O filósofo francês Michel de Montaigne (1533-92) é geralmente evocado
por todos aqueles que escrevem ou que elegem a escrita como forma de entender o
mundo e as pessoas. Foi ele quem, em seu “Ensaios” inaugurou uma certa
informalidade na escolha dos temas a serem tratados, dedicando-se a analisar o
cotidiano das pessoas e incluindo-se ao descrever suas experiências e
referir-se às próprias dúvidas, prazeres e inquietações. Manteve-se como uma
referencia também por seu estilo charmoso, elegante, inteligente e bem
humorado, além de ter caracterizado sua análise por uma postura tolerante em relação às ações
e sentimentos humanos comezinhos. Um verdadeiro precursor dos blogueiros do
século XXI já que, ao contrário da época em que viveu, hoje ninguém se
surpreende com relatos feitos na primeira pessoa em que se acentuam as cores do
íntimo e do psicológico. Nestes 500 séculos que nos separam desta época, o
lugar do privado e do publico sofreu transformações interessantes. No auge da
consolidação da era moderna, em pleno século XVIII a divisão nítida entre estes
dois espaços era condição sine qua non. Na esfera pública, os indivíduos eram
cidadãos, submetidos a leis e normas impostas pelo Estado, enquanto na esfera
privada eram pessoas prontas a defender seus interesses individuais. A família,
o trabalho e os negócios eram espaços privados, e a política e o Estado,
públicos. A tensão permanente entre o público e o privado foi se intensificando
à medida que as sociedades se tornaram mais complexas. Dentre as múltiplas
variáveis, certamente a mídia e a literatura contribuíram para que o espaço
privado ampliasse seus tentáculos e invadisse o publico. Hoje quase todos os
que escrevem o fazem traduzindo a realidade segundo seus pontos de vista, mesmo
quando pretendem uma compilação de fatos passados, já que as narrativas
de muitos historiadores levam seus leitores ao seu “imaginado” passado. Também
nos parece natural ler um texto em que seu autor é um tradutor de si mesmo,
capaz de transformar seu universo intimo e subjetivo em um mundo que faça
sentido e gere interesse aos seus leitores. Um colunista, que como eu, tem como
tarefa, a cada semana, escolher – entre as inúmeras opções que nossa vida
contemporânea oferece- um tema que possa ser minimamente interessante, poderia
se sentir “esgotado”, enfastiado, perdido e outros tantos adjetivos aflitivos. Mas
se ele se mantém escrevendo ao longo dos anos, é provável que o exercício da
escrita lhe seja não só prazeroso, mas importante. Em geral, aqueles que
escrevem por prazer, são os que estão sempre conferindo/perscrutando a vida, o
mundo, as pessoas, os lugares, as tramas, os desassossegos, as alegrias, em um
interminável questionamento das razões de se viver. E é quase certo que os
temas elegidos lhe sejam caros, o que faz com que o texto adquira um tônus
vital e encarnado, que contenha algumas respostas para as suas infinitas
perguntas.
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