quinta-feira, 15 de maio de 2014

A invenção do mundo da criança feliz

Um fictício observador “estrangeiro”, ao constatar o espaço privilegiado e acintoso que as crianças têm em nosso mundo atual, cercadas de mimos e preocupações dos pais, educadores, médicos e psicólogos, não imaginaria que por muito tempo, nem a infância ou a denominação de criança sequer existiam. Os pequenos eram tratados, vestidos e retratados como adultos em miniatura. O historiador francês Phillipe Aries descreve a “descoberta da infância”, que teria ocorrido a partir do século XIII, como um lento processo, graças ao qual os pimpolhos, que na alta Idade Média só recebiam nome se persistissem em viver, foram ocupando o centro das atenções e da família moderna. Os pais, ao invés de proprietários, passaram a serem os protetores da família e as mães, gerentes dos afazeres domésticos, aquelas que cuidavam de seus filhos, que na era moderna vão garantir a perpetuação da família. Hoje as crianças são crianças e não mais adultos pequenos. Elas têm maneiras de pensar e sentir que lhes são próprias e como parte da sociedade civil, tem leis especiais que as protegem de quaisquer abusos. Houve uma progressiva valorização do lugar que elas ocupam tornando o filho, no decorrer do século XIX e XX, o centro da família e objeto de investimentos econômicos, educacionais e afetivos. Tudo o que se refere a crianças é considerado da maior importância por todos os setores da sociedade, sendo que os pequenos são responsáveis por uma enorme fatia dos investimentos financeiros em criações ininterruptas de objetos destinados a compor um mundo de conforto e felicidade. No Brasil, há alguns anos, instituiu-se uma prática entre os casais grávidos de classes médias altas e altas, de programarem uma viagem para Miami, que segundo cálculos de todos os que lá estiveram, somados passagem, estadia e algumas malas de apetrechos e roupas de recém-nascidos, seus bebês desfrutariam do que haveria de mais moderno no mundo sem que o custo fosse excessivo. Com o tempo, esta prática difundiu-se de tal maneira que “sites” de roupas e objetos utilizados por bebês passaram a ser compartilhados, com listas já elaboradas por terceiros, o que permitia que as compras pudessem ser feitas antes mesmo que a viagem acontecesse. Parte importante deste enxoval, o enfeite da porta da maternidade, a mala contendo as roupas a serem utilizadas ali pelo bebe, as lembrancinhas para as visitas e as câmeras prontas para registrar o evento desde o começo. Ah sim, e alguma “bíblia” contendo TUDO o que pode acontecer no primeiro ano do bebê. Tudo pronto, resta compartilhar do clima festivo e agitado da maternidade, que em cidades cosmopolitas como São Paulo é acrescido do número cada vez maior de grávidas e seus familiares. Há filas para o estacionamento, para se cadastrar na recepção do hospital, para utilizar os elevadores. Já dentro é curioso passear pelos corredores dos quartos enfeitados, ler o nome de cada criança que acabou de nascer e imaginar uma historia de vida futura para cada uma. Imperdível é gastar alguns minutos no berçário, todo envidraçado, com fileiras imensas de recém-nascidos, alguns dormindo tranquilos, outros agitados chorando. E agora nenéns? Cada um de vocês representa uma aposta, um porvir. Em geral seus pais não sabem ainda muito bem como eles devem se portar para que vocês se tornem pessoas felizes. É quase certo que eles terão muitas dúvidas sobre o que e como agir diante dos impasses que vocês criarão. Mas parece certo também que há uma distancia que precisa ser ajustada, entre a insistente promessa do mundo feliz e sem sofrimentos que eles  imaginam para vocês, e a difícil e importantíssima tarefa que eles terão que desempenhar para que vocês se tornem alguém de valor. 

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