quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Concessões


Por ocasião do cinquentenário do assassinato de John Kennedy inúmeros textos foram produzidos, cada um contendo análises próprias, fossem sobre sua vida, amores, ideias, sonhos, fracassos ou sobre o conturbado período em que governou o país que no último século manteve uma soberania econômica, tecnológica e militar sobre os demais. Canais de TV também exibiram reportagens e documentários com destaques ao casal Jackie e John e repetiram à exaustão a cena dramática do assassinato em Dallas no fatídico 22 de novembro de 1963. Não pude deixar de me lembrar desta data, de nossa TV (ainda em branco e preto) ligada e de meus pais consternados com a notícia. Era uma sexta-feira, um dia de semana comum de trabalho e escola, mas na pacata cidade interiorana em que eu vivia era visível o impacto que a notícia causava aos adultos que eu conhecia. Naquele dia, a televisão da maioria das casas ficou ligada o dia todo, a espera de novas notícias que pudessem contribuir com explicações sobre aquele episodio inesperado. De todo o modo, graças àquela morte e às imagens que se seguiram mostrando o belo casal, minhas lembranças adquiriram tonalidades românticas. Jackie Kennedy, até então desconhecida, passou a ser íntima. Suas aparições em fotos de revistas ou cenas na TV despertavam o interesse de todas as mulheres, prontas a conferir sua elegância e seu visual impecável, porta-voz que era dos estilistas mais badalados da época. As imagens de John divulgadas pela mídia privilegiavam seu convívio familiar ou seus discursos, sempre acompanhados de muito público. Sua morte ajudava a perpetuar um imaginário sentimental ao qual muitos desejavam preservar, principalmente os americanos, que se orgulhavam das cenas de sua “realeza”. Passados cinquenta anos, no entanto, a aura romântica que tanto protegeu o casal Kennedy alterou-se tal e qual as antigas fotos que perdem sua nitidez com o tempo. As gerações atuais, sem muitos compromissos com as nostálgicas lembranças deste reinado, não poupam JFK de seu lado B. Jornalistas e cientistas políticos analisam criticamente a era Kennedy separando o joio do trigo em uma demonstração cabal de que o texto de uma vida admite múltiplas versões. Ficamos sabendo que a conquista de seu cargo de presidente, por exemplo, acontece graças à morte de seu irmão mais velho (e mais inteligente) durante a segunda guerra mundial, aquele que o pai havia designado desde sempre para tal posto. Ao contrário de Joe Jr., John teria tido uma vida acadêmica medíocre o que refletia no seu despreparo para com a complexa gestão do poder e da política do USA, apesar de seu carisma. Além disso, reportagens, depoimentos e livros mapearam a impressionante coleção de namoradas e amantes do presidente, que em tempos de mídia instantânea e redes sociais não teria sobrevivido politicamente aos escândalos. E se a historia de sua vida admite reinterpretações, sua morte o imortalizou em diferentes papéis, desde o conquistador e presidente jovial, até o herói americano e símbolo de uma época. Mesmo a porcentagem de americanos ultraconservadores - aos quais muitos atribuem sua morte - que o viam como um político non grato, democrata, católico, socialista e antiamericano, fizeram as pazes com seu passado de ódio após o impacto de seu assassinato, contribuindo para a manutenção das muitas teorias conspiratórias envolvendo a máfia, a CIA, os cubanos, etc. E ainda que hoje seja possível analisar o abuso de poder e de privilégios que Kennedy exibia sem constrangimentos, ele foi responsável por medidas importantes como o Ato dos Direitos Civis, que acabaria com todas as formas de segregação racial ainda existentes no país. De toda a forma, John F. Kennedy, democrata e primeiro presidente católico em um país majoritariamente protestante desfrutou, enquanto viveu e depois que morreu, destas concessões que fazemos a alguns, quando os elegemos portadores de partes ideais de nós mesmos. Especiais.

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