sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Confiar desconfiando

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos divulgou recentemente uma propaganda que parece ter a intenção de afirmar e resgatar algo precioso para seu funcionamento: a confiança. Não há como negar uma certa tradição desta instituição que, mesmo em meio as várias tempestades político-sociais do país, consegue manter sua credibilidade. Não titubeamos em mandar não só cartas, mas itens diversos para todo e qualquer lugar deste Brasil e do mundo. No fundo apostamos que irá chegar. Em geral chega. A propaganda que está sendo veiculada também nos cinemas, conta a história de um menino extremamente desconfiado. Nas cenas que se sucedem, ele tanto desconfia que seus pais não sejam verdadeiros como fica estudando minuciosamente um cachorro quente sem coragem de comê-lo. Já mais adolescente ele chega ao correio e pergunta à atendente se seu Sedex chegaria para a fulana que mora na cidade X. Sorridente, ela recebe prontamente o pacote e lhe devolve um “sim” cheio de certeza. Ele acredita. Está curado. Na simplória maneira de retratar o percurso da desconfiança até a aquisição da confiança a propaganda também aponta a importância desta última para o bem viver. Não por acaso. O mundo contemporâneo com seus riscos e sua permanente busca de segurança exige que cada um de nós possa contar com uma confiança básica, quer dizer, uma capacidade para confiar que inclua a desconfiança. Na difícil tarefa de aprendermos a lidar com os sentimentos (nossos e dos outros) é importantíssimo que a desconfiança que surge diante das separações e frustrações inevitáveis possa ser articulada a uma confiança nas pessoas e no meio em que vivemos. É comum que algumas propagandas que visem despertar a nossa “confiança” para determinados serviços ou produtos exibam cenas em que bebês- cuja fragilidade é sempre notória - são arremessados ao ar por seus pais: em foco a expressão de medo, tensão e excitação até o retorno ao abraço vigoroso e protetor que os recebe. Uma cena paradigmática do exercício da “boa” confiança pois implica que se possa admitir o medo diante da percepção de um perigo externo real sem que este impeça a exposição voluntária ou intencional ao perigo e ao medo justamente por se apostar tanto no fim do perigo quanto no fato de que o medo será tolerado e dominado. Confia-se (a revelia das ambivalências e tensões) que se sairá ileso e seguro desta experiência. Claro que estamos falando de uma confiança ideal, já que no duro e intranqüilo percurso de nos tornarmos adultos, nossa confiança faz embates sem fim à desconfiança e muitas vezes não podemos ou não conseguimos sair dos extremos em que ficamos retidos ou em uma confiança idealizada e indiscriminada em que acreditamos ingenuamente para em seguida desconfiar, descartando os sinais de perigo ou a sensação de medo, ou na desconfiança de tudo e todos que nos impele a manter distancia e controle, “confiando” demasiadamente em ferramentas nossas ou externas contra todos os perigos. Na verdade a propaganda dos Correios, ao exibir o sorriso acolhedor da atendente e o pronto levantar de seus braços em direção ao pacote do adolescente, deixa no ar a grande dica: a construção de nossa confiança precisa ser um projeto que implique a presença de um outro confiável, que suporte nossas ambivalências, medos, ódios, amor, etc.

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