sábado, 23 de abril de 2011

Sobre cães e pessoas

Quem se aproximasse da mesa teria dificuldades em perceber a origem daquela empolgada conversa. Quase todos tinham algo a acrescentar sobre o assunto, relatando suas experiências entre risadas e uma certa satisfação. É provável que a perplexidade do visitante crescesse ao saber que o tema que prendia a atenção de todos girava em torno de histórias de seus cães. Seria preciso tomar alguma distancia dali e do tempo para se perguntar em que momento estes animais teriam se humanizado a ponto de se transformarem em portadores de tantos comportamentos antes exclusivos de nossa espécie. Ele/ela não gosta de tal fruta ou não suporta tal tipo de barulho, adora quando ouve tal música, prefere dormir no quarto do fulano, sabe exatamente onde deve fazer suas necessidades, pede com insistência para ir passear, sai em disparada fazendo muita festa quando cicrano chega etc. De animais domésticos soltos em quintais para servirem de guardas, os cães foram se tornando membros da família, portando histórias sobre a escolha de seus nomes, sobre seus antecedentes, sobre as singularidades de seu desenvolvimento e suas aquisições de comportamentos “humanos” como a “inteligência” e o “amor”. São jovens casais que adotam um “pet” enquanto não há projetos para filhos, casais com filhos que cedem aos seus pedidos para acrescentarem um cãozinho à família, outros solteiros, idosos ou sem filhos que se dedicam com zelo e amor aos cuidados de seu cão, etc. Passamos a tratar nossos cachorros como se eles fossem nossos filhos e eles respondem ao apresentarem comportamentos ajustados à casa, à rotina e à nossa convivência, “humanizados”,que entendem vários códigos de nossa linguagem, e consomem uma série de produtos que auxiliam este convívio: banhos perfumados, camas e almofadas especiais, roupas que aquecem contra o frio, rações específicas para seu tamanho, raça e idade, etc. São cães que adoecem com seus donos, que tem câncer, ficam deprimidos, que são “ansiosos”. Cães que ficam obesos, fazem transplantes, tomam psicofármacos. As estatísticas mostram que 80% dos cachorros são considerados membros da família, 35% deles dormem na mesma cama que seu dono, e 30% têm festinha de aniversário todos os anos. Enfim, parece que estamos diante de uma nova e bem complexa relação com estes animais, e talvez sejam muitos os motivos disso. Mas podemos sublinhar o fato de sua porção “animal” nos garantir que ao adquirirmos um cãozinho podemos contar com sua lealdade e com a autenticidade de seu “amor”. Sendo as relações com nossos semelhantes uma das maiores fontes de nosso sofrimento e nossa maneira de existir hoje pautada na ânsia de aprovação, de sermos amados e admirados pelos outros, isso impõe a necessidade de se buscar ansiosamente indícios do amor do outro, que confirmem nosso valor. No entanto a tarefa de cada um para conquistar este lugar especial, admirado, amado e reconhecido esbarra com a precariedade e a vulnerabilidade da presença deste amor. Melhor quando se pode atenuar a incerteza e a desconfiança quase inexistentes diante da possibilidade da garantia do amor incondicional de nosso cãozinho.

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