Por ocasião do cinquentenário do assassinato de John
Kennedy inúmeros textos foram produzidos, cada um contendo análises próprias, fossem
sobre sua vida, amores, ideias, sonhos, fracassos ou sobre o conturbado período
em que governou o país que no último século manteve uma soberania econômica,
tecnológica e militar sobre os demais. Canais de TV também exibiram reportagens
e documentários com destaques ao casal Jackie e John e repetiram à exaustão a
cena dramática do assassinato em Dallas no fatídico 22 de novembro de 1963. Não
pude deixar de me lembrar desta data, de nossa TV (ainda em branco e preto)
ligada e de meus pais consternados com a notícia. Era uma sexta-feira, um dia
de semana comum de trabalho e escola, mas na pacata cidade interiorana em que
eu vivia era visível o impacto que a notícia causava aos adultos que eu
conhecia. Naquele dia, a televisão da maioria das casas ficou ligada o dia
todo, a espera de novas notícias que pudessem contribuir com explicações sobre aquele
episodio inesperado. De todo o modo, graças àquela morte e às imagens que se
seguiram mostrando o belo casal, minhas lembranças adquiriram tonalidades
românticas. Jackie Kennedy, até então desconhecida, passou a ser íntima. Suas
aparições em fotos de revistas ou cenas na TV despertavam o interesse de todas
as mulheres, prontas a conferir sua elegância e seu visual impecável, porta-voz
que era dos estilistas mais badalados da época. As imagens de John divulgadas
pela mídia privilegiavam seu convívio familiar ou seus discursos, sempre
acompanhados de muito público. Sua morte ajudava a perpetuar um imaginário
sentimental ao qual muitos desejavam preservar, principalmente os americanos,
que se orgulhavam das cenas de sua “realeza”. Passados cinquenta anos, no
entanto, a aura romântica que tanto protegeu o casal Kennedy alterou-se tal e
qual as antigas fotos que perdem sua nitidez com o tempo. As gerações atuais,
sem muitos compromissos com as nostálgicas lembranças deste reinado, não poupam
JFK de seu lado B. Jornalistas e cientistas políticos analisam criticamente a
era Kennedy separando o joio do trigo em uma demonstração cabal de que o texto
de uma vida admite múltiplas versões. Ficamos sabendo que a conquista de seu
cargo de presidente, por exemplo, acontece graças à morte de seu irmão mais
velho (e mais inteligente) durante a segunda guerra mundial, aquele que o pai
havia designado desde sempre para tal posto. Ao contrário de Joe Jr., John
teria tido uma vida acadêmica medíocre o que refletia no seu despreparo para
com a complexa gestão do poder e da política do USA, apesar de seu carisma.
Além disso, reportagens, depoimentos e livros mapearam a impressionante coleção
de namoradas e amantes do presidente, que em tempos de mídia instantânea e redes sociais
não teria sobrevivido politicamente aos escândalos. E se a historia de sua vida
admite reinterpretações, sua morte o imortalizou em diferentes papéis, desde o conquistador
e presidente jovial, até o herói americano e símbolo de uma época. Mesmo a
porcentagem de americanos ultraconservadores - aos quais muitos atribuem sua
morte - que o viam como um político non grato, democrata, católico, socialista
e antiamericano, fizeram as pazes com seu passado de ódio após o impacto de seu
assassinato, contribuindo para a manutenção das muitas teorias conspiratórias envolvendo
a máfia, a CIA, os cubanos, etc. E ainda que hoje seja possível analisar o
abuso de poder e de privilégios que Kennedy exibia sem constrangimentos, ele
foi responsável por medidas importantes como o Ato dos Direitos Civis, que
acabaria com todas as formas de segregação racial ainda existentes no país. De
toda a forma, John F. Kennedy, democrata e primeiro presidente católico em um
país majoritariamente protestante desfrutou, enquanto viveu e depois que morreu,
destas concessões que fazemos a alguns, quando os elegemos portadores de partes
ideais de nós mesmos. Especiais.
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