terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Novos guias para velhas questões


No final da década de setenta, finda a minha graduação de Psicologia em Ribeirão, parti para São Paulo em busca de especializações na área de clínica. Vinha com meu fusca e nenhum casaco de lã na mala. Soluções para as temporadas de frio foram fáceis, mas dirigir em São Paulo se mostrava enlouquecedor. A lógica era outra, as ruas quase nunca seguiam uma reta, ou mantinham-se paralelas umas às outras, as avenidas não tinham retorno à vista e as distâncias para se chegar a algum lugar ficavam infinitas. Costumava colocar no colo um calhamaço de páginas que eu comprara chamado Guia de Ruas de São Paulo, mas ainda assim era difícil entender as rotas e alcançar os destinos de chegada, e o alívio era indescritível se isso acontecesse. Quando meu filho fez 18 anos e tirou sua carteira de motorista, a cada vez que ele precisava ir a algum lugar novo, construíamos um mapa caseiro com algumas indicações importantes para evitar que ele se perdesse em algum dos “logradouros” sem saída. Afim de que ele pudesse se situar na disposição dos bairros e ter minimamente uma direção de ida e volta, compramos um mapa da cidade que ficava aberto e pendurado como quadro em seu quarto, com algumas marcas dos lugares mais comuns pelos quais ele transitava. A ideia era que aos poucos ele pudesse se familiarizar com a paisagem urbana um tanto quanto “caótica” e se sentisse mais seguro para arriscar novos caminhos. Estas lembranças me vieram à tona ao ler, na Ilustríssima do último domingo, o depoimento do escritor gaúcho André Czarnobai que, desafiado a passar uma semana sem entrar ou usar a internet, narrou dia após dia os pormenores de sua abstinência. Pensei em como os usuários do Google sentem-se a “salvo” não só por suas dúvidas e inquietações, mas por seus desejos, já que há ali uma oferta rápida e eficiente de informações que antes precisavam ser checadas em instituições, dicionários, pais, autoridades, mapas, professores, médicos, advogados, etc. Ainda que uma grande parte de gerações anteriores não aderiu ao mundo digital e pouco se utiliza da internet, as “redes” que foram possíveis serem construídas, o acesso à comunicação com amigos ou às informações diversificadíssimas vão aos poucos constituindo um Grande Lugar de Amparo, inédito e surpreendente. Se é verdade como preconizam muitos, que a nossa era se caracteriza pela falência quase total de antigas referências que nos guiavam em nossos modos de viver o presente e projetar nossos futuros, parece que as novas gerações se encarregaram de buscar novas formas que deem conta deste desamparo. Vejamos. Caso alguém queira organizar suas finanças, mas não tenha ideia de regras ou funcionamento do mercado, fazer uma maquiagem, mas não confia muito na sua escolha de produtos ou de cores, preparar um jantar para amigos queridos com um cardápio inesquecível, conferir a grafia daquela palavra que há tempos não utiliza ou fazer consultas sobre o melhor custo benefício de qualquer produto que necessite, pode dispor de todas essas informações no clicar de teclas nas pontas de seus dedos. É pouco? É possível também agendar e pagar as contas, ler em qualquer tempo sobre algum tema que lhe seja caro, assistir a um programa de TV, um filme, um show, ouvir aquela música que tantas recordações lhe traz, buscar imagens/guias de cidades, países, obras de artistas significativos ou ainda conferir/reclamar sobre qualquer produto comprado. Enfim, não há fim para o sem- número de opções que se pode encontrar armazenados à disposição dos usuários da internet. A ideia atrás da proposta feita ao escritor gaúcho era definir se sua relação com a internet estaria já no campo do vício, tal e qual uma droga. Mas a “falta” da internet nos sete dias propostos permitiu a ele perceber que sua vida ficava sem este grande recurso facilitador. Seria possível viver sem ela? Claro que sim, mas não valia a pena. Faz muito tempo que meu filho não precisa mais dos mapinhas caseiros. E se isso confirma o lugar de conforto que a Internet oferece aos jovens é importante lembrar que em qualquer tempo ou lugar as novas invenções produzidas (por nós mesmos) para ampliar o número de ferramentas que facilitem ou promovam maior satisfação a nós ou às nossas vidas, jamais nos livrarão da responsabilidade que cada um deve ter sobre seu uso.

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