segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A cabeleira do Zezé


Jovem e sensível, a professora de uma escola infantil me contava sobre um assunto ao mesmo tempo delicado e perturbador que teria surgido em uma reunião de pais. Em meio a um importante debate sobre o futuro das famílias, dos pais e da educação dos filhos, alguns teriam questionado como seria quando as crianças de pais homossexuais começassem a frequentar as escolas, tendo que enfrentar o fato de possuir dois pais ou duas mães. Que futuro estaria reservado para estas crianças? Como responder à surpresa das outras? Ao invés de preleções de caráter moral a favor ou contra ou de previsões ameaçadoras do bem estar familiar, ela preferiu deixar ao futuro a tarefa de acomodar (ou não) tais mudanças. Mas lembrou que, a despeito de tendermos a considerar nossas crenças eternas, não seria difícil conferir as transformações sofridas no seio da família nestas últimas décadas. O tema, polêmico, esquentou ainda mais o debate sem, contudo, chegar a um consenso. De fato tentamos esquecer que para além de nossas origens biológicas ou de famílias “bem constituídas” há uma infinita variedade de caminhos e escolhas que constituem a historia de cada um. Mais confortável imaginar que nossas historias possam ser asseguradas (melhores?) se cumprimos certos protocolos - mesmo com datas de validade expiradas - talvez na tentativa de dividir a responsabilidade (sempre dura) sobre nossos futuros. É o caso desta nova disposição familiar, baseada em uma relação homoafetiva, com filhos gerados por inseminação artificial ou adotados. Estariam estas crianças condenadas a ser “diferentes”, sem chances de felicidade, ou vale a regra de que no final das contas, para que uma família passe a existir, é preciso basicamente que se queira isso? Se há boas noticias nas mudanças que aconteceram e continuam a acontecer nas famílias atuais, é que elas finalmente se livraram de alguns séculos de hipocrisia e dissimulação. Antes era crucial que se mantivesse a fachada dos casamentos e se escondessem as tensões sexuais, as violências e os constrangimentos dos lares. Maridos podiam manter uma alegre vida erótica fora de casa. Homossexuais se casavam com o sexo oposto, tinham filhos e quiçá mantinham ligações homoeróticas na calada da noite. Às mulheres restava conformar-se em viver à margem da vida pública, sem direitos, sem voz. Violências veladas ou encarnadas eram encenadas, mas guardadas no silencio dos segredos sob a égide da vergonha e da humilhação. Foram as últimas gerações que exigiram de si e dos outros uma coerência entre o sentir e o fazer. A partir daí pudemos constatar  como as identidades sexuais são incertas, como cada um de nós porta tanto traços femininos quanto masculinos, como é difícil saber o que é ser mulher ou homem, pai ou mãe. E, embora os gays finalmente pudessem sair do armário e assumir seu amor pelo mesmo sexo, nem por isso ficaram livres de viver seus (nossos) dilemas de identidade. Mas mesmo sem as antigas certezas e com milhares de questões difíceis e em aberto, a família continua sendo o laboratório da experiência humana, o lugar onde os dramas são experimentados e o amor pode acontecer. O espaço em que cada um ganha uma data de nascimento, uma origem, um passado. Minha amiga professora tinha razão. É provável que no futuro a marchinha de carnaval que ecoa o refrão “será que ele é” não guarde o mesmo sentido.

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