No final da década de setenta, finda a minha
graduação de Psicologia em Ribeirão, parti para São Paulo em busca de
especializações na área de clínica. Vinha com meu fusca e nenhum casaco de lã
na mala. Soluções para as temporadas de frio foram fáceis, mas dirigir em São
Paulo se mostrava enlouquecedor. A lógica era outra, as ruas quase nunca
seguiam uma reta, ou mantinham-se paralelas umas às outras, as avenidas não
tinham retorno à vista e as distâncias para se chegar a algum lugar ficavam
infinitas. Costumava colocar no colo um calhamaço de páginas que eu comprara
chamado Guia de Ruas de São Paulo, mas ainda assim era difícil entender as
rotas e alcançar os destinos de chegada, e o alívio era indescritível se isso
acontecesse. Quando meu filho fez 18 anos e tirou sua carteira de motorista, a
cada vez que ele precisava ir a algum lugar novo, construíamos um mapa caseiro
com algumas indicações importantes para evitar que ele se perdesse em algum dos
“logradouros” sem saída. Afim de que ele pudesse se situar na disposição dos
bairros e ter minimamente uma direção de ida e volta, compramos um mapa da
cidade que ficava aberto e pendurado como quadro em seu quarto, com algumas
marcas dos lugares mais comuns pelos quais ele transitava. A ideia era que aos
poucos ele pudesse se familiarizar com a paisagem urbana um tanto quanto
“caótica” e se sentisse mais seguro para arriscar novos caminhos. Estas
lembranças me vieram à tona ao ler, na Ilustríssima do último domingo, o
depoimento do escritor gaúcho André Czarnobai que, desafiado a passar uma
semana sem entrar ou usar a internet, narrou dia após dia os pormenores de sua
abstinência. Pensei em como os usuários do Google sentem-se a “salvo” não só
por suas dúvidas e inquietações, mas por seus desejos, já que há ali uma oferta
rápida e eficiente de informações que antes precisavam ser checadas em
instituições, dicionários, pais, autoridades, mapas, professores, médicos,
advogados, etc. Ainda que uma grande parte de gerações anteriores não aderiu ao
mundo digital e pouco se utiliza da internet, as “redes” que foram possíveis serem
construídas, o acesso à comunicação com amigos ou às informações diversificadíssimas
vão aos poucos constituindo um Grande Lugar de Amparo, inédito e surpreendente.
Se é verdade como preconizam muitos, que a nossa era se caracteriza pela
falência quase total de antigas referências que nos guiavam em nossos modos de
viver o presente e projetar nossos futuros, parece que as novas gerações se
encarregaram de buscar novas formas que deem conta deste desamparo. Vejamos.
Caso alguém queira organizar suas finanças, mas não tenha ideia de
regras ou funcionamento do mercado, fazer uma maquiagem, mas não confia muito
na sua escolha de produtos ou de cores, preparar um jantar para amigos queridos
com um cardápio inesquecível, conferir a grafia daquela palavra que há tempos
não utiliza ou fazer consultas sobre o melhor custo benefício de qualquer
produto que necessite, pode dispor de todas essas informações no clicar de
teclas nas pontas de seus dedos. É pouco? É possível também agendar e pagar as
contas, ler em qualquer tempo sobre algum tema que lhe seja caro, assistir a um
programa de TV, um filme, um show, ouvir aquela música que tantas recordações
lhe traz, buscar imagens/guias de cidades, países, obras de artistas significativos
ou ainda conferir/reclamar sobre qualquer produto comprado. Enfim, não há fim
para o sem- número de opções que se pode encontrar armazenados à disposição dos
usuários da internet. A ideia atrás da proposta feita ao escritor gaúcho era
definir se sua relação com a internet estaria já no campo do vício, tal e qual
uma droga. Mas a “falta” da internet nos sete dias propostos permitiu a ele
perceber que sua vida ficava sem este grande recurso facilitador. Seria
possível viver sem ela? Claro que sim, mas não valia a pena. Faz muito tempo
que meu filho não precisa mais dos mapinhas caseiros. E se isso confirma o
lugar de conforto que a Internet oferece aos jovens é importante lembrar que em
qualquer tempo ou lugar as novas invenções produzidas (por nós mesmos) para
ampliar o número de ferramentas que facilitem ou promovam maior satisfação a
nós ou às nossas vidas, jamais nos livrarão da responsabilidade que cada um
deve ter sobre seu uso.
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