sábado, 12 de fevereiro de 2011

Aquele que sabe sobre mim

“Como psicóloga/psicanalista, o que você acha?” Em geral esta pergunta já denuncia a inquietação de quem a faz. No convívio social, fora do consultório, é comum aos profissionais que se dedicam ao estudo das almas serem questionados pela complexidade da vida humana e por seus comportamentos inesperados ou enigmáticos. Aquele que questiona, muitas vezes acredita que haja uma “normalidade” bem situada e previamente delimitada, e sua argüição pode conter várias apostas. A de que o psicólogo sabe algo a mais sobre ele e sobre os outros. Que pelo seu saber, ele possa habitar uma dimensão humana outra, que o exclui do rol dos comuns e o coloca em um lugar especial, quem sabe imune aos desvios, dores e excessos (o que legitimaria sua resposta). Ou ainda de que a “loucura” ou o comportamento desviante que motivou a questão tenha como ser extirpado. De uma certa maneira é esperado que busquemos um padrão médio de comportamento, de pensamento, de valores e reações emocionais diante da vida. Isto incrementa nossa crença na existência de formas de vida em que não seja preciso questionar a nós ou aos outros ou que possamos viver sem “sofrer” o impacto de nossas relações com os que nos rodeiam, os que são diferentes, ou nos causam estranhamento. Somos todos um pouco normopatas, e a normopatia parece incurável. Além disso, o fato de nossa cultura estar calcada no bem-estar e na ética do sucesso faz com que o sofrimento seja um elemento extremamente perturbador e, assim como o tédio e o estranho, disfunções a serem eliminadas. Há por isso uma corrida aflita aos catecismos ou aos entendidos, na busca de certezas sobre o “bem” viver. Para a psicanálise, no entanto, é um equívoco entender o sofrimento psíquico como produto passível de ser capturado apenas pela nossa consciência ou algo a ser eliminado com algumas boas orientações. Diante de um excesso de dor, de enigma, de violência (crueldade ou sexualidade), por exemplo, e na falta de alguém que possa “traduzir” ou aplacar tal impacto, nossa mente faria uso de um recurso que promove um fracasso das funções mentais, ocasionando rupturas, colapsos da memória e mesmo uma desarticulação no equilíbrio psicossomático. Esta seria a origem de nossos estados desarmônicos, ou seja, de nossos sintomas psíquicos. A maneira como construímos nossas medidas de proteção para estas urgências dão o toque sobre a estética de nossas patologias. Algumas mais “lesivas”, que implicam em uma maior alienação social, outras menos. À diferença de outros métodos de leitura de nosso funcionamento, aos psicanalistas o “saber” sobre os sofrimentos psíquicos de alguém não está dado a priori. Embora ele se ofereça para participar desta empreitada de criação e produção de sentido, ora propiciando, ora conduzindo, ora acompanhando, ora significando, ora respondendo, ora questionando é mister que ele possa suportar sua própria ignorância em relação ao que virá. O que se tece ali, a dois, é a possibilidade de uma apropriação delicada da história e a abertura para que aquelas medidas compensatórias “inventadas” no sufoco, possam vir a fazer parte da história daquele individuo, seja para serem agregadas, descartadas ou mesmo modificadas. Qualquer escolha terá seu ônus. Sempre.

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