quarta-feira, 7 de maio de 2014

Ajuste de contas

A morte de Gabriel Garcia Marques, quinta feira, dia 17 de abril, me fez recordar uma parte de minha história, ao relembrar o impacto que a leitura de “Cem anos de solidão” produziu no meu pequeno percurso de leitora. Quando o li, já fazia alguns anos que ele surgira no universo literário, fazendo barulho. Afinal, narrar a história latino-americana com suas guerras e solidão a partir da árvore genealógica da família Buendía e suas  gerações,recorrendo à fantasia para revelar a realidade, tudo isso sem perder o fio da meada, não é tarefa para qualquer um. E se hoje esta saga é considerada uma das obras mais importante da língua espanhola de todos os tempos (depois de Dom Quixote), a lembrança de minha leitura não contempla tal grandeza. Jovem, ainda, fiquei capturada pelo realismo mágico com que os personagens eram descritos, com a liberdade um tanto crua com que suas histórias de amores e dores podiam ser vividas e a maneira surpreendente com que suas experiências cotidianas eram transformadas em algo fantástico, mágico, mas ainda assim verossímil.  Ainda não tenho muito claro o papel que a literatura teve na minha visão de mundo. Mas tenho a impressão, quase como se fosse uma certeza, de que ela abriu horizontes e despertou-me para universos desconhecidos e inimagináveis. Há quem reconhece seus desejos desde muito cedo e nao só os nomeia, como os persegue. Nunca pertenci a este grupo, mas se há um pensamento que permeou minha vida desde bem jovenzinha, é o de que o “mundo” (aquele composto pelo acervo cultural humano) deveria ser muito maior do que aquele que eu conhecia ou vislumbrava na cidade interiorana em que eu vivia. E eu precisava conhecer o máximo que eu pudesse sobre ele, o que com gratidão posso atribuir uma boa parte às minhas poucas leituras de grandes autores da literatura. Gabriel Garcia Marques nasceu em uma cidadezinha da Colombia, tendo vivido uma parte de sua infância sob os cuidados de seus avós, com quem ouviu muitas das histórias fantásticas que depois utilizaria em seu universo literário. Em um dos muitos textos que foram escritos após a notícia de sua morte, um em especial, de seu conterrâneo, amigo e escritor Hugo Abad, narra sua última visita feita em 2010 a Gabo- como era chamado pelos íntimos- segundo ele já desmemoriado, mas ainda poético. Foi ali, na cidade de Cartagena, que ele ouviu Mercedes, esposa de Gabo, contar que quando ali chegaram, a ideia era comprar uma casa antiga no centro histórico para morarem. Mas Gabo nunca se decidira sobre isso, com medo dos fantasmas. Fiquei a imaginar o escritor Gabriel Garcia Marques, que já se despedira do mundo intelectual desde 2006 quando resolvera não mais escrever, a habitar a pátria que todos temos em comum: nossa infância. Obrigada Gabo!


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