quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Razão e sensibilidade

Aos 80 anos o ator e diretor Clint Eastwood parece habitar aquele limbo perseguido por alguns, a tal da sabedoria, que longe de ser um acúmulo de conhecimentos, é uma conquista que exige converter o que se aprende em algo que faça sentido, que conceda respostas sobre si e o mundo. Figura tarimbada e antiga do cinema acostumamo-nos a vê-lo desfilar os tipos hollywoodianos como ator, antes que ele começasse a se deslocar para as câmeras e utilizá-las como lentes de sua visão de mundo. Apostando que o cinema pode sim intervir na consciência da realidade e que um bom filme pode fazer um retrato histórico daquele momento que apreende e ajuda a recontar o passado, ele coloca alguns holofotes para iluminar um pedaço importante da historia da África do Sul e seus conflitos. “Invictus” começa com a eleição de Nelson Mandela, o primeiro presidente negro da África do Sul, um líder político reverenciado pela população negra e por uma minoria branca politizada, mas que ficou confinado durante quase três décadas em uma prisão em Robben Island. As leis de segregação racial já existiam na África antes da segunda guerra mundial, mas ganharam força a partir de 1948 com a vitória do Partido Nacional ( os“afrikaners”) que estabeleceu a existência de quatro grupos distintos na sociedade, brancos, negros, mulatos e asiáticos, vivendo em locais determinados, bem definidos socialmente e separados entre si. O apartheid atingia assim a habitação, o emprego, a educação e os serviços públicos e favorecia ostensivamente a permanência no poder de uma minoria branca. À maioria negra restavam trabalhos forçados e condições de vida precária. Foi só a partir de 1990, que o então presidente Frederick de Klerk, acuado pelas pressões estrangeiras que passaram a condenar oficialmente o apartheid, liberta seus líderes políticos. O mundo globalizado imanava seus ideais de homogeneidade e exigia dos regimes políticos e das religiões o fim das diversas formas de preconceito e segregação. Mandela assume um país imerso em uma das piores crises econômicas, ciente de que sua eleição intensifica a rusga entre brancos e negros. Sua África está à beira de uma guerra civil. A partir daí Clint Eastwood nos dá a impressão de fazer das idéias e pensamentos deste líder, as suas palavras. Na época com 75 anos, Mandela intui que não basta fazer um vago e benevolente apelo à tolerância e ao respeito, nem proclamar a existência da igualdade como se ela fosse natural e essencializada. Que a diferença, sendo algo que nós produzimos, não é algo que se apaga ou se ignora e que uma intervenção na produção da diferença exige estratégias que dêem conta da dinâmica e da complexidade das questões humanas e das relações de poder que permeiam as definições de quem é igual e quem é diferente. “Invictus” é também o poema de um autor inglês, lido e relido por Mandela, que o utilizou para manter a esperança e a sanidade durante os longos anos que esteve preso. Um trecho em especial, dá o tom da mensagem de Clint, pelas idéias de Mandela : "Não importa o quão estreito seja o portão e quão repleta de castigos seja a sentença, eu sou o dono do meu destino, eu sou o capitão da minha alma". É o futuro e a coragem de encarar seu leque de possibilidades que pode permitir o confronto com os conflitos e abrir caminhos para novas verdades. Se o esporte pode unir países, etnias e inimigos em torno de uma paixão, o rúgbi (ícone da “tribo” branca sul-africana) será usado para reconciliar negros ressentidos e brancos temerosos.

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