domingo, 11 de março de 2012

Paixão/ medo do novo

Na visada diária pelos jornais digitais, a foto de um casal de homens jovens e risonhos chamava a atenção pela manchete que a acompanhava. Em 2009, ao pleitear ao conselho do Club Athletico Paulistano (do qual seria sócio desde pequeno), a inclusão de seu companheiro como seu dependente, o cirurgião plástico Mario Warde Filho teve seu pedido vetado. Qualificando-se vítima de discriminação, o casal foi à Justiça e no mês passado obteve uma decisão favorável. A divulgação da notícia pela mídia abriu o debate (mais que atual) sobre as parcerias gays. Aqui e ali os membros desta centenária e elitizada associação se posicionaram, alguns para defender a igualdade de direitos e apoiar a decisão da justiça que reconhece uma entidade familiar na união estável entre pessoas do mesmo sexo, e outros (a maioria) que, inconformados diante da possibilidade de conviver tão proximamente com o que lhes soa “estranho”, justificam sua indignação invocando a manutenção de uma “ordem moral” imaginária. A ideia de “clubes” assim como de condomínios privados parece conter uma aspiração (tipicamente humana) de encontrar e ocupar um lugar plenamente satisfatório onde reinaria a absoluta harmonia, a completa satisfação e nenhum ruído perturbador. Há temas recorrentes da história humana como a escravidão, os genocídios e as diversas formas de intolerância que se utilizam do recurso (também tipicamente humano) de justificativas imaginárias (quase sempre inconscientes), o que contribui para ampliar o imbróglio de uma grande fatia de nossa historia. Na Ilustríssima do dia 4 de março último, a matéria intitulada “A mitologia das ideias” discutia o fato de que a razão humana teria evoluído menos para aumentar o nosso conhecimento e nos aproximar de alguma verdade sobre nós ou o mundo do que para confirmar nossos sentimentos, palpites ou intuições. Nossa porção racional procuraria elaborar argumentos “racionais” que justificassem nossas conclusões- geralmente a serviço de nossos interesses/crenças - e se poria a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Não. Isto não é uma crítica, antes uma constatação, a de que nossas paixões e medos seguem nos norteando. À medida que nossas sociedades tornam-se mais complexas, também parecem mais inconsistentes, construídas sobre contradições sem síntese possível. Vivemos um ciclo sem fim em que tentamos responder interrogações, buscar sentido e certeza, que logo mais se afastam para dar lugar a novas perguntas. São zonas de desconforto, por isso buscamos o “conforto” do conhecido, do mesmo. E se há algo que se impõe e ao mesmo tempo nos causa temor é a ideia de que nossa identidade sexual seja uma questão em aberto, que passamos a vida construindo e tentando, inutilmente fechá-la. A intolerância com a ambiguidade e ambivalência da sexualidade alheia é proporcional àquela que sentimos diante de nossas indefinições, que por serem insuportáveis e jamais admitidas, transformam-se em tiros nas janelas dos que transgridem o modelo binário de escolha sexual e amorosa, caso de homossexuais, transexuais, etc. Recentemente entrevistado pelo programa Roda Viva, o cartunista Laerte, que causou (e vem causando) estupefação desde que resolveu passar a se vestir de mulher, surpreendeu ao público que o assistiu ao responder muito à vontade e ao mesmo tempo com clareza e consistência sobre suas dúvidas e inquietações. Sem pretender qualquer postura panfletária ou militante, Laerte reivindica o direito de não se “enquadrar” nas duas opções de gêneros que a cultura oferece por acreditar que as possibilidades humanas possam ser mais amplas. Sua postura, ao invés de acirrar os prós e contras, promoveu um debate honesto e corajoso com seus interlocutores e pode ter contribuído para abrir nichos novos para se pensar os destinos da complexa sexualidade humana em um futuro nem tão distante. Para uns, talvez para a maioria de nós,o medo sobrepuje a paixão pelo novo. Para outros e poucos, o contrário. Resta constatar que ambas as posturas podem vir a fazer parte da vida de cada um de nós.

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