Poucos anos atrás uma amiga querida telefonou-me
para contar emocionada que sua filha mais velha estava grávida. Uma mistura de
sentimentos a invadia e ela ansiava por uma conversa longa na expectativa de
que alguma organização deste tumulto pudesse acalma-la. Aceitei prontamente o
desafio, antecipando certo prazer nesta troca que, a meu ver, poderia se tornar
fecunda para ambas. Estava longe de imaginar como a gestação de sua condição de
avó seria construída passo por passo com idas e vindas em um misto de aflição e
prazer, mas principalmente em um reviver nada tranquilo de sua própria
gravidez. Muitas estórias depois, começou a despontar o espaço novo em que a
futura neta iria habitar. Que avó ela queria ser para aquela menininha? Que
valores ou afetos ela haveria de privilegiar na tarefa de transmissão a que ela
estava se propondo? Mais uma rodada de lembranças foi acionada na tentativa de
situar sua mãe, falecida já há algum tempo, naquela condição de avó. Alguém que
felizmente havia estado muito presente e teria contribuído bastante para que os
primeiros cuidados com sua bebê - que agora gestava sua netinha - pudessem
parecer-lhe menos assustadores. Foram nove meses intensos em que pude
compartilhar com minha amiga uma mudança de peso na sua vida, primeiro na
interior, e depois na cuidadosa disposição do tempo para os afazeres de sua
rotina, abrindo espaços que seriam preenchidos por seu convívio com Alice, a
netinha. O zelo e a responsabilidade com que ela tratara seu novo status me tocaram.
Sem nunca se questionar, ela havia “trabalhado” de forma incansável, tentando
não se esquecer de nenhuma letra do alfabeto. Tanto empenho me levava a
refletir sobre as características de “tonar-se avó” e como esta função estaria
diferente nos tempos de hoje. Não é difícil detectar um lugar comum que habita
o imaginário de ser avó e classifica esta condição como algo “finalmente”
prazeroso, já que ao contrário da maternidade com suas responsabilidades
extremas, as avós podem deitar e rolar com seus netinhos sem se preocupar com
as obrigações educacionais e seus limites, em geral cansativos por demandarem
exaustivas intervenções. É possível que a figura da avó complacente das
famílias de gerações mais antigas cumprisse mais este papel de assegurar um
pouquinho de liberdade ilimitada- aqui
você é rei/ rainha- para fazer um contraponto diante das inúmeras obrigações
que os pais precisavam impor aos pimpolhos. Por outro lado o “tornar-se mãe ou
pai” atualmente está longe daqueles tempos em que tal função era praticamente
naturalizada, ou seja, de pai para filho, de mãe para filha e assim
sucessivamente. Muitas e novas variáveis passaram a contar, desde as mudanças
nos papéis da mulher, que pode fazer inúmeras opções em sua vida, inclusive a
de não se casar ou ter filhos, até na configuração das novas famílias, que em
muitos casos agregam filhos, pais e avós de outros relacionamentos. No caso das
avós, uma grande parte trabalha, tem vidas com agendas cheias e nem sempre
estão dispostas, como minha amiga, a abrirem uma picada nova na paisagem
construída durante anos. Mas é verdade que a relação entre os avós e seus netos
pode ser muito prazerosa. Sem muitos modelos prévios, no entanto, parece que
cada um pode construir sua condição de avô ou avó, incrementando-os com seus
desejos. A amiga citada acima planejou com cuidado sua nova função, tomando-a
como uma passagem a qual ela deveria e queria se preparar. Outra, cujo humor
fino a caracteriza, avó de três netos, em resposta a minha pergunta sobre como
tinha sido para ela “tornar-se avó” respondeu prontamente: há um antes e um
depois. Em seu rosto nenhum sinal de que a frase pudesse habitar somente um dos
lados entre o prazer e o fardo.
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