quinta-feira, 28 de abril de 2011

Desejo/medo de morrer

Três questões são apontadas como cruciais para que possamos avançar no entendimento de nossa condição humana: ter podido encarar as diferenças entre nós e um outro (não somos únicos e nem sobrevivemos sós) , as diferenças entre os sexos (não somos tudo) e o fato de que a morte é inevitável ( não somos imortais). Em alguma medida, todos nós tentamos negar tais limites ao construirmos alguns mitos privados para uso exclusivo e com leis próprias, mesmo que continuemos reconhecendo a realidade dessas leis inexoráveis. Muitas de nossas patologias psíquicas gravitam em torno de nossas dificuldades em aceitar estas premissas que longe de serem simples, são responsáveis pelo desenvolvimento de grande parte de nosso acervo simbólico. A relação do ser humano com a morte, por exemplo, sempre esteve impregnada em um tecido cultural que buscava formas e modos de conhecimento que fornecessem subsídios não só para o seu significado, mas principalmente para a compreensão das atitudes advindas do senso comum sobre a morte. Entender o ser humano a partir de suas experiências diante da morte, mais do que um saber-se mortal, compõe uma espécie de memória coletiva cultural. Estamos falando sob a perspectiva do significado da morte que além de produzir símbolos, valores, conceitos, constrói diferentes teorias ao longo da história e das culturas. É este significado que será afetado pela nossa tendência a evitar permanentemente um saber sobre a nossa morte. É assim que cada um de nós cria sua própria historia/ mito/crença sobre a sua relação com a morte e invariavelmente é afetado pelas mortes daqueles que lhe são caros, assim como perturbados por aqueles que aparentemente desistiram da vida ou desejam morrer. Qualquer proximidade concreta com o “saber” de que todos irão morrer um dia, ou que é possível querer morrer, é sempre assustador. A depressão, doença que afeta um número surpreendente de pessoas espalhadas pelo mundo - entre crianças, adolescentes, adultos ou idosos - pode ser considerada uma doença psíquica da tristeza, da falta de desejo de viver. Ela exala um negativo da vida psíquica, muito embora possa ser a única maneira daquele sujeito evitar a dor da vida. A psicofarmacologia avançou sobremaneira nas últimas décadas e sem dúvida a prescrição da combinação de drogas psicotrópicas tem auxiliado na tarefa de aliviar os efeitos deste “amortecimento”. Os sintomas da depressão descritos nos manuais de medicina apontam para uma relação bastante diversificada dos mesmos, como a perda de vitalidade ou de interesse pela vida, a dificuldade de concentração, um sentimento de culpa, problemas de sono (excesso ou falta dele), pensamentos ou atos suicidas, fadiga, alterações de apetite e peso (tanto ganho quanto perda), comprometimento da habilidade psicomotora (agitação ou lentidão). Mas quando somos informados sobre o estado depressivo de alguém próximo, imediatamente evocamos os fatos que possivelmente o levaram a cair neste mar de tristeza. Abre-se o livro de sua história, vasculha-se seu presente e seu passado atrás de vestígios que possam explicar ou dar sentido a sua prostração. É como se separássemos nosso corpo de nossa mente ou nossa experiência humana e subjetiva dos seus componentes neurais. No senso comum explicamos as tristezas pelos fatos que afetam aquele que a porta; lembramos quem é aquele sujeito, sua vida, seus pais, suas mazelas, e as possíveis razões de seu sofrimento. Mas precisamos do discurso “limpo” técnico-científico sobre nós e o mundo, que nos ajudam a acreditar que nossos dilemas e contradições possam um dia ser obstruídos completamente na busca biotecnológica de prevenção de doenças e promoção de saúde. Algo como saber sobre os limites da condição humana, mas mesmo assim...

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