sexta-feira, 3 de junho de 2011

Nossas histórias

O professor e crítico literário americano Harold Bloom que se dedica há algumas décadas ao estudo de Shakespeare costuma dizer que o dramaturgo inglês inventou o humano. Assim como outros, ele tenta entender o fascínio de todos sobre a obra de Shakespeare - cujas peças não cessam de ser revisitadas, atuadas e lembradas - atribuindo-o à sua capacidade inquietante de atravessar os obscuros labirintos da mente humana, desnudando paixões, iluminando desejos ou apontando os grandes fantasmas que perseguem a alma humana. De certa forma o filme “Shakespeare apaixonado” de 1998 é um produto desta duradoura paixão e mostra um diretor que faz uso de um material histórico de maneira livre e inventiva ao transpor o enredo de Romeu e Julieta para a vida de seu autor. No filme o teatro e a Inglaterra de Shakespeare são reconstruídos e mostram como em sua época, suas peças se adaptavam ao gosto do público (e às capacidades da trupe), talvez porque houvesse ali um poeta ousado e antenado tanto com este público como com o mundo ao seu redor. Os estudiosos da obra shakespeariana marcam sua passagem, a partir de Hamlet, para uma nova forma de expressão, em que os personagens passam a indagar sobre si e seus dilemas. É o texto poético, a arte, antecipando as mudanças do mundo e narrando a vida. Em uma época de grande padronização, em que as tradições se impunham e as hierarquias precisavam ser respeitadas, os poetas eram reconhecidos e legitimados por oferecerem um sentido às questões humanas. Passado alguns séculos, com todas as mudanças que assistimos, a literatura e o cinema continuam a oferecer este espaço de reflexão sobre nós mesmos. Parece que estamos condenados a narrar nossas historias para responder sobre nossas vidas. E hoje, com as redes sociais, cada um de nós pode “inventar” historias sobre si e compartilhá-las com a imensa camada virtual que nos acompanha. Pode? Nem todos. A rede social é um enigma sem fim para muitos ou algo em que não se pode confiar, configurando-se em um grande dilema para muitos pais. De certa forma, ao nascermos herdamos um mundo que nos antecede e que nos é apresentado por aqueles que nos cuidam. Precisamos ser sintonizados na cultura para “existirmos” e na nossa infância é importante que acreditemos em um mundo mais ou menos estático em seu jeito de funcionar. Já a adolescência precisa ser turbulenta, revolucionária, seja para as grandes rupturas ou para as novas e pequenas invenções. Diferente da antecipação dos poetas, mas na mesma linhagem dos que escrevem o futuro, os adolescentes captam os desejos irrealizados que pairam na cultura e colocam-lhe vozes. Quando avançamos na idade, a proximidade com a finitude nos devolve um lugar mais acovardado, mais disciplinado e voltamos a desejar que nada vá contra a “ordem natural” das coisas. Mas se não sabemos como o mundo em que vivemos está funcionando não podemos ser “transmissores” de regras e limites para nossos “babies”. É a historia nos convocando.

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