segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O que eu tenho ver com isso?


O adjetivo “corrupto” é comumente associado a um julgamento de  desqualificação moral da pessoa em questão, que pode ser facilmente partilhado entre grupos. Mas não deixa de ser interessante pensa-lo como um índice classificatório dos países, que desde 1995 vem sendo computado pela organização Transparência Internacional, responsável pela divulgação anual do Índice de Percepção da Corrupção. Afinal o que vem a ser isso? Seria uma espécie de “medição” da prevalência da corrupção no setor estatal e nos bancos, além de uma conferencia das opiniões da comunidade de negócios e dos analistas locais de cada país. No ranking geral, por exemplo, o Brasil é o 72º colocado  entre os 177 países analisados, um posto até modesto se comparado a vários países das Américas do Sul e Central que possuem índices maiores. Para nós, brasileiros, no entanto, a percepção da corrupção no país é antiga, quase encarnada, diferente da Rússia, que vem divulgando nos últimos anos um aumento expressivo de seus níveis de corrupção, o que certamente vem afetando sua imagem tanto interna quanto externa. Por outro lado, o Chile, país irmão, tem uma tradição oposta, e pode se orgulhar por permanecer com seus índices mínimos neste quesito. Explicar as “tradições” de cada um destes três países não é nada fácil, no entanto, principalmente porque uma boa análise deve incluir a história, a cultura, a localização e extensão territorial, as condições de desenvolvimento, etc. Vejamos o Chile. Embora geograficamente próximo e colonizado pela Espanha, que assim como Portugal preocupou-se muito mais com a exploração dos povos do que com o povoamento e a ocupação dos lugares, o Chile, e alguns de seus vizinhos, não mereceu grande atenção da Colônia e talvez por esta (e outras razões), pode se desenvolver, criar uma classe política e formar uma sociedade comprometida com o exercício de cidadania, uma tradição deste país. A história da Rússia está longe de se assemelhar à de nossos trópicos. No século XVIII, o Império Russo era o terceiro maior império da história, a partir do século XX, a maior e principal república constituinte da União Soviética, e entre 1922 e 1991, o primeiro e maior Estado socialista constitucional, reconhecido por sua superpotência. Após a dissolução da União Soviética (1991), ainda que o país continuasse a ter um reconhecimento internacional por sua importância econômica, suas armas nucleares, sua participação na ONU, sua inegável tradição de excelência nas artes e nas tecnociencias, a herança dos anos de estado socialista e autoritário que manteve a estatização dos meios de produção e principalmente a falta de transparência e liberdade de imprensa, parece ter contribuído para a constituição de um celeiro importante para o crescimento da corrupção, uma versão russa da lógica das “máfias”, em que funcionários públicos criam verdadeiras redes de coleta de subornos. A isso é preciso acrescentar o fato de seu atual presidente, Vladimir Putin, ter ficado capturado pelo desejo de permanecer no poder indefinidamente, o que o leva a tentar manter a mídia, a economia, as eleições, a censura e a propaganda controlados pelo Estado, além de perseguir adversários políticos, empresários e críticos do regime. Já nosso querido Brasil, desde a vinda da Coroa Portuguesa e mesmo depois de sua Independência sempre esteve à mercê de influências estrangeiras (econômicas e culturais), com o agravante de que a população, tradicionalmente passiva, não se apropriou de seus direitos de cidadãos e descompromissados com a política e as leis, seguiu apostando no jeito informal de resolver seus entraves burocráticos ou suas obrigações civis. Institucionalizamos o jeitinho com uma inflação de intermediários (serviços e serviçais) pagos para quebrar galhos de todas as espécies. Ademais, nunca constituímos um espaço de vigilância de cidadãos ao funcionamento arbitrário de governos e empresas, o que ajudou a perpetuar o abuso de poder em beneficio próprio para todos, mas principalmente para as classes politicas e /ou poderosas. Recentemente li em alguma mídia, que alguns setores russos lamentavam o fato de seus jovens, desesperançados, estarem emigrando de seu país em busca de novas e melhores opções. No Brasil, ao contrário, parece haver uma incipiente emergência de participação via movimentos e protestos em sua maioria encabeçados por jovens, que aos poucos tentam ocupar esta vacância de que falamos. Um pouco como se  fosse possível- finalmente- colocar em xeque um longo e tradicional culto aos privilégios sem custos, graças a um pequeno mas importante aumento do grau de consciência sobre o direito de protestar ,sem medo de represálias, como a instituir um debate de ideias.

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