segunda-feira, 26 de setembro de 2011

11desetembro.com

Todos temos lembranças de mortes ou historias de lutos importantes que trazem a marca de um rompimento com nossa reticencia em relação ao fato de que cedo ou tarde, um dia morreremos. Assim como o tema da sexualidade, ficamos desorientados quando precisamos explicar para uma criança o que significa a morte de alguém com quem ela já havia feito um vinculo amoroso. Tememos que, tal como nós, ela também venha a se sentir ameaçada por este  sentimento de se saber  a vida tão frágil, e por isso tentamos adiar seu contato com o real da morte, afim de não “perturbar” suas chances de construção de um mundo de sonhos e fantasias que delineiem um possível (e bom) futuro. Também é verdade que as lembranças ou vivencias em torno da morte de entes queridos são absolutamente pessoais. Buscando em minha memória estas lembranças posso reconhecer que as mortes importantes começaram a acontecer quando eu já era adolescente. Cavoucando a infância vivida em uma cidade do interior no seio de uma família católica, o dia de Finados era um feriado reverenciado pela população que acorria ao cemitério local. Mas longe de evocar cenas melancólicas ou pesadas, em minha memória essas manhãs eram ensolaradas e minha mãe se punha bonita e arrumada, buscava as flores previamente encomendadas em sua floricultura preferida e nos levava para ajuda-la na tarefa de enfeitar o túmulo onde seu pai e seu irmãozinho de 6 anos estavam enterrados. Havia satisfação na maneira como ela procurava uma harmonia estética para dispor as flores de modo a formar lindos arranjos nos inúmeros vasos ali existentes. Nas fotos, meu avô, seu pai, aparecia rindo simpaticamente. A de seu irmãozinho, mais amarelada, indicava um tempo bem mais remoto, quase mítico. As historias ali contadas sobre meu avô eram as melhores possíveis, alinhavadas por um contato amoroso e um reconhecimento de sua importância para a família. Não era raro ouvi-la lamentar (sem mágoas) o fato de termos sido privados da possibilidade de conhecê-lo e conviver com sua enorme “vitalidade”. A morte podia ser tema de um passado cujo resgate era quase indolor. Nesta ultima semana pudemos rever pela mídia as imagens de um 11 de setembro fatídico para o mundo todo, em que aviões se atiraram às duas torres mais imponentes do skylight nova-iorquino forçando seu desmoronamento e tirando a vida de um numero sem fim de pessoas. Imagens se fixaram nos rostos de desespero dos que assistiam impotentes, dos que  choravam copiosamente diante daquela tragédia absurda, dos familiares que se aproximavam perplexos e se punham angustiados de plantão a espera de noticias de seus entes queridos. Dez anos depois há inúmeras reportagens sobre estes mesmos familiares, cada um relatando sua historia, uma historia que a despeito de se passar pelo mesmo e terrível acontecimento, compõem os mais diferentes textos. Em sua obstinada missão de entender o funcionamento psíquico humano, em 1917, Freud escreveu um texto intitulado “Luto e melancolia” em que tentava mostrar como o luto seria uma tristeza reativa (e esperada) à perda de alguém querido (podendo ser também de um ideal ou algo importante), que afastava a pessoa de seu cotidiano normal e transformava temporariamente seu mundo em pobre e vazio. Mas também apontava como para outros, os mesmos fatos produziam melancolia (ou depressão), como se ao invés do seu entorno, o próprio sujeito passasse a se sentir incapaz de olhar o mundo e dota-lo de algum significado que pudesse conforta-lo. Sobre ele pesaria uma desesperança condenando-o a transitar nostalgicamente pelas cinzas do passado e impedindo-o de formular novos projetos. Longe de abordar a complexidade deste modo (penoso) de funcionar, não deixa de ser interessante ler estas historias e constatar como alguns podem encarar a contingencia do viver enquanto outros mergulham no espaço da melancolia.


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