O adjetivo “corrupto” é
comumente associado a um julgamento de desqualificação moral da pessoa em questão,
que pode ser facilmente partilhado entre grupos. Mas não deixa de ser
interessante pensa-lo como um índice classificatório dos países, que desde 1995
vem sendo computado pela organização Transparência Internacional, responsável pela
divulgação anual do Índice de Percepção da Corrupção. Afinal o que vem a ser
isso? Seria uma espécie de “medição” da prevalência da corrupção no setor
estatal e nos bancos, além de uma conferencia das opiniões da comunidade de
negócios e dos analistas locais de cada país. No ranking geral, por exemplo, o
Brasil é o 72º colocado entre os 177
países analisados, um posto até modesto se comparado a vários países das
Américas do Sul e Central que possuem índices maiores. Para nós, brasileiros,
no entanto, a percepção da corrupção no país é antiga, quase encarnada, diferente
da Rússia, que vem divulgando nos últimos anos um aumento expressivo de seus
níveis de corrupção, o que certamente vem afetando sua imagem tanto interna
quanto externa. Por outro lado, o Chile, país irmão, tem uma tradição oposta, e
pode se orgulhar por permanecer com seus índices mínimos neste quesito.
Explicar as “tradições” de cada um destes três países não é nada fácil, no
entanto, principalmente porque uma boa análise deve incluir a história, a
cultura, a localização e extensão territorial, as condições de desenvolvimento,
etc. Vejamos o Chile. Embora geograficamente próximo e
colonizado pela Espanha, que assim como Portugal preocupou-se muito mais com a
exploração dos povos do que com o povoamento e a ocupação dos lugares, o Chile,
e alguns de seus vizinhos, não mereceu grande atenção da Colônia e talvez por
esta (e outras razões), pode se desenvolver, criar uma classe política e formar
uma sociedade comprometida com o exercício de cidadania, uma tradição deste
país. A história da Rússia está longe de se assemelhar à de nossos trópicos. No
século XVIII, o Império Russo era o terceiro maior império da história, a
partir do século XX, a maior e principal república constituinte da União
Soviética, e entre 1922 e 1991, o primeiro e maior Estado socialista
constitucional, reconhecido por sua superpotência. Após a dissolução da União
Soviética (1991), ainda que o país continuasse a ter um reconhecimento
internacional por sua importância econômica, suas armas nucleares, sua
participação na ONU, sua inegável tradição de excelência nas artes e nas
tecnociencias, a herança dos anos de estado socialista e autoritário que manteve
a estatização dos meios de produção e principalmente a falta de transparência e
liberdade de imprensa, parece ter contribuído para a constituição de um celeiro
importante para o crescimento da corrupção, uma versão russa da lógica das
“máfias”, em que funcionários públicos criam verdadeiras redes de coleta de
subornos. A isso é preciso acrescentar o fato de seu atual presidente, Vladimir
Putin, ter ficado capturado pelo desejo de permanecer no poder indefinidamente,
o que o leva a tentar manter a mídia, a economia, as eleições, a censura e a
propaganda controlados pelo Estado, além de perseguir adversários políticos,
empresários e críticos do regime. Já nosso querido Brasil, desde a vinda da
Coroa Portuguesa e mesmo depois de sua Independência sempre esteve à mercê de influências
estrangeiras (econômicas e culturais), com o agravante de que a população,
tradicionalmente passiva, não se apropriou de seus direitos de cidadãos e
descompromissados com a política e as leis, seguiu apostando no jeito informal
de resolver seus entraves burocráticos ou suas obrigações civis. Institucionalizamos
o jeitinho com uma inflação de intermediários (serviços e serviçais) pagos para
quebrar galhos de todas as espécies. Ademais, nunca constituímos um espaço de
vigilância de cidadãos ao funcionamento arbitrário de governos e empresas, o
que ajudou a perpetuar o abuso de poder em beneficio próprio para todos, mas
principalmente para as classes politicas e /ou poderosas. Recentemente li em
alguma mídia, que alguns setores russos lamentavam o fato de seus jovens,
desesperançados, estarem emigrando de seu país em busca de novas e melhores opções.
No Brasil, ao contrário, parece haver uma incipiente emergência de participação
via movimentos e protestos em sua maioria encabeçados por jovens, que aos
poucos tentam ocupar esta vacância de que falamos. Um pouco como se fosse possível- finalmente- colocar em xeque
um longo e tradicional culto aos privilégios sem custos, graças a um pequeno
mas importante aumento do grau de consciência sobre o direito de protestar ,sem
medo de represálias, como a instituir um debate de ideias.
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