Há pouco mais de 200 anos, a França era palco de uma
das revoluções mais importantes, marco da era moderna. Ali, o povo se rebelava
contra a tradição e a hierarquia de monarcas e aristocratas, além da então
corrupta e poderosa Igreja Católica. Claro que a realeza, tomada de susto, se
organizou e durante algumas décadas lutou para restaurar a monarquia, o que
veio a acontecer com a era Bonaparte, mas estava cravado na história do
ocidente e no coração das pessoas, a esperança de um mundo em que fosse
possível a soberania do povo, o exercício da autoridade regido por leis
promulgadas por assembleias eleitas, a supressão de privilégios antes
instituídos, etc. As grandes guerras mundiais justificavam-se pela busca deste
mundo mais justo. No ultimo século, as ideias em torno desta “esperança”
movimentaram-se bastante. Se conquistamos direitos antes inimagináveis, graças
a todos os que militaram incansavelmente por isso, se elegemos a democracia
como um modo de convivência que mais se aproximava de um quantum igualitário de
liberdade, aquela “esperança” parece que foi aos poucos se deslocando. Ao invés
dela, hoje se busca mais a confiança. A maioria dos países que em tempos
passados viveram sob a égide de algum regime totalitário tenta encontrar um
eixo democrático e sustentar os direitos de seus cidadãos. O Brasil é um deles.
No entanto, o que se percebe, é que na época atual a cultura de cada país, ou
seja, como a rede de relações se estabelece se rompe ou se articula entre as
várias camadas sociais e políticas assume um lugar de muita importância na
estética democrática. Nossa famosa cordialidade, por exemplo, esconde uma rede
de relações privadas que comanda a cena pública do país e reivindica eternamente
ou um amparo ou uma brecha da lei para manter seus privilégios. Como nunca
tivemos um Estado que bancasse o desmame, à medida que se amplia o acesso de
classes menos favorecidas para repartir o bolo, aumenta-se o número de pessoas
que perseguem um lugar especial, ao sol, conquistado graças aos conchavos
decididos às escuras ou nos cochichos. Ao que parece este cenário de bastidores
se mantém a revelia dos partidos a esquerda ou a direita que assumem o comando
da proa. Assim, os “direitos” se tornam privados e cada um reivindica à sua
maneira, seus interesses particulares. Se o mundo se divide entre malandros e
otários, ninguém quer ser o segundo. Não temos uma bagagem de compartilhamento
do que é público e, portanto do que pertence a todos da mesma maneira. Ao invés
disso, reclamamos de tudo e todos sempre, vítimas que seríamos deste Estado
injusto, que não responde à altura da fome de cada um. Nas
últimas semanas, canais de televisões mexicanas veicularam um comercial que “bombou”
nas redes e gerou polêmica. Com atores infantis vestidos de adultos e vivendo o
cotidiano destes adultos, um estranhamento vai tomando conta de quem assiste,
como se, a despeito de todas as reverencias que se faz à infância e ao seu
lugar de privilegio na confecção do futuro do mundo, quando nos tornamos
adultos, entramos na roda viva que circula em torno dos interesses mais básicos
e primitivos: muito dinheiro, sombra ou sol (a depender do gosto) e agua
fresca. A noção do que é político, que é o dever de cada um em gestar qualquer
dimensão do que pertence a todos por igual, fica nos livros deixados nas
gavetas ou nos ideais esquecidos da juventude. O vídeo termina com uma criança
repetindo que se este é o futuro que a espera, não, não, ela não o quer. Como
se antes mesmo de se tornar um jovem capaz de sonhar e apostar em algum mundo
melhor, um trabalho de cada geração, estas crianças estivessem alertando-nos
para que não descuidemos do cimento de qualquer porvir: a confiança.
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