sexta-feira, 22 de abril de 2011

Amores e suas dores - parte III

Quatro anos haviam se passado. Talvez um pouco mais. Não podia negar que estivesse levemente ansioso. Chegou a se arrepender de ter guardado aquele HD, o tal do disco rígido de seu laptop, declarado “morto” pelo técnico e sem a mínima chance de cooperar na recuperação de seus arquivos pessoais. E bota arquivo nisto: quase cinco mil músicas, infinitas fotos, afora documentações, textos, etc. Que não lhe perguntassem os motivos pelos quais teria conservado a tal plaquinha durante estes anos. Tantas vezes, em suas arrumações, hesitou em jogar aquele quadradinho de metal dourado cheio de enigmáticos sensores e fios, para depois devolvê-lo ao seu posto na gaveta, como se ali contivesse uma parte importante de sua vida, que de certa maneira queria preservar e esquecer ao mesmo tempo. Foi impulsivamente que aceitou a oferta do amigo para tentar recuperar este passado, e agora, a notícia de que o milagre se realizara, suscitava este misto de prazer e medo. Ele poderia enfim, reaver suas músicas, suas fotos. Mas como seria voltar àqueles “anos dourados”? Ali estavam o começo, o intermédio e o fim de sua relação com Gabi, vividos em meio ao tumulto dos últimos anos da faculdade, todas as festas, as viagens com a turma, as primeiras entrevistas de emprego. Não tinha sido fácil para ele realizar esta passagem da irreverência, da liberdade, do descompromisso para um mundo de obrigações, horários e muita responsabilidade. É provável que para a Gabi tivesse sido menos penoso. Havia certa naturalidade na maneira cuidadosa com que ela administrava sua vida profissional, traçava seu futuro. A verdade é que a gestão da carreira – agora lhe ficava mais claro- depende e muito da relação que cada um tem com sua escolha, da paixão ou da falta dela. A opção de Gabi por seguir sua vida e seus sonhos sem ele tinha sido um golpe inesperado em todos os sentidos. Ele estava à deriva, no ritmo da maré, sem muitos sustos nem muitos planos e a palavra casamento lhe era tabu, mas não para Gabi, que há algum tempo vinha insistindo para que ele se comprometesse mais com seus projetos. E quão longe ele estava de imaginar seu próprio grau de envolvimento e dependência naquela relação!Quanto mais alienado, mais a realidade convoca, se impõe e arremessa para longe. Aquilo tinha sido um verdadeiro nocaute e o deixara no nível do chão por um bom tempo. Para quem ligar todas as noites enumerando as chatices do dia? E o que fazer nos finais de semana e feriados antes com suas programações previamente agendadas? Não bastassem os vazios, ela logo engatou um namoro firme com um gajo um pouco mais velho e se casou um ano depois. Só quem pertence ao mundo (cruel?) dos homens pode entender o rombo que esta ferida provocou. Sim porque para ser reconhecido como membro desta categoria é preciso provar e provar e provar a vida toda que se é macho sem sequer confessar o medo de fracassar nesta empreitada insana. E macho algum pode curtir dor de cotovelo, se deprimir pelo término de um relacionamento. Se antes não possuía, ele precisa providenciar rapidamente uma fantasia de caçador, cair na vida, e espalhar aos quatro cantos seu alívio pela alforria. Resta-lhe exibir a contabilidade: o celular se enche de nomes e vozes femininas. Até que surja uma Helena no horizonte, um porto seguro, ao mesmo tempo leve, delicada. Alguém que se deixe amar, que se ofereça como parceira. Depois é só apostar que o caldo antes excessivamente quente desta historia passada com suas fotos e músicas possa ser consumido sem tantas dores ou danos.

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