domingo, 21 de outubro de 2012
Canções de amor
Tenho a impressão de que assim como eu, algumas
pessoas podem experimentar a sensação de estar diante de alguma sacada genial,
algo de uma grandeza que os excede ou que “faça” muito sentido quando se deparam
com determinada imagem, certo trecho de música ou frases de alguma poesia/livro.
A dupla Chico Buarque e Edu Lobo, por exemplo, mestres na combinação de
melodias e letras que enchem a alma, compuseram uma canção (Choro Bandido),
cujos derradeiros versos parecem encerrar uma espécie de metáfora daquilo que
nós humanos convencionamos chamar de “amor”. Ao cantarem que “mesmo que os romances
sejam falsos como o nosso, são bonitas, não importa, são bonitas as canções; mesmo
sendo errados os amantes seus amores serão bons”, os dois compositores nos
lembram como a literatura, a música e o cinema conseguem se manter responsáveis
por este espaço (idealizado?) de apostas nos amores. Estamos, de fato, quase
sempre prontos a reverenciar as historias de amor sejam elas trágicas, loucas
ou felizes. E as razões não são tão obvias. Por quê? Uma jovem amiga contava
dia destes que poderia “matar” seu namorado depois que este, em uma viagem de
férias, havia postado em uma rede social uma foto em que estaria acompanhado de
uma linda moça. Enlouquecida, ligou para todas as amigas e imediatamente acionou
seu eficiente serviço de “pronto socorro dos feridos pela flechinha de Eros” em
que cada uma deveria dar seu pitaco sobre ocorrido. Durante algumas semanas
entrou em “alfa” e dominada por sua ira não só proclamava aos quatro cantos os
atos de tortura e vingança que seriam aplicados contra o agora “ex”, como anunciava
sem culpa ou remorso suas insuportáveis manias e defeitos. Corta-lo de toda ou
qualquer rede social tinha sido sua primeira ação. Ahhhh! Como ele tinha tido
coragem de fazer esta desfeita a ela? E ela, como tinha sido capaz de acreditar
em seu amor? Aquele verme? De dupla amorosa invejada eles passavam à lista dos
“falsos ou falidos amores”. Podemos tentar colocar as lentes mais próximas, analisar
os detalhes desta história, achar seus caminhos, descaminhos , razões, desrazões.
Minha amiguinha andava feliz com esta nova relação. Farta de investir em alguns
namorados, no passado, que cedo ou tarde a traíam e resolvida a não se ligar a
mais ninguém, tinha feito uma espécie de contrato “diferente” com aquele menino.
Havia sim sucumbido ao fato dele não se descolar dela nem por um segundo,
sempre a reivindicar um olhar, um sorriso, a elogiar sua beleza, a proclamar
seu amor, a declamar poesias ou a inventar letras no violão que cantassem sobre
o lugar especial que ele lhe dedicava. Reuniu as amigas e anunciou: elas seriam
testemunhas de que ali não havia namoro sério. Eles iriam se curtir enquanto
fosse bom e cada um deveria administrar sua liberdade por conta e risco. Mas ela
foi gostando, se acostumando a ser rainha e a viver junto a alguém sempre disposto
a adivinhar seus desejos ou antecipar suas vontades. As amigas eram convidadas
de vez em quando para provarem as novas receitas que ele inventava sempre
inspiradas nela. Quem poderia resistir? Mas ainda sob o impacto dos tremores do
passado, durona, ela insistia que esta fórmula do compromisso
“descompromissado” lhe traria menos expectativas e por decorrência menos
sofrimento. Quando as férias dele - já planejadas - chegaram, juntos
relembraram os votos iniciais de liberdade. Nas primeiras semanas
aproveitando-se do tempo que lhe sobrava, marcou cafés e jantares para
conversas, trocas e risadas com as melhores amigas que lhe rendeu um doce sabor
deste descompromisso. Apesar disso ele lhe telefonava com frequência tanto para
lhe dar noticias quanto para reiterar sua saudade. Foi atropelada pela foto.
Implacáveis, dor e sofrimento inundaram sua alma antes de cada célula de seu
corpo ser tomada pela raiva. Ele havia atravessado aquela fronteira proibida.
Depois de algumas (ou muitas?) semanas, o ódio cedia espaço para a tristeza e
ela repetia a si mesma que se iludira com a possibilidade de viver
desafetadamente aquela relação. O “amor” nem pedira licença para se deitar no
sofá de sua alma. Invadira. Restava-lhe um gosto amargo das antigas certezas e uma
história. Uma história que era também tão bonita, que poderia até recomeçar. Mas aí seria outra história.
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