quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Vampiros e bruxos

Dizem que a turma dos “vampiros” não se bica com a turma dos “bruxos”, ou seja, que os fãs da saga “Crepúsculo” consideram-se de uma tribo diferente daqueles que curtem Harry Potter. Com certeza isso não se aplica a todos, mas de qualquer maneira ambas as tribos mostram facetas importantes sobre os jovens atuais e dão algumas pistas sobre seus dilemas. O mundo “paralelo” e mágico de Harry Potter, aquele que transpõe a realidade do cotidiano, nos mostra a dimensão do grande acervo dos símbolos construídos pela humanidade na sua eterna e árdua tarefa de questionar os caminhos e ações de cada um rumo a uma vida digna. Filho de dois bruxos poderosos e do “bem”, assassinados por Lorde Voldemort, do “mal”, o órfão Harry é criado por parentes não-bruxos e quando completa 11 anos recebe o convite para estudar na Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Mais ou menos como se a partir dali ele pudesse passar a “construir” seu lado humano (crenças, ideais, ética) analisando seu legado (a herança simbólica deixada pelos seus pais, suas ideias, escolhas morais, ações) para definir seu lugar no mundo. Enquanto ele é pequeno e inseguro sente-se protegido por esta herança viva dos pais que serve de guia para seu percurso. Na medida em que cresce, seus heróis podem decepcioná-lo e a vida adulta passa a acenar-lhe com aquilo que todos temos que nos deparar um dia: ele está por sua própria conta. Dali para frente terá que decidir sobre seu futuro, sua vida amorosa e profissional. A saga Crepúsculo tem pretensões mais leves. Ela já nasce no despertar da sexualidade dos pré-adolescentes e, portanto anuncia a abertura de um mundo de desejos, impulsos e fantasias em torno do “uso” do outro como par sexual e todas as incertezas, medos e sentimentos contraditórios das águas tumultuadas da sexualidade e da vida amorosa humana. Mas não é por acaso que ambas as sagas criaram uma infinidade de fãs mundo afora. Elas captam o espírito desta geração de jovens frutos de um mundo globalizado, diversificado, que exige rapidez, conhecimento técnico, informação, mas que os deixa desamparado e desassistido de valores de conduta ou de um autoconhecimento. Por isso muitos gostam de um mundo em que os bruxos precisam ser éticos e respeitar o outro e os vampiros têm vergonha da “avidez” e da violência de seu desejo. A mídia contemporânea vem dedicando um espaço importante sobre a necessidade de “mais ética” nas relações humanas, na política, na ciência, nas empresas. Ao contrário de outras “juventudes”, esta já nasceu em um mundo supostamente mais “justo”. A escravidão (uma tradição que acreditava em hierarquias entre os povos) é universalmente repudiada e mesmo que seja praticada, todos sabem que a liberdade alheia deveria ser respeitada. Mas se a liberdade e o respeito à diferença podem ser considerados valores importantes deste nosso tempo, a verdade é que a liberdade humana é relativa e condicionada à aceitação de limites imprescindíveis à convivência. Precisamos não só aceitar agir de acordo com normas socialmente impostas, mas ser capaz de avaliarmos nossas ações e as dos outros do ponto de vista moral. Nunca estamos livres do ódio, da aversão ou da discriminação produzidos por nossa intolerância, que nos “autoriza” a desrespeitar e agredir o diferente. Mas se odiar é um fato humano, desfrutar deste ódio com uma certa satisfação não é a mesma coisa. A possibilidade de ultrapassar esta fronteira, como fez o grupo de jovens que atacou gratuitamente os gays na semana passada em São Paulo, pede uma repercussão e um debate muito bem-vindo. A geração “harrypúsculo” clama por estes valores.

Um comentário:

  1. Muito bom....a idéia do uso das "sagas" é bastante esclarecedora pra qquer pessoa, de qquer idade!
    Bj enorme
    Fatiminha

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