“Cartas a uma jovem psicanalista”
é um livro (mais ou menos recente) escrito por um psicanalista brasileiro que há
anos reside na França, Heitor O´Dwyer de Macedo, este título sendo uma
homenagem àquele utilizado por Rainer Maria Rilke no inicio do século XX em que o poeta francês
se dirige a um jovem admirador e tenta “desidealizar” o percurso rumo à consagração do poeta ao revelar-lhe quão
inseparável a poesia seria da sua própria vida. Pode-se dizer que ambos os
autores alertam para a impossibilidade de se prever estas trajetórias, e optam
por discorrer sobre a suas paixões ao apresentar suas marcas pessoais na
expectativa de contribuir com alguma luz para seus respectivos iniciantes. A maioria dos textos
gestados nas instituições psicanalíticas
e dirigidos aos que desejam iniciar sua formação reiteram que este
processo acontece no próprio percurso da formação em que, além da aquisição e
apropriação das conceituações teóricas, a análise pessoal desempenha um papel
central. Que esta análise não é suficiente para se tornar um analista. Que é
preciso analisar outros e submeter a sua clínica à escuta apurada de um
supervisor. E embora todos concordem
que viver uma análise é a condição principal para que alguém exerça o ofício de
analista, todos afirmam não haver um manual em que estejam recenseados
procedimentos para a investigação do inconsciente como prática terapêutica: não
há um saber a priori. O que a psicanálise insiste em revelar ao sujeito à sua
revelia é parte integrante do saber e da intervenção psicanalítica, seu
paradoxo e sua razão de ser, e só podemos nos considerar psicanalistas se pudermos
nos submeter a uma análise com alguém que também se submeteu, etc. Tal e qual
um ritual de passagem, esta transmissão, sempre via inconsciente, está articulada de forma complexa ao modo de
apreensão daqueles que escolhemos para serem nossos analistas. E isto é apenas
uma ponta do iceberg. É na intimidade de nossa análise pessoal que cada um se
aproxima e se apropria do modo de operar da psicanálise e ao mesmo tempo é
quando podemos conhecer o trabalho de um outro analista. Também é como
analisando que podemos verificar a realidade psíquica, reconhecer sua existência,
experimentá-la. Uma experiência a portas fechadas, sem testemunhas, que não se
ensina, e que é transmitida na medida em que são oferecidos sentidos possíveis
aos nossos sintomas, sonhos e lapsos, à medida que somos defrontados com nossas
dores e resistências na viagem em direção ao reconhecimento de nossos conflitos
e desejos. Trilhar este caminho, portanto é uma experiência que se vive na
carne, visceral e pessoal. Por outro lado, é na clínica que a teoria se recria.
Deitados (ou não) no divã daquele que elegemos como nosso analista, vamos nos
familiarizando com o método psicanalítico, reconstruindo nossa historia
psíquica, e nos incumbindo de refazê-la (ou ressignifica-la) continuamente. Estes
passos iniciais da prática clínica não são nada fáceis, pois paralelo ao
mergulho em nosso inconsciente, o contato com nossos pacientes nos lança as
mesmas questões, e nos convoca a revisitá-las por outros ângulos. Além disso, não
é nada fácil tolerar as dúvidas a que estamos expostos quando elaboramos
teoricamente nossos atendimentos clínicos ou escolher saídas para os impasses que
ela promove. Ao fascínio que a maioria de nós sente no exercício da profissão
de psicanalista se contrapõe profundos sentimentos de inadequação e despreparo
pessoal, conceitual e técnico. Muitas vezes caímos em uma certa rigidez técnica e alguma
confusão teórica, ou sacralizamos os textos, em uma tentativa de antecipação
teórica que nos auxilie a suportar nossa aflição diante do não saber. E a história não acaba aí. Como qualquer
escolha de profissão, ser um psicanalista nos coloca diante de questões de
identidade, reconhecimento e pertinência. Temos que eleger a instituição, os
analistas, os supervisores. Precisamos inicialmente de Mestres, a quem possamos
atribuir todo o saber, o que muitas vezes
transforma nosso discurso teórico
em dogma. Mais, o árduo percurso rumo a este oficio parece ser atenuado quando
o idealizamos e apostamos na possibilidade de vir a alcançar no seu saber, uma
espécie de completude, de respostas a todas as perguntas (nossas e dos outros).
Um grande paradoxo, já que tal expectativa desloca a Psicanálise de seu papel
de investigadora da condição humana para coloca-la em um lugar de Verdade
absoluta. Se a psicanalise nos convida a
compartilhar de sua pretensão permanente na desconstrução da majestade do eu e
dos ideais absolutos de seu tempo, não estamos isentos, como indivíduos-psicanalistas,
de no exercício da
tarefa de cuidar/ouvir do sofrimento e da dor humana escorregarmos para o lugar
dos que imaginam saber como “deveria ser ”.
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