A tarja da coluna semanal da Folha de SP do cronista
Xico Sá exibe o nome de uma das publicações
de suas crônicas intitulado Modos de
macho & modinhas de fêmea (2003), “escrachado” como ele, mas muito
interessante como tema. Sem medo de falar sobre o que e como pensa a vida e seu
entorno, Xico usa e abusa de seu lugar de macho que analisa outros machos e os
compara com as fêmeas, para usar um vocabulário que aproxima homens e mulheres
de um lugar menos solene. Também participa do programa Saia Justa (GNT)
dividindo com as “meninas” e outros “meninos” suas impressões sobre as novas
possibilidades de se analisar as relações humanas, em particular entre os
gêneros. Sem esconder seu gosto e apreço pelas mulheres Xico solta sua voz
quase solitária para cutucar os homens que, na falta de coragem ou de
possibilidade de referendar seus próprios pensamentos e sentimentos, insistem
em resguardar o velho catecismo do macho. Uma das pioneiras na análise dos
mitos em torno da mulher e a maternidade ou da constituição cultural do macho
humano, a filósofa francesa Elizabeth Badinter já apontava há algumas décadas
como estavam vedado aos meninos, desde a infância, uma série de comportamentos
e ações que pudessem feminiza-los, ou melhor, expor sua fragilidade. Tentava assim
desconstruir o que insistia em parecer ser “natural”. Ao contrário, se os
traços viris masculinos precisavam ser adquiridos e os menininhos não podiam
ser dóceis, femininos, submissos, dependentes e principalmente impotentes com
as mulheres, restava a eles encarar a difícil tarefa de “provar” aos outros
menininhos que eles eram sim muito machos, desde pequeninos. Estava sedimentado
um modelo de homem sempre sob ameaça, o que provavelmente alimentou uma imagem
pouco realista e muito dura de ser mantida. Desvendando a maior das ameaças,
ser potente sexualmente estava sob a dependência da geografia do órgão sexual
masculino chamado a realizar uma ereção, uma penetração e uma ejaculação. Peço
licença aos meus leitores para abrir tal assunto, quase nunca exposto,
principalmente para avaliarmos juntos o preço desta empreitada e o valor que o
sentimento de vergonha e humilhação adquiriu ao ser o grande regulador das
relações entre os homens. Que ninguém se engane com as piadas sobre o tamanho
do órgão sexual masculino e seu valor no mercado da autoestima. Assim como as
meninas muitas vezes se enfeitam para mostrar sua graça para as outras, os
meninos sempre precisaram do olhar de reconhecimento e da confirmação dos
outros meninos para sentirem-se homens. Dinheiro, poder, sucesso profissional,
carros, relógios e até mulheres foram (e ainda são para uma grande parte)
objetos que ajudavam a alimentar este sentimento de si e a confirmar a
virilidade. Durante mais de um século assistimos a hegemonia desta construção
defensiva da identidade masculina, consensualmente mantida por seus membros,
tal e qual uma ordem religiosa. Tudo para resguardar sua fragilidade, jamais
questionada e muito temida. Os tempos modernos trouxeram as cores ao
relativizar a diferença biológica dos sexos e apresentar a larga e complexa
escala das identidades sexuais humanas. Nossa sexualidade não pode ser
comparada ao modelo binário do mundo animal, macho/fêmea. Somos plurais e podemos
assumir modelos ímpares, mistos. E, libertos das amarras dos modelos fechados,
podemos finalmente assumir nossa vulnerabilidade e dividir nossas dores, nossas
dúvidas, sejamos homens ou mulheres. Inauguramos o século da sensibilidade e
com ele novos medos.
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