sexta-feira, 11 de março de 2011

Amores e suas dores - parte II

Não havia pensamento positivo, força da mente ou orações que impedissem que as lembranças daquele período negro voltassem. Bastava eliminar o acúmulo de atividades que as mães de primeira viagem enfrentam nos cuidados diários com seus bebês para que o mesmo filme passasse e repassasse sem lhe dar tréguas. Tal e qual as casquinhas que se formam sobre as feridas de nossa pele, que sem percebermos, arrancamos, forçando uma volta à estaca zero, cada célula de seu corpo recebia novamente as ressonâncias daquela antiga dor. “Zilhões” de vezes ampliada, intensa. No fundo ela sabia que no momento do “crash” ela quase havia se perdido. Ali não era uma questão de dores e sim de sobrevivência diante de queda no abismo. Só de pensar nisso a respiração lhe faltava. De certa maneira sentia-se caminhando, mesmo tendo que rever aquele filme a cada parada. Era estranho voltar no tempo e tentar resgatar os sentimentos daquela época. A dor da perda (das muitas perdas) não lhe permitia uma análise minimamente imparcial. As lembranças se misturavam. A gravidez inesperada, em meio à louca paixão por aquele homem, as dúvidas, a decisão conjunta de bancar o projeto de se tornarem pais, a urgência que o tempo impunha para cada detalhe. Uma casa, um quarto de bebê e tantas providências tomadas às pressas. Um homem e uma mulher se juntam, admitem o nascimento de um filho e o futuro daquela relação amorosa se transforma para sempre. Há um terceiro em jogo e ele pode ser docemente incluído ou se transformar em intruso, numa fronteira tênue. É com tristeza que se recorda de sua felicidade: ela abraçou a idéia da maternidade e espalhou sua alegria pelos sete meses, cuidou de se preparar para o parto, curtiu saber o sexo, pensou nos nomes, no enxoval. Mas ele fez a rota inversa, cada dia um pouco mais quieto, menos interessado. Não sabe bem se passou ao largo de suas inquietações de pai ou de todas as mudanças que a gravidez lhe impunha. Era comum que ela se “perdesse” nos seus projetos, caísse de corpo e alma. E se ele estivesse muito mais amedrontado do que ela? Ou mais só? Não, não justificava. Novamente a dor, misturada à raiva, tal e qual um tsunami cobria até a raiz de seus cabelos. Ela não poderia perdoá-lo, não ainda e não sabia se um dia. Faltavam menos de dois meses para o parto quando aquele covarde “surtou” e resolveu que não estava preparado para formar uma família. Em alguns minutos ficou sem marido, sem um parceiro para estar junto quando Joaquim nascesse, sem casa, sem futuro à vista, sem fôlego, sem ar. Foi resgatada pelos braços de seus pais e de sua irmã. Ainda não encontrava palavras que pudessem dimensionar o valor deste calor, um amor silencioso e consistente. E havia Joaquim, com seus olhinhos negros a procurá-la. Pensar nele era reconfortante, dava-lhe forças, direções, horizontes. Podia sentir-se gente, traçar roteiros profissionais, imaginar-se lá na frente, refeita, feliz. De repente era invadida por esta força estranha e boa. Com a respiração mais cadenciada, ela se entregava aos sonhos, graças ao saldo positivo Joaquim, seu sorriso, seu amor, sua incondicional (e necessária) aposta no seu “tino” maternal. Ela bem sabia que ao ter um filho, tinha assinado um contrato imenso, com letras nem sempre legíveis, destes que se deve evitar saber todas as cláusulas para não perder a coragem. Mas era bom imaginar que ele era o filho perfeito de uma mãe perfeita. Podia suspirar e relaxar. Até a próxima parada.

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