quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Mondo Cane

Um crítico de cinema questionava esta semana se o diretor Quentin Tarantino não teria se tornado um cineasta graças ao seu passado adolescente de balconista de vídeo-locadora, local em que (diz a lenda) teria assistido a todos os filmes que ali existiam. Certamente este fato deve ter funcionado como um elemento facilitador, ao introduzi-lo à linguagem especial do mundo cinematográfico em seus diversos estilos e criações. Mas prefiro imaginar que a escolha deste trabalho já continha sua paixão e o acesso gratuito a tantos filmes só lhe acrescentou respostas sobre muitas de suas interrogações, além de facilitar-lhe encontrar palavras ou cenas que podiam descrever sentimentos estranhos ou disfarçados, empolgantes ou perturbadores. Sabemos o quanto um filme, seja ele sobre histórias de amores, de perdas ou de violências, de ficção, de heróis ou anti-heróis, pode nos carregar a lugares ou sentimentos inesperados e tocantes. Provavelmente este acervo ajudou e muito este americano a construir seu ideal de cinema, embora sua fama de diretor ousado e muitas vezes excêntrico precise ser debitada a uma somatória de fatores. Tarantino, nascido nos anos sessenta, é filho de pai descendente de italianos e de mãe meio irlandesa, meio cherokee, mas também é filho de uma geração de tecno-crianças, que cresceu jogando vídeo games e transita de maneira confortável pela estética pop em todas as suas versões. Quem já assistiu a seus filmes sabe que eles privilegiam a ação ao invés dos diálogos e não se esquivam de cenas em que a violência é mostrada com requintes de crueldade, ou seja, com os excessos que normalmente seriam poupados por outros diretores. A razão de seu sucesso, portanto, não é tão simples. Seu esperado Bastardos Inglórios que estreou neste final de semana em circuito nacional depois de balançar Cannes, o coloca entre os mais criativos diretores de cinema da atualidade, mas também entre os mais apaixonados por este gênero. A surpresa fica por conta de ser tanto um filme de época, mais um dentre os muitos que empreendem uma leitura sobre a segunda guerra mundial, o nazismo e a perseguição aos judeus, quanto um filme que desconstrói a história, ao conduzir a trama a um desfecho alternativo ao que conhecemos. Ao mesmo tempo em que reproduz cenários e personagens importantes do período da ocupação nazista na França, que juntou os algozes (alemães da Gestapo), as vítimas (os judeus), os reféns (franceses) e os mocinhos (americanos), o diretor carrega na composição de cada um destes grupos como se ao apresentar a caricatura ao invés do rigor da história, pudesse mostrá-los mais hilários e próximos da humanidade a que todos pertencem. O roteiro segue a estética dos jogos de vídeo games de seus filmes anteriores, em que os atos cruéis e violentos de uns sobre os outros são apresentados sem grandes dilemas morais, como se o que valesse fosse apenas o querer ou o não querer matar. Mas dentro desta lógica utilitária, há uma nova modalidade de jogo, um jogo de poder e de persuasão, de estratégias sádicas e sutis de torturas empregadas pelo farejador e caçador de judeus, talvez o personagem que carregue a alma do filme. Ele é o coronel nazista Hanz Landa, que desfila seu alemão, inglês, francês e italiano com perfeição e delicadeza, comparece desde as primeiras até as últimas cenas do filme sempre com um semblante amigável e se ufana por conseguir perscrutar as almas de seus perseguidos e perseguidores a seu favor. Uma crueldade silenciosa, rasteira, das mais danosas, ao não deixar dúvidas ao seu interlocutor nem sobre a impotência deste, nem sobre o seu total poder. Muitos fatos de nosso mundinho tem nos mostrado os desastres que podemos cometer quando perdemos a fé no valor dos homens e de suas leis. Começa a valer a banalidade do mal.

coluna do dia 14 de outubro de 2009

Um comentário:

  1. ola Gisela,
    Otimo seu texto de hoje na Gazeta( sobre a psicanalise)
    Se blog esta muito bom tambem
    se puder visite
    www.sinapseoculta.wordpress.com

    obrigado

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