quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Enem e outras histórias sobre exames

Já se vão mais de 30 anos ( e é bom que não me lembre dos números exatos) que deixei Ribeirão Preto com meu diploma de psicóloga em uma das mãos e nada na outra. Havia naquela época um certo pioneirismo dos formandos psicólogos, uma profissão recém reconhecida no Brasil, cujo mercado estava por ser aberto. Olhando com mais cuidado para o passado tenho a impressão de ter feito parte de uma geração sanduiche. Não cheguei a cursar o preparatório para a admissão ao ginásio, que justamente na minha vez, tornou-se obsoleto. Já na quinta série sonhava em escolher o Clássico para o secundário (as outras opções eram o Científico e o Normal), mas assisti, ainda na oitava série, a mudança para um colegial integrado: todos deveriam cursar um básico e somente no terceiro ano seria possível fazer escolhas de matérias optativas. Avessa às matemáticas e outras disciplinas que exigiam um raciocínio mais objetivo, tive que adiar meu projeto de dedicação exclusiva às humanidades e assistir o fim de estudos mais aprofundados nas áreas da filosofia, literatura e sociologia no ensino secundário. Química, física, biologia, matemática eram as vedetes da vez, acompanhando o boom das ciências. Muitos de meus interlocutores do antigo Clássico, eleitos meus modelos de identificação, com quem eu costumava trocar dicas de leituras de livros e de cultura em geral, chegaram a ingressar nas Ciências Sociais, cujo destino eu acalentava. Mas ainda cursando meu colegial, eis que surgem novos e estranhos “lugares” com nomes como Cecem, Cecea e Mapofei, exames vestibulares diferenciados para os que elegessem a área biológica, de humanas ou de exatas, respectivamente. Tudo tinha que ser revisto, à luz das novas opções. Começam a pipocar aqui e ali os cursos de preparação para o vestibular, em que alunos geralmente “nerds” de faculdades diversas, tornam-se professores e passam a preparar “aulas- shows” visando a despertar o interesse pela ingestão rápida e eficiente dos mais diversos conhecimentos exigidos para cada uma destas grandes áreas. Mantendo minha opção pelas humanidades passei a me preparar para fazer o vestibular do Cecea. Na inscrição, era possível eleger um primeiro e um segundo curso e, dependendo de meu desempenho na prova, ou seja, do número de pontos que eu conseguisse fazer e da minha classificação diante dos pontos conquistados pelos outros concorrentes, meu nome poderia constar na lista dos aprovados. Interiorana, este esquema acenava com uma abertura inesperada de novas opções para o meu antigo futuro nas Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Por que não escolher Psicologia, logo ali em Ribeirão Preto? Mais pomposo e muito mais atrativo, o estudo da psique humana me parecia um desafio que valia o deslocamento e o preço das mudanças que me esperavam. Este acesso mais fácil aos cursos das faculdades públicas estaduais era inédito, mas inaugurava um longo período em que o Vestibular tomaria um vulto assombroso, nos dois sentidos da palavra. Tanto na sua importância para os destinos profissionais dos jovens, que precisavam encarar um ano de muitos sacrifícios para driblar a concorrência, quanto na política das escolas particulares, que passaram (em sua maioria) a dirigir os conhecimentos oferecidos aos alunos, visando conquistar um lugar de respeito pelo número de aprovados nas faculdades mais disputadas. Embora polêmica e com certeza ainda engatinhando, a proposta de se utilizar os pontos obtidos na prova do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) que avalia o desempenho dos alunos durante o curso médio, como pontos decisivos para seu ingresso nas universidades, parece acenar com uma tentativa de chacoalhar a estrutura arcaica desta verdadeira indústria do vestibular. No mínimo, há um desvio para as melhorias do ensino que as escolas, tanto públicas quanto particulares, desejarão oferecer aos seus alunos, em uma era em que o conhecimento exige um entendimento que extrapola em muito as antigas fórmulas do decoreba. Talvez este desvio possa ampliar o debate, em geral parcimonioso, sobre a cada vez mais complexa rede de profissões que o nosso mundo global oferece.

coluna do dia 7 de outubro de 2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário