domingo, 19 de janeiro de 2014

Um lugar para o macho


A tarja da coluna semanal da Folha de SP do cronista  Xico Sá exibe o nome de uma das publicações de suas crônicas intitulado  Modos de macho & modinhas de fêmea (2003), “escrachado” como ele, mas muito interessante como tema. Sem medo de falar sobre o que e como pensa a vida e seu entorno, Xico usa e abusa de seu lugar de macho que analisa outros machos e os compara com as fêmeas, para usar um vocabulário que aproxima homens e mulheres de um lugar menos solene. Também participa do programa Saia Justa (GNT) dividindo com as “meninas” e outros “meninos” suas impressões sobre as novas possibilidades de se analisar as relações humanas, em particular entre os gêneros. Sem esconder seu gosto e apreço pelas mulheres Xico solta sua voz quase solitária para cutucar os homens que, na falta de coragem ou de possibilidade de referendar seus próprios pensamentos e sentimentos, insistem em resguardar o velho catecismo do macho. Uma das pioneiras na análise dos mitos em torno da mulher e a maternidade ou da constituição cultural do macho humano, a filósofa francesa Elizabeth Badinter já apontava há algumas décadas como estavam vedado aos meninos, desde a infância, uma série de comportamentos e ações que pudessem feminiza-los, ou melhor, expor sua fragilidade. Tentava assim desconstruir o que insistia em parecer ser “natural”. Ao contrário, se os traços viris masculinos precisavam ser adquiridos e os menininhos não podiam ser dóceis, femininos, submissos, dependentes e principalmente impotentes com as mulheres, restava a eles encarar a difícil tarefa de “provar” aos outros menininhos que eles eram sim muito machos, desde pequeninos. Estava sedimentado um modelo de homem sempre sob ameaça, o que provavelmente alimentou uma imagem pouco realista e muito dura de ser mantida. Desvendando a maior das ameaças, ser potente sexualmente estava sob a dependência da geografia do órgão sexual masculino chamado a realizar uma ereção, uma penetração e uma ejaculação. Peço licença aos meus leitores para abrir tal assunto, quase nunca exposto, principalmente para avaliarmos juntos o preço desta empreitada e o valor que o sentimento de vergonha e humilhação adquiriu ao ser o grande regulador das relações entre os homens. Que ninguém se engane com as piadas sobre o tamanho do órgão sexual masculino e seu valor no mercado da autoestima. Assim como as meninas muitas vezes se enfeitam para mostrar sua graça para as outras, os meninos sempre precisaram do olhar de reconhecimento e da confirmação dos outros meninos para sentirem-se homens. Dinheiro, poder, sucesso profissional, carros, relógios e até mulheres foram (e ainda são para uma grande parte) objetos que ajudavam a alimentar este sentimento de si e a confirmar a virilidade. Durante mais de um século assistimos a hegemonia desta construção defensiva da identidade masculina, consensualmente mantida por seus membros, tal e qual uma ordem religiosa. Tudo para resguardar sua fragilidade, jamais questionada e muito temida. Os tempos modernos trouxeram as cores ao relativizar a diferença biológica dos sexos e apresentar a larga e complexa escala das identidades sexuais humanas. Nossa sexualidade não pode ser comparada ao modelo binário do mundo animal, macho/fêmea. Somos plurais e podemos assumir modelos ímpares, mistos. E, libertos das amarras dos modelos fechados, podemos finalmente assumir nossa vulnerabilidade e dividir nossas dores, nossas dúvidas, sejamos homens ou mulheres. Inauguramos o século da sensibilidade e com ele novos medos.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário