“Odeio o Natal! E só agora, adulta e mais velha,
tenho coragem para falar sobre isso e repetir para quem quiser escutar” –
Confesso que me causou espanto ouvir esta frase de uma conhecida, e não pude
deixar de me interessar por suas razões. Ela girou e girou sobre suas
convicções, argumentando que não se lembrava de ter se sentido feliz ou
empolgada em nenhum dos Natais de sua vida. Ao contrário, o clima festivo lhe
parecia forçado e a alegria de todos à sua volta, incompreensível. Como boa
“escutadeira” de historias de vida, fiquei ali insistindo em achar alguma dor
esquecida que ficasse fora do espectro de sua percepção, mas que pudesse ser
capturada por mim. Mas fui novamente surpreendida com outro relato, agora de um
amigo, que parecia satisfeito em poder expressar ali seu mal estar por ocasião
da aproximação da época natalina. Separado há alguns anos, embora tivesse
filhos e namorada, preferia se isolar nos dias destas festividades familiares
viajando sozinho para sua casa de praia. Ali tentava fazer um “spa mental”
recuperando os momentos importantes e/ou decepcionantes do ano que se acabava,
para dimensionar melhor o que entrava. Motivo de preocupação dos filhos e dos
irmãos, seu telefone não era desligado, ao contrário, gostava de atender e
ouvir as aflições de todos pela sua opção ermitã. Alguns amigos presentes se
solidarizaram argumentando a favor do repúdio dos dois. Outros preferiram
manter o silencio, talvez em uma tentativa de respeito ou por imaginarem que
eles fariam parte de uma estatística de exceção. De atenta aos relatos para a
detecção dos caminhos de seu sofrimento passei a questionar minha opção. É
verdade que os dois haviam exibido suas feridas, ainda que veladamente, e o
Natal - esta festa de origem cristã que hoje é quase universalmente celebrada
como um momento de confraternização entre pares e familiares – podia ser mal
visto por ambos justamente por expor suas faltas e lembrar-lhes suas dores. Para
manter a empolgação e a alegria da data seria necessário compartilhar com a
maioria e sem muitos questionamentos, do clima de ilusão e esperança que
circula, que de certa forma parecem necessários para alimentar os sonhos. Não é
comum que se pare e se reflita sobre os excessos que facilmente se comete com
comidas, bebidas, presentes ou sobre os possíveis dissabores das obrigações em
torno das convivências e conveniências sociais. Pus-me a pensar que, se cada
época da história tem seus constrangimentos, a atual leva muitos de nós a ter
vergonha de não ser feliz. Com a disseminação da promessa de felicidade para
todos como um ideal possível de ser conquistado e mantido, o “deficiente”, o
insuficiente, o atrapalhado, o mal sucedido, passam a ser mal vistos e
imediatamente categorizados como fracassados. Resolvi olhar para aqueles amigos
como bravos resistentes a este imperioso e exigente ideal de felicidade. Que
cada um de nós possa ter o Natal possível ou não tê-lo se não puder/quiser!
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