Jovem e sensível, a
professora de uma escola infantil me contava sobre um assunto ao mesmo tempo
delicado e perturbador que teria surgido em uma reunião de pais. Em meio a um
importante debate sobre o futuro das famílias, dos pais e da educação dos
filhos, alguns teriam questionado como seria quando as crianças de pais
homossexuais começassem a frequentar as escolas, tendo que enfrentar o fato de
possuir dois pais ou duas mães. Que futuro estaria reservado para estas
crianças? Como responder à surpresa das outras? Ao invés de preleções de
caráter moral a favor ou contra ou de previsões ameaçadoras do bem estar
familiar, ela preferiu deixar ao futuro a tarefa de acomodar (ou não) tais
mudanças. Mas lembrou que, a despeito de tendermos a considerar nossas crenças
eternas, não seria difícil conferir as transformações sofridas no seio da
família nestas últimas décadas. O tema, polêmico, esquentou ainda mais o debate
sem, contudo, chegar a um consenso. De fato tentamos esquecer que para além de
nossas origens biológicas ou de famílias “bem constituídas” há uma infinita
variedade de caminhos e escolhas que constituem a historia de cada um. Mais
confortável imaginar que nossas historias possam ser asseguradas (melhores?) se
cumprimos certos protocolos - mesmo com datas de validade expiradas - talvez na
tentativa de dividir a responsabilidade (sempre dura) sobre nossos futuros. É o
caso desta nova disposição familiar, baseada em uma relação homoafetiva, com
filhos gerados por inseminação artificial ou adotados. Estariam estas crianças
condenadas a ser “diferentes”, sem chances de felicidade, ou vale a regra de
que no final das contas, para que uma família passe a existir, é preciso basicamente
que se queira isso? Se há boas noticias nas mudanças que aconteceram e
continuam a acontecer nas famílias atuais, é que elas finalmente se livraram de
alguns séculos de hipocrisia e dissimulação. Antes era crucial que se
mantivesse a fachada dos casamentos e se escondessem as tensões sexuais, as
violências e os constrangimentos dos lares. Maridos podiam manter uma alegre vida
erótica fora de casa. Homossexuais se casavam com o sexo oposto, tinham filhos
e quiçá mantinham ligações homoeróticas na calada da noite. Às mulheres restava
conformar-se em viver à margem da vida pública, sem direitos, sem voz. Violências
veladas ou encarnadas eram encenadas, mas guardadas no silencio dos segredos
sob a égide da vergonha e da humilhação. Foram as últimas gerações que exigiram
de si e dos outros uma coerência entre o sentir e o fazer. A partir daí pudemos
constatar como as identidades sexuais
são incertas, como cada um de nós porta tanto traços femininos quanto
masculinos, como é difícil saber o que é ser mulher ou homem, pai ou mãe. E,
embora os gays finalmente pudessem sair do armário e assumir seu amor pelo
mesmo sexo, nem por isso ficaram livres de viver seus (nossos) dilemas de
identidade. Mas mesmo sem as antigas certezas e com milhares de questões difíceis
e em aberto, a família continua sendo o laboratório da experiência humana, o
lugar onde os dramas são experimentados e o amor pode acontecer. O espaço em
que cada um ganha uma data de nascimento, uma origem, um passado. Minha amiga
professora tinha razão. É provável que no futuro a marchinha de carnaval que
ecoa o refrão “será que ele é” não guarde o mesmo sentido.
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