindo de uma família de classe média, Fabio foi reportagem do Estado de São Paulo por ter conquistado o 11º lugar em um dos mais concorridos cursos da USP. Buscava talvez uma compensação ou uma alternativa ao seu destino. O acolhimento de Rafael e seus cuidados devem ter sido especiais para ele. Mas, diferente do amigo que podia investir em diferentes amizades e amores, Fabio parecia precisar continuamente de “provas” de amor, quem sabe cada vez mais impossíveis e surpreendentes para Rafael. Talvez não possamos medir a dor de uma rejeição (ainda que imaginária), o insuportável da inveja ou o dilaceramento do sentimento de impotência diante de nossos anseios de amor. Só quando eles explodem em atos violentos como o assassinato e o suicídio.

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