sexta-feira, 11 de maio de 2012

Ouvir, cuidar, refletir...


“Cartas a uma jovem psicanalista” é um livro (mais ou menos recente) escrito por um psicanalista brasileiro que há anos reside na França, Heitor O´Dwyer de Macedo, este título sendo uma homenagem àquele utilizado por Rainer Maria Rilke  no inicio do século XX em que o poeta francês se dirige a um jovem admirador e tenta “desidealizar” o percurso rumo à  consagração do poeta ao revelar-lhe quão inseparável a poesia seria da sua própria vida. Pode-se dizer que ambos os autores alertam para a impossibilidade de se prever estas trajetórias, e optam por discorrer sobre a suas paixões ao apresentar suas marcas pessoais na expectativa de contribuir com alguma luz para  seus respectivos iniciantes. A maioria dos textos gestados nas instituições psicanalíticas  e dirigidos aos que desejam iniciar sua formação reiteram que este processo acontece no próprio percurso da formação em que, além da aquisição e apropriação das conceituações teóricas, a análise pessoal desempenha um papel central. Que esta análise não é suficiente para se tornar um analista. Que é preciso analisar outros e submeter a sua clínica à escuta apurada de um supervisor.   E embora todos concordem que viver uma análise é a condição principal para que alguém exerça o ofício de analista, todos afirmam não haver um manual em que estejam recenseados procedimentos para a investigação do inconsciente como prática terapêutica: não há um saber a priori. O que a psicanálise insiste em revelar ao sujeito à sua revelia é parte integrante do saber e da intervenção psicanalítica, seu paradoxo e sua razão de ser, e só podemos nos considerar psicanalistas se pudermos nos submeter a uma análise com alguém que também se submeteu, etc. Tal e qual um ritual de passagem, esta transmissão, sempre via inconsciente,  está articulada de forma complexa ao modo de apreensão daqueles que escolhemos para serem nossos analistas. E isto é apenas uma ponta do iceberg. É na intimidade de nossa análise pessoal que cada um se aproxima e se apropria do modo de operar da psicanálise e ao mesmo tempo é quando podemos conhecer o trabalho de um outro analista. Também é como analisando que podemos verificar a realidade psíquica, reconhecer sua existência, experimentá-la. Uma experiência a portas fechadas, sem testemunhas, que não se ensina, e que é transmitida na medida em que são oferecidos sentidos possíveis aos nossos sintomas, sonhos e lapsos, à medida que somos defrontados com nossas dores e resistências na viagem em direção ao reconhecimento de nossos conflitos e desejos. Trilhar este caminho, portanto é uma experiência que se vive na carne, visceral e pessoal. Por outro lado, é na clínica que a teoria se recria. Deitados (ou não) no divã daquele que elegemos como nosso analista, vamos nos familiarizando com o método psicanalítico, reconstruindo nossa historia psíquica, e nos incumbindo de refazê-la (ou ressignifica-la) continuamente. Estes passos iniciais da prática clínica não são nada fáceis, pois paralelo ao mergulho em nosso inconsciente, o contato com nossos pacientes nos lança as mesmas questões, e nos convoca a revisitá-las por outros ângulos. Além disso, não é nada fácil tolerar as dúvidas a que estamos expostos quando elaboramos teoricamente nossos atendimentos clínicos ou escolher saídas para os impasses que ela promove. Ao fascínio que a maioria de nós sente no exercício da profissão de psicanalista se contrapõe profundos sentimentos de inadequação e despreparo pessoal, conceitual e técnico. Muitas vezes  caímos em uma certa rigidez técnica e alguma confusão teórica, ou sacralizamos os textos, em uma tentativa de antecipação teórica que nos auxilie a suportar nossa aflição diante do não saber.  E a história não acaba aí. Como qualquer escolha de profissão, ser um psicanalista nos coloca diante de questões de identidade, reconhecimento e pertinência. Temos que eleger a instituição, os analistas, os supervisores. Precisamos inicialmente de Mestres, a quem possamos atribuir todo o saber, o que muitas vezes  transforma  nosso discurso teórico em dogma. Mais, o árduo percurso rumo a este oficio parece ser atenuado quando o idealizamos e apostamos na possibilidade de vir a alcançar no seu saber, uma espécie de completude, de respostas a todas as perguntas (nossas e dos outros). Um grande paradoxo, já que tal expectativa desloca a Psicanálise de seu papel de investigadora da condição humana para coloca-la em um lugar de Verdade absoluta. Se  a psicanalise nos convida a compartilhar de sua pretensão permanente na desconstrução da majestade do eu e dos ideais absolutos de seu tempo, não estamos isentos, como indivíduos-psicanalistas, de no exercício da tarefa de cuidar/ouvir do sofrimento e da dor humana escorregarmos para o lugar dos que imaginam saber como “deveria ser ”.


Nenhum comentário:

Postar um comentário