quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Falar o que?


O filósofo francês Michel de Montaigne (1533-92) é geralmente evocado por todos aqueles que escrevem ou que elegem a escrita como forma de entender o mundo e as pessoas. Foi ele quem, em seu “Ensaios” inaugurou uma certa informalidade na escolha dos temas a serem tratados, dedicando-se a analisar o cotidiano das pessoas e incluindo-se ao descrever suas experiências e referir-se às próprias dúvidas, prazeres e inquietações. Manteve-se como uma referencia também por seu estilo charmoso, elegante, inteligente e bem humorado, além de ter caracterizado sua análise  por uma postura tolerante em relação às ações e sentimentos humanos comezinhos. Um verdadeiro precursor dos blogueiros do século XXI já que, ao contrário da época em que viveu, hoje ninguém se surpreende com relatos feitos na primeira pessoa em que se acentuam as cores do íntimo e do psicológico. Nestes 500 séculos que nos separam desta época, o lugar do privado e do publico sofreu transformações interessantes. No auge da consolidação da era moderna, em pleno século XVIII a divisão nítida entre estes dois espaços era condição sine qua non. Na esfera pública, os indivíduos eram cidadãos, submetidos a leis e normas impostas pelo Estado, enquanto na esfera privada eram pessoas prontas a defender seus interesses individuais. A família, o trabalho e os negócios eram espaços privados, e a política e o Estado, públicos. A tensão permanente entre o público e o privado foi se intensificando à medida que as sociedades se tornaram mais complexas. Dentre as múltiplas variáveis, certamente a mídia e a literatura contribuíram para que o espaço privado ampliasse seus tentáculos e invadisse o publico. Hoje quase todos os que escrevem o fazem traduzindo a realidade segundo seus pontos de vista, mesmo quando pretendem uma compilação de fatos passados, já que as narrativas de muitos historiadores levam seus leitores ao seu “imaginado” passado. Também nos parece natural ler um texto em que seu autor é um tradutor de si mesmo, capaz de transformar seu universo intimo e subjetivo em um mundo que faça sentido e gere interesse aos seus leitores. Um colunista, que como eu, tem como tarefa, a cada semana, escolher – entre as inúmeras opções que nossa vida contemporânea oferece- um tema que possa ser minimamente interessante, poderia se sentir “esgotado”, enfastiado, perdido e outros tantos adjetivos aflitivos. Mas se ele se mantém escrevendo ao longo dos anos, é provável que o exercício da escrita lhe seja não só prazeroso, mas importante. Em geral, aqueles que escrevem por prazer, são os que estão sempre conferindo/perscrutando a vida, o mundo, as pessoas, os lugares, as tramas, os desassossegos, as alegrias, em um interminável questionamento das razões de se viver. E é quase certo que os temas elegidos lhe sejam caros, o que faz com que o texto adquira um tônus vital e encarnado, que contenha algumas respostas para as suas infinitas perguntas.

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