terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tricô amoroso


Depois de algumas taças de vinho a conversa entre os três casais rolava solta na mesa do restaurante, acompanhada de muitas risadas. Para um observador atento era fácil perceber como aos poucos os temas iam ficando mais íntimos, revelando aqui e ali facetas inéditas de uns e outros. Em geral quando alguém abre o livro de sua historia para narrar fatos sobre si, o faz buscando-os na infância, no convívio familiar e muito frequentemente  no disputado jogo amoroso dos irmãos em relação aos pais. Quem era o preferido? E o mais ciumento? O mais político? Não é porque tudo o que acontece na infância seja o mais importante de nossa história e sim porque quando somos pequenos o que nos afeta é geralmente excessivo para as engrenagens ainda em formação de nosso funcionamento. Dois dos integrantes masculinos da roda, por serem irmãos, passaram a cutucar um ao outro discorrendo sobre o fato do caçula ter sido sempre o preferido da mãe e o mais velho, do pai. Na contagem das vantagens, no entanto, o destaque ficava para o clima de competição, tão comum nas irmandades e motivo para a construção de muitas piadinhas na fase adulta. Seria possível fazer uma métrica para os resultados de cada trajetória? Lembrando que a mãe havia sobrevivido ao pai por mais de uma década, ambos acabaram por concordar sobre a sábia distribuição de amor que ela teria feito entre todos, sem deixar de marcar para cada um, quão especial podiam ser. Em menos de uma hora de papo, a memória de ambos havia dado um pulo na infância e recortado lembranças de mágoas e motivos de júbilo. Terminaram por se emocionar juntos, ao recordar os últimos anos de vida da mãe, dedicados a lambuzar suas crias (já adultas), cada uma com um preparado especial. Pegando carona no clima, o terceiro marido da mesa revela solenemente - em tom brincalhão - que o excesso de confiança de sua esposa vinha de sua certeza de ter sido a mais amada pelo pai e pela mãe. Ela, por sua vez, longe de negar o fato ou se constranger, abre um sorriso satisfeito e põe-se a discorrer sobre suas táticas para driblar os ciúmes da irmã mais velha, principalmente quando o que estava em jogo era sua parceria com o pai. Conclui que esta necessidade de construir um espaço possível de convivência “pacífica” teria contribuído muito para que a partir da morte do pai, quando ela tinha apenas 6 anos, lhe sobrasse a tarefa de administrar o convívio familiar de forma o mais politica possível, o que lhe valera a admiração da mãe. Mas se havia razão para ter orgulho de si, a verdade é que o marido, embora não confirmasse em palavras, parecia se incomodar vez ou outra, com a naturalidade com que sua mulher acomodava as diferenças e os conflitos, o que lhe emprestava uma delicadeza importante na manutenção de suas relações. Talvez um misto de inveja – de querer um pouco desta destreza – ou de ciúmes, por ter que dividi-la tão frequentemente com amigos e amigas. Mais um vinho? – pergunta o garçom. Não, não, respondem em uníssono. Por hoje está de bom tamanho. Voltamos qualquer dia para prosseguir nos livros de nossa história. Isto porque quando é possível contá-las em clima tão amigável, as historias revelam seus ingredientes comuns e podem assim ser prazerosamente compartilhadas.

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