segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Mocinhos e bandidos


A verdade é que não faz muito tempo, tínhamos um futuro muito grande à nossa frente, cheio de lugares que quase ninguém conhecia, homens ainda em estágios primitivos de civilização, e uma enorme parcela da população mundial apostando em um mundo melhor, em que se pudesse viver mais feliz e tranquilo. Não por acaso, nas primeiras décadas da invenção do cinema, os filmes apresentavam os duelos entre aqueles que buscavam um mundo mais justo e esbanjavam valores dignos na caça dos que insistiam em seguir as próprias leis, sempre em benefício próprio. Também os dramas amorosos seguiam a rota do bom-mocismo e todos os desvios, fossem dos homens que não conseguissem renunciar à suas vidas de playboys ou das mulheres que se divertiam em seduzir os casados ou comprometidos, acabavam devidamente punidos (para o alívio dos espectadores). No “the end”,eram os homens e as mulheres do bem que formavam os casais que iriam viver felizes para sempre. Tempos bons, diriam muitos a suspirar. Tempos em que era possível viver com a esperança de algum futuro promissor. Tínhamos tanto a aprender! Mas quem sabe, porque tivéssemos um espectro importante de algo a acontecer, podíamos nos abrigar em polarizações simplistas sobre nós mesmos, dividindo-nos entre mocinhos e bandidos, cada um em seus devidos lugares. À medida que as ideias de democracia, liberdade, justiça, direito à crítica, tolerância ou solidariedade avançaram em paralelo com o progresso da tecnociencias e a complexidade do mercado financeiro global, o mundo se tornou mais difícil de ser compreendido. Nossa tarefa civilizatória parece ficar cada vez mais exigente. Por outro lado, o mundo tornou-se nossa casa e se ninguém nos avisa, nem nos lembramos de como chegamos até aqui. Não gostamos muito de imaginar que a Terra é um planeta que pode desaparecer ou que como “homens” que evoluímos até aqui, teríamos por obrigação pensar o futuro dessa humanidade. Mas que futuro e para quê? O convite do aqui e agora é bastante sedutor, pena ser o responsável por nos jogar inevitavelmente em uma lógica utilitária: vivo, penso, faço somente o que acho que será útil para mim e os meus. Assim, também, seguindo os mesmos critérios, é possível classificar o que é bom ou ruim, o que é do bem ou do mal. E quanto mais superficiais nossas análises, mais amamos os iguais e odiamos os diferentes, adoramos os que nos premiam com a satisfação de nossas expectativas e detestamos os que não nos dão importância ou nos frustram. Basta que o “tico e o teco”, nossos neurônios básicos, mantenham seu funcionamento mínimo, não nos exijam muito esforço e nem excessiva perda de tempo. Opa! Parece que mesmo que o mundo tenha ficado mais complexo, continuamos a utilizar nossa lógica binária para dividir o mundo, os homens e suas ações em bons e maus. Talvez esta seja uma das características mais importantes de nossa humanidade. Não abrimos mão deste conforto. Queremos ordenar o mundo, as coisas e as pessoas de modo a não ter que acionar nossos medos, assombrações, inseguranças e incertezas. Quando classifico tudo com minhas certezas não há porque me inquietar. Sou um homem comum, como todos os homens bons.

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