quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

O melhor dos tempos, o pior dos tempos

Parece que estamos sempre revisitando o passado - seja o nosso ou da historia da humanidade- e assim seguimos (re)avaliando certos fatos, reverenciando ou não personagens importantes, analisando criticamente certas paixões,renovando-as, etc. Algumas semanas atrás Paul McCartney esteve em São Paulo ao mesmo tempo em que algumas salas de cinema da cidade exibiam o filme “O garoto de Liverpool” sobre a vida do adolescente John Lennon. Não fui ao show, mas pude acompanhar o clima de emoção das mais diversas gerações que ali foram para cantar e ouvir as canções que uma parcela significativa do globo terrestre conhece. Muitos celulares emocionados gravaram os momentos mais tocantes para compartilhar no YouTube ou no Facebook. Tal como uma lenda viva, Paul parece não desprezar este culto a algo que o transcende e sabe que o público reconhece nele uma parte de sua própria historia. Os Beatles sintetizaram como poucos o espírito de uma das mais fascinantes e controversas épocas de todos os tempos e sua discografia capta estes anseios e sonhos, os medos e o ódio, a loucura e as drogas, a vida e a morte. Por isso, assistir ao filme de um adolescente comum que vive em uma pacata (e ainda desconhecida) cidade portuária da Inglaterra nos anos 50, pode nos informar um pouco sobre a eminência da erupção deste movimento de contracultura global. A geração dos jovens nascidos no pós guerra dos anos 40 tinha que assimilar os ecos desta devastação, já que a guerra é aquele período entre parêntesis, em que valores, preceitos, regras de condutas e sonhos são colocados de pernas para o ar. Findo o tormento da “tempestade” é comum que se tente fazer um retorno ao passado tranqüilo em que tudo parecia ter um lugar certo para estar ou acontecer. Todos os desvios, os amores escusos e os pecados vividos durante o fatídico período se tornam feridas abertas que só podem sangrar no silencio. Este é o clima que perpassa o filme sobre a vida de John. Aos 16 anos ele tenta quebrar (com alguma irreverência) as regras zelosas e austeras de sua contida tia Mimi, ganhando muitas vezes a aliança disfarçada de seu tio George que o brinda aqui e ali com alguns mimos. Por decreto de Mimi na casa destes pais “postiços” o rádio só transmite música clássica. Mas George o presenteia com uma gaita, assim como o ajuda a instalar uma caixa de som em seu quarto que lhe permita ouvir faixas mais divertidas do rádio. Separado desde a infância de sua mãe Julia- irmã de Mimi -, John parece saber pouco sobre seu (silenciado) passado embora este o assombre em seus pesadelos. Será na morte inesperada e dolorosa de tio George que ele irá revê-la, passará a tentar conhecê-la e enfrentará as dores de “saber” mais sobre ela e sua própria historia. Uma historia de amores/ódios, ciúme/vingança, dores/sonhos enterrados- como muitas- mas principalmente a historia de uma época que começa a questionar seus valores, prestes a virarem do avesso, já que o prazo de validade de seus sentidos já estava vencido. Esta Julia mais mundana, mais sexy e irreverente, que sabe tocar banjo, adora dançar, é fã de jazz, blues e rock lhe injetará o vírus do espírito da época e lhe apresentará aquele que ele desejará “ser”: Elvis Presley. Em alguns outros lugares do planeta também nascia uma nova era em que a música passava a ter este efeito de reunir multidões e transmitir de forma instantânea, certas ideias e prazeres compartilhados por muitos e muitos jovens.
Para conferir: O garoto de Liverpool (2009)
título original: Nowhere Boy
direção: Sam Taylor-Wood

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