quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Simples reciclagens

Garrido arqueou as sobrancelhas para expressar sua conclusão: se o Brasil era campeão em reciclagem de latinhas de cervejas, que tal reciclar pessoas? Um negro de cinqüenta e poucos anos, olhar penetrante, coração aberto, Garrido falava para uma pequena platéia composta de profissionais da área psi, sobre seu projeto de recuperação e “reciclagem” de pessoas. Sendo ex-boxeador, há alguns anos atrás, abril de 2004, parecia que seu sonho se realizaria. Depois de anos treinando o filho Fabio batendo em geladeiras, pneus e surdinas de caminhão pendurados na academia da família - Vila Ré, Zona Leste da cidade de São Paulo- este iria enfrentar o então campeão em uma luta que valia o título brasileiro dos meio-pesados pela Confederação Brasileira de Boxe. Mas foi duramente nocauteado, e além de ficar entre a vida e a morte, sua carreira (e com isso o sonho de um lugar especial) ficara abortada pela contusão cerebral que sofrera. Tempos depois, trabalhando como segurança no centro de São Paulo, ao ver crianças cheirando cola e fumando crack, Garrido resolveu trazer a idéia da geladeira velha, os restos de carros/ pneus usados e algumas pedras para improvisar uma academia de boxe e oferecer a quem quisesse, um espaço para treinar. Logo a idéia cresceu e o antigo espaço sob o Viaduto do Café, local de tráfico de drogas e de desabrigados tornou-se referencia no bairro do Bexiga, atraindo moradores e até empresários que se sensibilizaram com a “paixão” com que Garrido se dedicava ao resgate de qualquer pessoa em vulnerabilidade social, desde crianças de rua, ex-detentos, meninos recém-saídos da Febem, catadores de lixos, moradores de rua,etc. Em meio ao pensamento contemporâneo marcado pelo ceticismo e pelo individualismo, ouvir alguém falar de forma ao mesmo tempo despretensiosa e apaixonada sobre as possibilidades de se abrir ao outro, mesmo em face às mais pungentes adversidades é no mínimo alentador. A maioria dos que o assistiam se surpreendia pela forma simples com que ele afirmava o resgate de pessoas totalmente excluídas da rede social.Parecia mal se dar conta da potencia de seus projetos pessoais e da aposta sensível na resposta positiva de seus investimentos no outro, mesmo com todas as evidencias de falência. Paradoxalmente o boxe acenava com um destino para a violência, uma violência submetida às regras, à disciplina e, portanto capaz de gerar vida e ajudar na criação da realidade compartilhada. Já se vão seis anos e Garrido continua com sua “garra”. Seu projeto cresceu, ganhou a parceria da amiga Cora Batista que há anos trabalhava com assistência social às mulheres e chega à terceira ponte (no bairro de São Miguel Paulista) transformada em espaço aos moradores pobres locais ou a quem se interessar por “novas oportunidades, disciplina, e autoestima” segundo suas palavras. O Cora Garrido Boxe ou o Projeto Viver continua transformando alguns que vivem assujeitados pelo medo,pela violência,pela falta de oportunidades ao oferecer uma brecha de acesso à vida, uma “reciclagem” do desejo que permite a construção de um sentido, em um clima de trocas e solidariedade.Garrido leva a mesma“palavra” aos seus pupilos, incitando-os a manterem seus espíritos abertos à multidão dos excluídos, marginalizados, pobres em geral.Algo como a construção da tal responsabilidade social. Sua frase preferida é a que reafirma sua aposta: transformar “pessoas em seres humanos”, “reciclá-las”. Mas a que mais toca é a que diz que isto é simples, muito simples, basta querer fazer.


Para conferir:
Cora Garrido Boxe (Projeto Viver)
Email: coragarrido@gmail.com

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